Lucas e Pedro — Capítulo 1: Uma família como a minha e a sua
São Paulo, maio de 2017. Em uma das vielas das grandes comunidades de São Paulo vivia uma bela família.
Ali morava um pai de família, sua esposa e seus dois filhos.
Se você conhece pouco sobre a realidade das comunidades em São Paulo e em quase todo o país, talvez não saiba que esta família passou por muitos apertos.
Para manter o sustento da família, dois anos antes, José, o pai da família, abriu uma pequena mercearia para levar o sustento para dentro de casa. Estava desempregado a quase um ano e sobrevivia fazendo “bicos” por aí. Apesar de ter feito muitos empréstimos no banco e buscado crédito para isso, percebeu que todo esforço estava valendo a pena.
Era suficiente para pagar as contas, fazer as despesas do supermercado e investir no futuro dos filhos. José sempre acreditou que seus filhos deveriam ter um futuro melhor do que o seu e o da sua mulher.
Sua esposa, Sandra, também havia achado um jeito de ajudar. Ela passava parte da manhã na mercearia, enquanto seus dois filhos estavam na escola. À tarde, voltava para fazer a faxina, preparar o jantar, lavar as roupas e deixar tudo em ordem.
Às vezes, alguém aparecia por lá para encomendar os seus salgados. Era do conhecimento ali da quebrada que Sandra fazia as melhores coxinhas, kibes, esfihas, bolinhos de queijo e de carne. Nem sempre apareciam encomendas, mas, quando alguém pedia, sempre ultrapassava 3 centos. Era somente com as encomendas que ela dava uma aliviada nos afazeres de casa e nas atividades do mercadinho do seu José.
Os dois filhos de José nasceram no mesmo dia e tinham a mesma idade. Havia muita dificuldade, para quem não os conhecia muito bem, em como distinguir quem era quem.
Toda a turma daquele 1º ano do Ensino Médio já conhecia muito bem os dois. O tom de voz, o penteado no cabelo e até a pequena diferença de peso entre João Pedro e João Lucas já eram conhecidos por todos ali.
João Lucas sempre foi mais “sossegado” do que o irmão. Apesar de ter sido colocado numa turma com ninguém que ele conhecia antes — exceto a Paulinha, com ele estudou no nono ano —, a sua fama de nerd já tinha se espalhado pela turma.
A matéria do professor Fábio era uma das mais difíceis que a escola tinha — e olha que eu sempre fui um bom aluno também nos meus tempos de escola —, mas Lucas sempre tirou de letra!
Inclusive, a primeira prova do trimestre havia sido um desastre para todo mundo, exceto para João Lucas. Apesar de só andar com o seu “bonde” na hora do intervalo e na aula de educação física, todo mundo queria colar nele quando o período de provas se aproximava, principalmente nas de Física, do professor Fábio.
O bonde do Lucas era pequeno. Só faziam parte dele o Caio e a Luana. Caio era um pouco gordinho, e muito fã de Star Wars. Todo mundo dizia que era filme de gente nerd e velha, mas ele não ligava; sabia listar seus personagens favoritos e narrar os acontecimentos mais emocionantes das trilogias. Luana era quase um palito. Tinha um cabelo bem curtinho e tinha algumas pintinhas no rosto. Sua paixão, por outro lado, era Harry Potter. Não havia sequer um filme ou livro da trilogia que ela não tivesse lido ou assistido. Era mais ou menos do mesmo nível de Caio, mas com uma obra diferente. Era bem claro porque ela não fazia parte de outros “bondes” das meninas.
Apesar dos três serem bem estudiosos, Lucas era quem sempre se saía com as melhores notas. Por ser o preferido da turma nas horas de aperto com provas e atividades, sempre era o menor alvo de piadas, zoações e provocações. Quem iria mexer com quem poderia ser sua salvação na hora das atividades valendo nota? Ninguém era tão bobo assim, acabava sobrando para Caio e Luana daquele grupinho.
João Pedro, por outro lado, era diferente do irmão. Sempre estava com os mais populares da turma. Vivia rodeado pela turma do fundão. Não era o centro das atenções nem o crush da maioria das meninas, mas tinha uma posição privilegiada ali dentro.
Pedro era um pouco mais esquentado, não aceitava levar desaforo pra casa. Se sentava na quarta carteira da terceira fileira, atrás do irmão, mas curtia ir pro fundão naquelas aulas que somente os mais esforçados participavam. Sempre ficava de costas para falar com seus amigos.
Pedro não mandava muito bem nas matérias da escola. Suas notas não eram 10 ou 9 como as do seu irmão, mas beiravam sempre os 7 e 8. Quando saía um 5 ou 6, colava em Lucas para melhor no próximo trimestre. Ele sempre se saía bem nas matérias que boa parte dos meninos da sala gostavam: educação física e artes.
Artes? Eu também me perguntei como eles gostavam da matéria. Na verdade, sempre acharam chato e sem sentido algum; porém, o que chamava a atenção era a professora Marina.
Ela havia terminado a faculdade no fim do ano passado e havia começado ali na escola naquele mesmo ano. Ela não tinha mais do que 21 anos e era a crush de quase toda garotada que tinha aula com ela. Pedro não era diferente.
Pedro era um bom menino, mas acaba se deixando levar pela influência dos colegas. E nisso era diferente do seu irmão.
Quanto à personalidade, conseguiam ser iguais e diferentes ao mesmo tempo. Os dois eram muito preguiçosos e só faziam as coisas de casa na base do grito da dona Sandra; porém, tinham gostos totalmente diferentes.
Enquanto João Lucas passava seu tempo livre estudando, assistindo filmes e séries ou lendo alguma trilogia que ele ainda não havia acompanhado, João Pedro passava indo jogar bola no “Areião” ou dando algum jet pela quebrada com os amigos da escola.
O Areião era o nome de um campo de terra que tinha do outro lado da avenida que cercava a comunidade. Alguns anos mais tarde, algum patrocinador resolveu transformar o espaço numa baita quadra poliesportiva, mas, por muitos anos, ali era uma grande quadra feita de terra vermelha, grades de gol enferrujadas (sem redes também) e um pequeno muro ao redor para que “as torcidas” pudessem se sentar e curtir as partidas.
Aquela família não tinha tudo o que queriam, mas tinham o que precisavam e era muito feliz. Infelizmente, com o passar dos anos, muita coisa mudou.
Alguns acontecimentos, nos próximos dias, fizeram com que aquela linda e tranquila família passasse por grande apuro. Ninguém poderia imaginar que uma visita inesperada naquela família traria tanto desespero e tensão.
E aí, curioso para saber desta visita? Então cola comigo no próximo capítulo.