Brigadeiro a Flores - Cap. 37: Blefe

Toc-toc. "Erva, você já se arrumou? Posso entrar?" Bernardo abriu a porta devagarinho e falou.

"Pode sim!"

"Erva eu..." Ele parou de falar ao vê-la. Erva estava com um vestido florido de alcinha e as rasteirinhas que ele comprou para ela no shopping. Seu cabelo estava solto e ela estava um pouco vermelha por causa do sol que pegou, mesmo passando protetor. Ela está muito gata.

"Você?" Erva disse o chamando de volta a realidade.

"Ah, eu..." Bernardo se concentrou. "Hum, eu não te vi neste vestido no shopping".

"Ah, é que não comprei nos shopping esse."

"Ah". Ele disse sem entender.

"Na facul, eu uso o uniforme, mas esses dias têm sido muito quentes, e o que eu tenho agora são de um tecido muito grosso!"

"Porque são originais".

"Aff! Preferia o meu que era mais leve."

"Os não originais encardidos?"

"Siiiiim" Erva disse brava. "Aff, você nunca pensa antes de falar, né?" Bernardo não respondeu. "Enfim, eu tenho levado uma muda de roupa para trocar entre a facul e o trabalho. Na sexta, eu sai do trabalho com o uniforme de lá, pois quis ir embora rápido, mas esse vestido estava na bolsa e hoje, bom, estou um pouco vermelha por causa do sol."

"Você devia ter passado mais protetor solar".

"Sim, eu não estou acostumada. Achei que um pouco só funcionária".

"Vou perguntar para a empregada depois, deve ter um creme pós-sol."

"Aaah não precisa".

"Precisa sim, senão você vai ficar ardendo." Ele disse olhando para as áreas vermelhas de Erva: ombro, rosto e colo.

"Ok, o-obrigada". Ela disse sem jeito. Huuum ele é cheio de querer cuidar de mim. "Bom, eu vou descer para você ficar à vontade."

"Erva, espere."

"Hum?"

"Onde está o seu celular? Mandei mensagem para saber se você estava se arrumando ainda e não tive resposta!" Ele mentiu para saber a resposta dela.

"Ah, eu... huuum... eu deixei lá embaixo antes de termos ido para praia. Está em cima da mesa. Vou pegar!"

"Huuum"

Ela saiu do quarto. Se eu disser que perdi, certeza que ele vai ficar puto e me chamar de irresponsável. Não quero discussão. Sem contar que é o iPhone mais novo, muito caro. Preciso juntar dinheiro e comprar um celular mais básico para poder falar com minha mãe quando precisar.

No quarto, Bernardo estava puto, pois entendeu de outra forma a resposta. Por que ela mentiu sobre estar com o Benício? Eu devia ter sido direto. Devia ter perguntado o que ela estava fazendo com ele na praia à noite. Essa garota está me fazendo de palhaço? Eu... droga! Eu gosto tanto dela. Eu sou idiota!

Bernardo não falou com Erva direito durante o resto do dia. Entregou o pós-sol sem dizer uma palavra. Ele ficou na dele pensando e observando.

Erva não percebeu o jeito do garoto, mas tentou disfarçar quando viu Benício pela primeira vez no dia. Seu coração acelerou e ela quis sorrir se lembrando que quase se beijaram. Mas quando viu a mulher de cabelo roxo conversando com ele, ela reavaliou a situação. Huuum de dia ele é uma pessoa e a noite outra. Foi o que disse ontem. Achei que nossa conversa teria mudado algo, mas... eu não gosto dele nesta versão. Eu devo ter imaginado coisas! Deve ter sido significativo somente para mim. Eu sou idiota!

Ela se concentrou em outras atividades para poder esquecer a noite anterior com Benício. Conversou com as meninas, jogou vídeo-game com Carlos e convidou a todos para jogarem truco.

"Eu não sei jogar, Erva e não estou a fim de aprender". Disse a mulher com Carlos.

"Eu jogo". Carlos disse.

"Eu também". Fagundes foi mais um.

"Eu não quero, não gosto de jogos". A garota com Fagundes disse.

"Aaah eu estou sem fazer nada." A mulher de cabelo roxo disse. "Benício não quer ser tão social hoje".

"Aconteceu algo?" Erva perguntou preocupada. Ela se envolveu tanto em atividades que não percebeu que ele só tinha ficado com o grupo na hora do almoço.

"Aaah ele está meio quieto, passou o dia todo praticamente me evitando, conversamos só um pouco no almoço, mas depois ele foi nadar, ler, dormir, enfim, me abandonou".

"Ah". Eu achei que ele tinha voltado a mentir o jeito de ser. Será que ele está bem?

"Mas não sei jogar bem, tudo certo?"

"Oi?"

"Truco. Eu não sei jogar bem, mas serei sua dupla".

"Aah claro, vamos derrotar eles!" Erva disse voltando sua atenção para o jogo e sendo competitiva.

"Não sabia que você era competitiva assim!" Carlos disse após Erva e a garota de cabelo roxo ganharem de 12 a 3 dos meninos e a bolsista ter gritado várias vezes coisas do tipo "marreco", "corre pato", "tá com medinha?", "não sabe nada", "é freguês".

"Desculpa, eu jogo isso desde os 13 anos". Erva disse rindo.

"Quero ver essa energia toda!" Bernardo, que se aproximou no meio do jogo e ficou observando, disse colocando a mão no ombro de Carlos, que levantou.

Erva deu risada. "Com você é mais fácil, já ganho todos os dias."

"Vish!" Fagundes apimentou.

"Jogue aqui, eu estou cansada, vou fazer outra coisa". A garota de cabelo roxo deu lugar para o Carlos ser parceiro de Erva.

"Beleza, agora eu ganho". Carlos comentou se sentando de frente a Erva.

"Ganha? Eu estou com o Bernardo, campeão nacional de truco, vai sonhando." Fagundes comentou.

"Campeão nacional?" Erva questionou.

"Sim, o Be jogava quando tínhamos uns... 15 anos?" Carlos virou-se para o Assumpção.

"Sim. Só não fui para o mundial porque meus pais me levaram para o Japão no dia do campeonato."

"Uau! Nem sabia que existia competição disso. Eu aprendi a jogar com um primo, e às vezes ia ao bar jogar com os idoso bêbados". Erva falou naturalmente e os menos se surpreenderam.

"Com 13 anos?" Carlos disse.

"Aaah não". Erva disse enquanto embaralhava. "Meu primo, já falecido, me ensinou quando eu tinha uns 10/11 anos. Quando eu fiz 13, era febre na escola e assim se seguiu até meu ensino médio. Eu jogava em bar com os idosos bêbados porque fazia bico como atendente para ajudar em casa".

"Você tem umas experiências que eu me questiono se você tem mesmo 21 anos". Carlos comentou. Erva riu.

"Mas era idoso bêbado mesmo?" Fagundes ficou imaginando seu avô bêbado na porta de bar.

"Ah não!" Erva riu. "É uma forma educada de dizer. Eram uns tiozão mesmo, sabe?" Ela riu mais se lembrando e os meninos concordaram e riram também.

"Sei sim".

"Bom, vamos jogar, pois temos uma celebridade nacional aqui". Erva debochou.

"Está com medo?" Bernardo provocou.

"Óbvio que não. Isso me deixa mais enérgica!"

O jogo começou e Erva já fez sinais disfarçadamente com Carlos. Ele mostrou a língua e ela piscou. Bernardo, que já havia observado o jogo, percebeu a piscadinha de Erva. Ele riu mentalmente, achando ela fofa.

1x0.

"Para de ficar babando pela Erva e presta atenção no jogo, Bernardo!" Fagundes disse assim que Erva e Carlos ganharam.

"N-não estou babando."

1x1.

"Isso!"

2x1. 2x2. 2x3. 2x4. 2x7.

"Droga! Eu achei que eles não tinham". Erva disse ao ir no truco de Fagundes e eles perderem.

"Fagundes pode ser bom com as garotas, mas é um péssimo mentiroso nos jogos." Carlos comentou e o ruivo riu.

"Vamos recuperar."

Na próxima rodada Erva não deu piscada, guardou para si que tinha o zap de paus. Carlos fez sinal que só tinha um 3. Bernardo percebeu.

"Truco!" Ele disse antes de iniciarem a rodada.

Erva surpreendeu. "Nossa, que confiança!".

"Eu sei o quanto sou bom!" Bernardo disse com um sorrisinho.

"Sei. Vamos, Carlos?".

"Você sabe, eu pensaria melhor." Carlos disse não confiante em suas cartas.

Erva olhou para Bernardo com um sorriso. Sentiu um frio na barriga com o olhar penetrante dele.

"Vocês irão jogar ou se pegar?" Fagundes brincou após um tempo dos dois se olhando.

"Óbvio que irei jogar, só estou vendo se ele está blefando." A garota disse voltando-se para as suas cartas.

"Eu não blefo."

"Sei! Campeão nacional e nunca blefou?"

"Acho que esse é o segredo: ser verdadeiro sempre!" Bernardo disse sério e a mesa ficou em silêncio. A frase pareceu pessoal demais.

"Que lição!" Erva zombou para quebrar o clima. "Bom, vamos."

Primeira: Erva jogou o zap de paus para matar o 10 de Bernardo. Venceram.

Segunda: Bernardo matou o 3 de Carlos com o zap de copas.

Terceira.

"6". Erva disse sorrindo, quando viu o 3 de Bernardo. Ela tinha um 4. Seu companheiro não demonstrou, mas em sua cabeça gritava "não", ele também tinha um 4.

"Você sabe que precisa ter ou um 3 de paus ou um zap para matar isso, não é?" Fagundes disse.

"9". Bernardo falou. E Erva gelou.

Fagundes balançou a cabeça. Isso parece uma competição pessoal, pensou.

"12". Ela continuou e o coração a mil.

A tensão ficou grande entre os dois se olhando.

"Eu sei que você não tem".

"Paga pra ver então." Erva juntou todas as forças que tinha para se manter firme. Precisava manter o blefe.

"Você não sabe mentir, você sabe, não é?"

"E quem aqui está mentindo?"

"Você! Está acostumada a fazer isso no dia a dia." Bernardo soltou e os meninos se olharam. Isso é pessoal, pensaram igual.

"O quê?" Erva soltou um sorriso sem entender.

"Nada! A gente não vai!" Bernardo falou juntando as cartas. Ela nunca vai admitir.

"Oook!" Erva disse com uma ruga na testa. O que ele quis dizer?

"Última rodada. 11 a 7" Carlos falou e sorriu para Erva, cortando o clima que ficou.

Erva e Carlos trocaram as cartas e decidiram ir. Erva tinha um zap de paus e Carlos o de copas. Venceram a primeira e na segunda, Erva, entusiasmada, colou o zap de paus na testa de Bernardo. "Chupa, marreco!" Todos riram e ela e Carlos bateram as mãos em comemoração.

"Besta! Eu sabia que você ia fazer isso em algum momento!" Bernardo falou com um sorriso, deixando a raiva de lado.

"Eu ganhei do campeão nacional, tinha que fechar com chave de ouro!" Ela falou bem próxima ao rosto dele e sorrindo.

"Gente! Vocês não vão acreditar!" A garota de cabelo roxo disse se aproximando. "A Sophie vai casar".

O sorriso e empolgação de Erva desapareceu. Bernardo notou.

"Como?" Carlos disse pegando o celular da mão da garota. No Instagram, uma manchete com a foto de Sophie mostrando um anel em seu dedo anelar direito dizia: "A ex-modelo e advogada de direitos humanos, Sophie Zietske, aceitou o pedido de casamento de Philippe Bruske." Ele leu.

"Um Bruske! Ela ganhou na vida!" A garota de cabelo roxo disse. Erva a olhou sem entender. "A família Bruske é dona de uma rede de hotéis luxuosos na França e Alemanha. O Phillipe foi voluntário na África com Sophie. Ele a conheceu lá, segundo as notícias. Eles super combinam, amam fazer trabalhos voluntários, vivem ajudando associações etc." Ela explicou empolgada.

Voluntariado? Será que...

"Ben? Você já sabia disso?" Fagundes perguntou e Erva percebeu que Benício estava na entrada da sala, assistindo a reação deles com a notícia.

"A Sophie chama a atenção onde quer que esteja. Vocês sabem o quanto ela é maravilhosa!" Ele falou e Erva sentiu uma dor dentro de si.

Já era de noite e após o jantar, os casais foram para cama cedo. Alguns para aproveitar o sábado de noite, outros, como Erva, porque ainda estavam impactados pela notícia aobre Sophie.

Mais tarde, Erva resolveu ir à praia, ver se encontrava com Benício, como na noite anterior, ele estava lá.

"Precisava te ver." Ela disse se aproximando.

"A notícia sobre Sophie?" Ele disse cabisbaixo.

"Eu quis falar contigo assim que soube, mas imaginei que não queria conversar na frente do grupo."

"Sim. Foi doloroso já responder o Fagundes".

"Você falou na noite anterior que aconteceram algumas coisas quando começou a se voluntariar na África, e começou a discutir com Sophie de forma regular."

"Eu tinha percebido como Philippe agia com ela nas atividades. E eu tentei entender isso com ela, mas estava enciumado e acabava brigando".

"Entendi".

"Em uma de nossas brigas ela disse que gostava dele. Que não comia mais comigo, pois havia jantado com ele. E... Que ele era melhor do que eu porque mesmo sendo rico, não era acomodado".

"Nossa! Eu..." Erva disse com muita pena de Benício.

"Está tudo bem. Ela me pediu desculpas depois. É só que... ainda dói". Ele a olhou e Erva percebeu que seus olhos estavam vermelhos de tanto chorar.

"Benício! Eu sinto muito". Erva deixou algumas lágrimas derramarem. "Eu queria poder fazer algo por você! Eu não gosto de te ver sofrendo assim, você... você não imagina o quão incrível eu acho que você é. O tão encantador e... por favor, eu só queria te ver sorrindo novamente!".

Benicio sorriu e abraçou Erva, que começou a chorar muito. "Achei que seria consolado e não teria que consolar". Ele falou abafado enquanto a abraçava.

"Me desculpa". Ela disse.

"Não precisa pedir desculpas". Benício a afastou e a olhou profundamente. Os dois estavam com os rostos molhados. "Você é a única pessoa que me faz bem atualmente, Erva. Eu posso ser verdadeiro e você é sempre incrível!". Ele sorriu e ela também. Ele então afastou o cabelo dela do rosto e beijou.

Erva se entregou ao beijo, sentindo as mãos de Benício em sua nuca. Colocando suas mãos nas costas dele e o abraçando fortemente enquanto se beijavam.

"Eu disse que você não blefava muito bem!"

Erva ouviu a voz que reconhecia muito bem. Ela e Benício se afastaram e viram Bernardo os olhando furioso.