Brigadeiro a Flores - Cap. 22: Aniversário de Sophie

"Amiga, você sabe que pode denunciar essas atitudes, não é?" Bianca falou apreensiva após Erva contar tudo o que aconteceu.

"Eu sei! Eu sei desde o início! Desde meu primeiro ano." Erva disse nervosa. Já era sexta, após todas as provas. Ela agiu nos outros dias como se nada tivesse acontecido na frente das pessoas, pois não queria deixar que aquilo a atrapalhasse nas provas. Mas após a entrega da última avaliação, o peso caiu sobre si e, após chorar no banheiro da escola, ela chegou brava no trabalho, onde contou tudo para a amiga.

"E por que você nunca fez nada?" Bianca questionou. "Eu sei que nunca te perguntei isso, mas acho que ele já foi longe demais!"

"Amiga, ele foi longe demais em todos os momentos. Eu ainda lembro de quando aqueles babacas quase fizeram uma cicatriz na minha testa na sala de anatomia." Ela disse segurando com força um garfo e o entortou de tanta pressão. "Droga!" Bianca arregalou os olhos. "Me dá outro garfo, por favor?"

"Aqui!" Bianca entregou para a amiga ainda a olhando assustada. Quanta força!

"Sorte que o Benício apareceu." Erva suspirou.

"Sim, mas enfim, porque nunca denunciou?" Bianca retomou o assunto.

"Entre o primeiro e segundo ano de faculdade, após me contarem que ele bateu tanto um menino que rompeu alguns órgãos internos"

"Credo!"

"Eu não sei quem foi e nem vi acontecer, mas eu vi o pessoal da minha sala falando. Enfim, eu resolvi investigar a fundo, encontrar queixas, processos etc."

"E daí?"

Erva balançou a cabeça negativamente. "Nada! Nenhum deles tem registro de queixa".

"Sério?" Bianca estava abobada.

"Sério. E a explicação que encontrei, e ouvindo também conversas aqui e ali, é que eles têm influência, então a família deles deve ter conseguido limpar qualquer coisa."

"Mas isso é errado!"

"Poder, amiga. Eu já vi tantos casos no direito das pessoas se livrando de ações que tiveram porque tem poder."

"Que horrível amiga."

"Minha família é humilde. Eu fiz de tudo para não entrar no caminho dos F4 porque eu sempre soube que eles têm mais poder e influência do que qualquer outro. Se eu, com todo meu senso de justiça, quisesse resolver isso de forma legal, eu tenho certeza que seria muito pior. E não só para mim, mas principalmente para minha família." A raiva tinha dado lugar para a dor. "Aquelas famílias com certeza não iam me oferecer dinheiro para tirar a queixa, como eu ouço do pessoal dizendo que é isso que elas fizeram com as vítimas de seus filhos." Erva olhava para o prato com a massa de brigadeiro que enrolava. Seu olhar estava perdido já. "Elas iam reverter a situação e acabar com minha família que já não tem nada. Tirar o emprego da minha mãe. Acabar de alguma forma ilegal com meu irmão." Ela fechou os olhos e respeitou fundo. Em um instante balançou a cabeça, espantando os pensamentos de sua mente. "Não, não , não. Foi melhor eu ter enfrentado e sofrido do que minha família. Eles não sabem de nada e vai continuar assim. Eu consigo protegê-los. E só falta um ano e meio praticamente, então está tudo certo!" Ela sorriu, mas Bianca percebeu que foi forçado para ela não se preocupar.

"Tudo bem. Eu confio em você."

"Obrigada, Bi." Erva sorriu agora mais honestamente para a amiga. Enrolou um brigadeiro e o jogou na bandeja de granulado. "E sem a tarja, as coisas estão melhores. Eu só preciso abrir o olho para aquele abusado."

"Anda com um canivete". Bianca sugeriu e Erva arregalou os olhos surpresa.

"Oras! Você me sugerindo isso?!" As duas sorriram.

"Estou brincando."

"Enfim, já passou! Aquele cara é estranho e bipolar. Eu preciso só ignorar ele. Apesar de..."

"Apesar de?"

"Benício me chamou para a festa de aniversário da Sophie. Ele até me encaminhou o áudio dela pedindo para ele me convencer a ir". Erva sorriu. "Ela é incrível."

"E por que isso é um apesar?"

"Festa da Sophie? F4?"

"Verdade. Bernardo estará lá com certeza". Bianca raciocinou. "Mas daí é só você ignorar ele, não?"

"É o que eu tenho feito, mas foi ele quem puxou conversa comigo, se lembra?"

"Mas você o viu no resto da semana?"

"Huuum não". Erva pensou, tentando se lembrar. "É verdade. Não sei se é porque estava tão concentrada nas provas, mas realmente não me lembro de tê-lo visto. Nem no refeitório."

"Então. Se ele fosse te perturbar ainda, teria feito, não acha?"

"Verdade."

"Assim, acho que você tem que ficar esperta com ele, mas talvez ele tenha dito a verdade em não te incomodar mais. Então, acho que tudo bem você ir à festa e se divertir com a Sophie, de quem você tanto gosta." Bianca aconselhou a amiga.

"Boa! Mas então, NÓS vamos!" Erva disse sorrindo.

"Nós?"

"Sim, Benício disse que podia te chamar!" As duas sorriram.

Erva e Bianca se arrumaram da melhor forma que podiam, e desta vez, a mãe de Erva fez os vestidos para as duas e, ao contrário do que a garota pensou, não ficou "espalhafatoso".

As duas chegaram no espaço luxuoso no bairro Jardins, onde não havia só convidados, mas imprensa também.

"O fato de ela ser modelo ajuda , né?" Bianca comentou e Erva confirmou com a cabeça.

Elas não estavam tão constrangidas quanto na última festa, mas sabiam que também estavam simples comparadas com os outros convidados. Comeram e beberam até que Erva avistou Benício e seus olhos brilharam.

Moralles se aproximou das meninas assim que viu Erva enfiando um salgado na boca. "Ainda bem que alguém come neste lugar." Ele falou pegando uma salada requintada.

"E não é para comer?" Erva disse ironicamente, bebendo seu drink.

"Você viu os meninos? Hoje está muito cheio. Sophie quis fazer um evento grande".

"Huuum entendi. Isso explica os fotógrafos." Erva refletiu. "Mas nós não os vimos."

"Eu acabei perdendo a hora de encontrar com eles. Não imaginava que estaria tão cheio." Benício falava calmo olhando ao redor, procurando os amigos.

"Logo você os acha. Vocês são grandes. Se você me achou, então lo..." Erva parou sua frase ao encontrar os olhos de Bernardo na entrada.

"Pelo visto, eles também se atrasaram". Disse Bianca, olhando para Fagundes e correspondendo o sorriso que ele deu ao avistá-la.

Os meninos se aproximaram e Erva, que não queria ficar perto de Bernardo, disse que ia ao banheiro e pegou mais um drink. Após torcer muito um papel higiênico, descontando sua raiva, ela voltou com outro copo na mão para perto do grupo.

"Vai com calma, amiga". Aconselhou Bianca.

"Tá tudo bem, esse é meu quarto copo."

"Quinto!" Disse a morena, mas Erva não escutou. Seu olhar cruzou com o de Bernardo novamente, que agora, virou a cabeça e foi andar pelo salão.

"Babaca". Disse a garota para si com o copo na boca.

Entre uma conversa e outra, Erva observou que Bernardo não voltou para o grupo, e o via sempre sendo abordado para conversar pelo salão: homens bem vestidos e mulheres muito bonitas e elegantes.

"Quem olha para ele assim, nem imagina o babaca que ele é." Ela falou alto e Bianca a olhou desconfiada.

"Você está falando do Bernardo?"

"Não! Quer dizer: aquele babaca!"

"Você o está perseguindo com o olhar?"

"Eu?" Erva falou tomando um gole do seu X drink. "Óbvio que não. Só percebi que o idiota sumiu daqui de perto depois que voltei do banheiro."

"Amiga, você também saiu quando ele chegou."

"E daí? Eu precisei ir ao banheiro, não fiquei fingindo de pessoa educada para outras no salão. Viu o tanto de mulher que chega nele e ele dá um sorrisinho? E aqueles homens que ele conversa com acenos e aperto de mão?" Ela revirou os olhos.

Bianca sorriu. "Você está alta. Melhor parar de beber."

"Não estou, estou com raiva. Ele nem me pediu desculpas. Parece que está me evitando a noite toda".

"Mas amiga, não é melhor?" Bianca questionou Erva que estava com a testa franzida, brava. "Deixa ele para lá, vamos tirar foto naquele pátio ali?" Erva aceitou e deu a mão para a amiga. Elas deixaram os meninos que há muito o foco já estava em outras coisas: Carlos e Fagundes preocupados em dar atenção para as mulheres que os abordavam, Benício preocupado com Sophie que até então (quase 2h de festa) não tinha aparecido e não respondia no celular.

Ela veio! Bernardo pensou assim que chegou na festa e, como sempre - desde que ela passou a intrigá-lo -, seus olhos como um imã encontrou os dela em meio a multidão. Não vou ficar perto dela, não posso. Vou só cumprimentar o Benício e... Pelo visto ela ainda está com raiva saindo de perto sem nem cumprimentar.

"A educação passou longe daquela lá" Carlos falou brincando ao ver que Erva saiu assim que chegaram perto do grupo.

"Ela foi ao banheiro."

"Oi, Bianca!" Fagundes cumprimentou a amiga de Erva e ela correspondeu. "Esse aqui parece que também não tem educação." Disse o ruivo para Bernardo após Carlos cumprimentar a morena e esse ficar quieto olhando Erva se afastar.

"Eu já disse Oi para o Ben. Não me compare". Bernardo falou mencionando o aceno de cabeça que fez ao F4 quando se aproximou e esse correspondeu.

"Mas há outra pessoa aqui também." Disse o ruivo e Bianca sorriu sem mostrar os dentes, balançando levemente a cabeça para o ruivo, demonstrando que estava tudo bem.

"Ah". Bernardo acenou rápido a cabeça.

Os quatro conversaram rapidamente sobre como estava cheio e ninguém sabia o motivo daqueles repórteres e fotógrafos, já que Sophie sempre gostou de festas "íntimas" (umas 100 pessoas). Depois Fagundes engatou em uma conversa sobre culinária com Bianca e os outros três começaram a falar sobre negócios, conversa comum de seus dia a dia.

Erva voltou e Bianca foi conversar com a amiga, assim que Bernardo cruzou seu olhar com o da garota, ele deixou os amigos falando sozinho e se retirou para o salão, a ignorando. Não vou ficar perto dela, não posso.

Ele falou e recusou educadamente (e irônico) propostas de negócios de vários homens bem vestidos que chegavam nele. E apesar de "aceitar" a palavra, apenas cumprimentou e deu o fora simpaticamente em várias mulheres que o abordavam com cantadas. Odeio essa gente!

Erva e Bianca fizeram um book nos cenários da festa. Algumas pessoas as olhavam e reviravam os olhos, e outras aproveitaram para tirar foto também. 

"Aí, você pode tirar para a gente também?"

"Por favor?" Erva disse com um sorrisinho. Ela já estava bêbada.

"Ah, claro. Por favor!"

Erva sorriu e tirou foto das meninas e acabou ajudando outras pessoas também com fotos e poses.

"Uau, você movimentou muita gente aqui" Um moço aparentemente de meia idade se aproximou de Bianca que apenas observava Erva produzindo outras pessoas.

"Na verdade foi minha amiga. Ela já fez bico de fotos em pontos turísticos de São Paulo". A garota respondeu tranquilamente.

"Interessante! Estava todo mundo quieto no início, parecendo com vergonha. Mas vocês iniciaram um movimento." O homem sorriu.

"Não foi nada. As pessoas só acompanharam".

"Eu gostaria de acompanhar também, você pode continuar comigo lá em casa." Ele finalizou e Bianca arregalou os olhos.

Erva estava um pouco longe da amiga, mas sempre a olhava. Quando viu um homem conversando com ela, resolveu se aproximar e ouviu a última fala. "Com certeza um velho como você não tem noção do que fala, não é mesmo?". Disse em alto e bom som para o homem ouvir.

Ele arregalou os olhos e virou surpreso para a garota. "O que você disse?"

"O que acabou de ouvir, pervertido! Sai de perto da minha amiga."

"Você é louca?"

"E você é pervertido. Agora vaza!"

"Eu vou é chamar o segu..." Pow! Erva deu um soco no rosto do homem.

"Amiga!" Bianca gritou. E pensar que estando bêbada ou não, ela agiria desta forma mesmo.

Algumas pessoas ao redor já tinham reparado na situação e aplaudiram Erva.

O movimento chamou a atenção dos F4 que se aproximaram e tiraram Erva das mãos dos seguranças.

"Ela socou uma pessoa". Um deles disse.

"Ele estava sendo pervertido com minha amiga". Erva justificou.

"Deixe ela com a gente. Ela é nossa amiga." Carlos disse e os seguranças confiaram.

"Você está bem?" Fagundes perguntou a Bianca.

"Sim. Ele estava me convidando para casa dele."

"Aquele velho ridículo!" Erva disse fechando uma mão em um punho e batendo na outra aberta. O homem a olhava assustado.

"Você lembra alguém" Benício sorriu. Ele estava muito simpático ultimamente. De riso fácil. Mas nesta os meninos o acompanharam e olharam para Bernardo, que estava a poucos metros deles, se contendo para não socar o homem que Erva acabara de bater. Aquele cretino aprontou com ela! Sorte que ela sabe se defender e defender os amigos. Se ele a tivesse tocado.

"Parem de falar, tem um movimento ali na frente." Carlos chamou a atenção de todos. Eles se aproximaram da entrada e Sophie chegava em uma Ferrari.

Sophie desceu do carro, cumprimentou a todos. Ela estava com um lenço na cabeça. Se dirigiu para um pequeno palco montado rapidamente no centro do salão.

"Boa noite!" Disse.

Erva reparou em Benício, ele a olhava como da última vez que Erva vira, apaixonado.

"Gostaria de agradecer a todos por participarem de meu aniversário de 24 anos". Todos aplaudiram. "Eu geralmente gosto de festas íntimas, mas neste ano, após 2 anos vivendo em Paris, eu quis fazer algo com mais pessoas queridas." Ela sorriu. "E também com a impressa, para fazer um anúncio" Todos franziram a testa com a última palavra.

Anúncio?

"Anúncio?" Murmurinhos começaram.

"Nestes dois anos que estava em Paris, eu tive contato com várias formas de trabalho no direito. Inclusive fiz estágio em uma empresa filantrópica de direitos humanos."

Os meninos olharam para Benício a procura de um olhar com este conhecimento, mas o garoto não desgrudava os olhos de Sophie. Agora, sem reação, o que Erva notara.

"Antes de eu retornar ao Brasil, a empresa me convidou para gerenciar alguns projetos na África e eu aceitei!"

Ela aceitou!

"Aceitou?" Os murmurinhos continuaram mais intensos.

Sophie então tirou o lenço da cabeça, revelando um novo corte de cabelo: curtíssimo, estilo joãozinho. Todos ficaram boquiabertos. Aquele era o símbolo de que sua decisão já foi definitivamente tomada.

"Esta festa é para comemorar meu aniversário, mas também para anunciar o fim da minha carreira como modelo. Eu estou iniciando um novo ciclo em minha vida e irei trabalhar com aquilo que realmente eu sempre quis desde adolescente, ajudando quem precisa, tentando fazer uma sociedade mais justa!"