Brigadeiro a Flores - Cap. 21: “Não chore”

"Bom, eu tenho aula daqui a pouco, vou descer." Disse Erva se levantando.

"Eu também! Vou contigo." Benício levantou junto. "Huuum, só reparei agora, essas coisas são suas?" O garoto apontou para um mochila e livros em cima de uma mesinha.

"Ah sim! Já estão aí desde ontem. Estou vindo depois do curso estudar para prova de amanhã. Direito Penal". Erva respondeu se dirigindo para a escada.

"Entendi. Mas pode chover."

"Ah sim, eu checo sempre o tempo. É que senão eu tenho que ficar carregando esses livros para cima e para baixo. Deixando aqui fica mais fácil." Erva sorriu.

"Existe biblioteca na universidade, sabia?" Benício falou sério, mas Erva entendeu que ele estava sendo irônico e deu um sorrisinho.

"É que como estamos com provas, a biblioteca do prédio de direito fica lotada. E o pessoal fica estudando em grupos e discutem alto. Daí eu me desconcentro."

"Existe mais de uma biblioteca."

"Eu sei, mas é que..." Erva falou meio desconsertada. "Bom, desde a tarja vermelha, eu evito lugares fechados com muita gente."

"Entendi." Benício disse pausadamente, carregando a palavra como um pedido de desculpa.

"Está tudo bem!"

"Eu ia sugerir o prédio de economia, mas..."

"Não, por favor! Quanto mais longe de lá, melhor!" Erva falou se lembrando de Bernardo. "Vai que eu esbarro com um de vocês."

"Valeu!" Benício disse com um sorrisinho.

"Não, não! Com você tudo bem? Mas os outros... principalmente o Bernardo." Ela fez uma cara medonha e o garoto riu.

Os dois encontraram uma lixeira capotada no meio do caminho, e Benício a levantou e colocou no lugar. Erva suspirou. E então, cada um foi para o seu prédio.

"Hey" Benício a chamou e ela virou-se. "Esqueci. Festa de aniversário da Sophie no sábado às 20h. Te mando por whats as informações!" Ele se virou e ela ficou olhando ele se afastando. Idiota, ele sabe se eu tenho compromisso? Esses ricos. Só porque a vida deles é desocupada, acham que de todos é. Eu tenho que trabalhar neste sábado e também vai ser logo após quatro dias seguidos de provas, eu pensei em ficar em casa, com as perninhas para o ar. Aiai. Não sei se ainda irei, vou pensar! Será que posso levar a Bi?

"Você viu? Ele parece que enfureceu."

"Nossa, parece que bateu em um menino que até perdeu o dente".

Erva ouviu uns murmurinhos quando entrou na sala.

"Aaah você! Você fez algo para o Bernardo?"

"Oras! Por que você diz isso?" Erva disse a Magda e os clones.

"Huuum se não foi você, por que ele ficou de mau humor?" Úrsula questionou.

"Como assim?" Erva não estava entendendo nada.

"Aff! Você é desmiolada mesmo. Não sabe o que ele fez com dois meninos do primeiro ano?" Giulia disse sem paciência.

"Se eu estou perguntando..."

As três reviraram os olhos. "Ele quebrou a caixinha de som de dois meninos do primeiro ano de Música que estavam cantando no pátio principal. E ainda bateu neles, um até perdeu o dente." Magda contou.

"Mas ele estava bem hoje de manhã" Erva disse mais para si mesma do que para as meninas, se lembrando do garoto de cabelo enrolado conversando com ela no almoço. Tudo bem que ela odiou, mas notou que ele estava sorrindo diferente, não do jeito que quer matar alguém.

"Sim, ele falou com a gente de ótimo humor quando foi procurar pelo Benício". Úrsula disse.

"Procurar pelo Benício?" Erva enrugou a testa. "Do que vocês estão falando?"

"Ele estava procurando pelo Benício, e nós dissemos que ele foi para o prédio que está em reforma".

"E ele foi atrás?" Erva perguntou imaginando que Bernardo os viu.

"Foi."

"Aaai, esquece. Já falamos muito com a bolsista, não temos que ficar dando informações para ela!" Magda falou e as três saíram de perto de Erva.

Seria muita coincidência, não seria? Mas isso faria ele mudar de humor? Não faz sentido. A garota pensava. A tarja vermelha foi retirada. Não, não! Esquece. Estou imaginando coisas. Ele deve estar bravo por outra coisa. E mesmo que ele tenha ido lá, está tudo em construção embaixo, ele não ia subir a escada. Ninguém sobe!

Erva deixou os pensamentos de lado e se concentrou nas aulas. Elas foram intensas e terminaram às 16h, momento que a garota deixou o prédio de Direito e já se dirigiu ao terraço para estudar. Ainda bem que a previsão está correta. Sem chuvas! Apesar desse calor intenso e abafado.

A noite caíra e Erva já estava abrindo a boca de sono. Só mais esse assunto e termino. Daí irei para casa. "A jurisprudência no ato..."

"Uau! Você gosta mesmo desse lugar, não é?"

Erva tirou os olhos do livro e viu Bernardo entrando no terraço. O que ele faz aqui?

"Ou será que vem aqui para relembrar os momento de felicidade com um F4?"

"Oi?" Erva franziu a testa.

"Não se faça de tonta. Eu já saquei a sua." Bernardo disse mais próximo de Erva.

"Sacou a minha? Como assim? O que você quer dizer?" A garota questionava sem entender a situação.

"Você acha que eu sou palhaço?" Bernardo já estava próximo da mesa de Erva e ela pode ver seus olhos pretos enormes, sua expressão estava muito diferente da do almoço, ela nunca o tinha visto assim. Um olhar selvagem.

"Bernardo, eu não sei onde você quer chegar". Ela disse se levantando da cadeira e fechando seu livro. "Mas eu não vou ficar aqui discuti..."

"CALADA!" Bernardo gritou e virou para o chão a mesa na qual Erva estudava. A garota ficou em choque. "Você acha que pode chegar assim e me fazer de bobo? Ficar me fazendo de palhaço? Hoje é o último dia que você brincou comigo, e você vai pagar!"

"P-P-Para!" Erva gaguejou e deu passos para trás. Bernardo a seguiu. "E-eu não sei o-o quê você está pens-pensando mas..."

"Aaah eu estou pensando muitas coisas e você vai ver."

"SAI!" Erva jogou a mochila no garoto e correu. Escadas. Escadas. Elas são mais longas do que imaginava. Eu não consigo...Ploft.

Erva tropeçou e caiu nos três últimos degraus. Seus braços e pernas foram direto para o chão que continha alguns pedregulhos, cimento, tinta. Ela se virou e Bernardo estava na sua frente. O rosto dela já estava ensopado pelas lágrimas que escorriam de seus olhos. Suas mãos, cotovelos e joelhos estavam arranhados e sangrando. Mas o maior era o medo que ela estava sentindo do garoto de cabelos enrolados. "Por favor, Bernardo! Por favor! Não faz nada! Eu te imploro! Eu não sei o que fiz, mas não foi intencional! Por favor! Não faz nada comigo! Eu te imploro!" Ela suplicava em meio ao choro.

Bernardo se agachou em sua frente e a olhou naquele estado. Por que ela me olha assim? Por que ela está sempre chorando comigo? Esses olhos. O ódio virou medo? Não é assim. Ele pensava enquanto a observava. Toda machucada. Sempre machucada. Ele olhou para as palmas das suas mãos que tremiam. Machucada por mim? A raiva tinha dado lugar a dor. Ele fechou as mãos em punhos e levantou-se. "Você..." Disse e logo em seguida socou com muita força uma madeira que estava próxima e ela quebrou. Erva tremeu.

Em um feixo de luz, que iluminou onde Bernardo estava, Erva viu que a mão direita dele, fechada em um punho, pingava sangue.

"Respire!" Ele disse finalmente e ela percebeu que tinha prendido a respiração. "Não chore, por favor!" Ele pediu. Sua voz estava calma, mas séria. Não havia mais raiva como de outrora, mas também não era de tranquilidade. Ainda era sombria. "Eu não vou mais te machucar. Não vou te fazer nenhum mal. Por favor, não chore". Ele terminou, ficou ali parado de costas para ela mais alguns instantes e então, saiu. E

Erva o olhou se afastando, enquanto seu corpo, ainda trêmulo, deixavam os músculos saírem do estado de enrijecimento.