Brigadeiro a flores - Cap. 7: Gabriela Mendes
Ainda no primeiro ano, Erva tentou arrumar estágios em escritórios de Direito, no entanto, sempre foi recusada: ou a aula era no horário do expediente, e eles não aceitavam; ou eles só pegavam quem estava no último ano; ou ainda, era apenas por indicação, e por mais que ela só tirasse nota máxima e tenha implorado, os professores só diziam que a indicariam no último ano.
Um dia, voltando de uma entrevista sem sucesso, viu uma placa "Precisa-se de atendente" em uma Brigadeiria.
O local se chamava "Sonhos Realizados", e se encontrava na principal avenida de negócios de São Paulo, mas não parecia nada gourmetizado como outros estabelecimentos ao redor.
"Pois não?" Uma senhora com um olhar fundo, com olheiras, atendeu Erva.
"Eu vi a placa." Erva disse e os olhos da senhora brilharam, até mudou a postura.
"Ah, claro! Estamos precisando de atendentes. Eu já tenho uma, ela começa amanhã. E você?" A senhora disse empolgada.
"Eu o quê?" Perguntou Erva sem entender.
"Quando você quer começar?"
"Aaah... mas... já?"
"Sim. Eu preciso de alguém, não tenho tempo para fazer aquelas perguntas profissionais".
"Ah, entendi! Ótimo!"
"Ótimo"
"Quer dizer..."
"Quer dizer?"
"Huum. Eu faço faculdade, teria que trabalhar meio período."
"Entendi".
"E pode ter vezes que tenha prova, e impacte no horário do expediente."
"Certo!"
"E... tem salário aqui?"
"Claro!"
"Ah!"
As duas ficaram em silêncio por um tempo. A senhora, então, atravessou uma portinha, e foi até a cozinha, voltou após um tempo com dois chocolates-quente e dois biscoitos.
"Venha aqui, sente-se". Erva o fez. "Você faz qual curso?"
"Direito."
"Legal! Está em qual ano?"
"Primeiro, acabei de entrar. Duas semanas."
"E você não é de São Paulo, certo?"
"Não."
"Percebi pelo sotaque. Você puxa um pouco o R" A senhora sorriu e Erva, sem graça, a acompanhou. "Me chamo Dona Esmeralda, tenho 65 anos e faz um mês que perdi meu marido."
"Eu sinto muito." Erva disse surpresa pela revelação.
"Obrigada." Dona Esmeralda assentiu. "Meu marido quem cuidava deste lugar. Ele administrava tudo, eu era só sua esposa, não mexia nos negócios." Dona Esmeralda fez uma pausa e tomou um gole do chocolate-quente. Erva imitou. "Quando ele ficou muito doente por causa do câncer de bexiga, fechamos aqui, faz uns três meses. Achava que ele iria voltar, mas não o fez." Mais um gole. "Ainda me dói pensar nisso."
"Não precisa..."
"Os advogados me disseram que tudo é meu, pois não tivemos filhos, ele não tem irmãos... enfim, precisei tocar esse lugar, pois era o sonho dele." Dona Esmeralda se abriu e Erva só soube ouvir. "Meu marido começou jovem vendendo brigadeiro na rua. Há 30 anos comprou este lugar e fez uma Brigadeiria. Já tentaram comprar dele, proporam fazer franquia e tudo mais. Ele nunca cedeu. E não vai ser eu quem irá fazer isso" Ela sorriu e Erva a seguiu. "Mas eu preciso de mãos. A garota que contratei hoje de manhã também faz faculdade. Gastronomia. Disse que tudo bem ela estudar, e é ótimo que já ajuda aqui também na cozinha."
"Legal!"
"E você também! Tudo bem estudar, e se é Direito, quem sabe não me ajuda com as papeladas aqui, aplica o que estuda comigo!"
"Sério?"
"Seríssimo! E sobre o pagamento, eu irei pagar vocês. Não se preocupe. Eu só preciso que me ajudem a reerguer esse lugar".
"Conta comigo!"
Erva acertou o pagamento com a senhora e também os horários.
Algumas coisas podiam dar certo. Ela só teria que aguentar a escola por uma tempo, assim que tivesse o diploma, todo o pesadelo acabaria.
Três anos e alguns meses se passaram e Erva já estava no segundo semestre do quarto ano!
"Só resta mais 1 ano e meio" Disse para Bianca, sua amiga de trabalho.
"Aí Erva, eu imagino o quanto você quer terminar a graduação, mas... você não tem medo?" Perguntou Bianca.
"Medo?"
"Do futuro".
"Ah. Não sei. Não parei para pensar nisso. Eu só quero me ver livre daquela faculdade, daqueles alunos. Quero trabalhar e ter uma vida em paz, defendendo inocentes".
"E eu sei que você vai se dar bem, já vi você defendendo a Dona Esmeralda aqui".
"Acho que esse é meu equilíbrio. Lá eu finjo ser alguém de olhos fechados, tento não estar presente quando alguém ganha a tarja vermelha. Aqui, sou eu de verdade, fazendo o que é certo e lutando contra esses mal feitores."
"É ruim ter que fingir quem é, né?"
"Muito. Mas você também! Você vai ser uma excelente chef! Que brigadeiro diferente é esse? Muito bom". Erva disse enfiando um brigadeiro na boca. Bianca riu.
"Estou testando umas novas receitas. Dona Esmeralda deixou eu colocar um Brigadeiro Surpresa do Mês".
"Sério?" Erva perguntou retoricamente sorrindo e animada, pegando mais um brigadeiro para comer. Bianca deu risada.
"Com licença? Com licença?" Alguém chamou no balcão e Erva foi lá atender.
"Olá! Seja bem-vinda aos Sonhos Realizados, aqui o seu sonho já se tornou realidade!"
"Aaah que fofo." Uma garota de olhos azuis, cabelo liso sedoso, boca carnuda, nariz pontudo pequeno, com um sorriso perfeito, estava no balcão com um ar animado e um cheiro de pêssego. "Quero comprar tudo!"
Erva deu risada. "Aaah claro, tudo o que quiser." Concordou também alegre. A garota sorriu. "Gostaria de experimentar algum?"
"Eu gosto de rosa e azul, teria algum nesta cor?"
"Huuum bem específico! Mas tem sim. Nossa chef fez esse de morango e esse, exclusivo da casa, de mirtilo." Erva pegou e entregou a garota, que amou e pediu mais dois.
A garota começou a tagarelar com a Erva sobre brigadeiros, doces, falou de viagens, países, enquanto pedia mais e mais brigadeiros. Erva conciliava dar atenção a ela e atender os outros clientes. Até que a garota atendeu um telefonema e pediu a conta.
"Ah, pronto! Muito obrigada por tudo, estava uma delícia!"
"Que isso!"
"E obrigada por me ouvir! Meu pai precisou ficar em uma reunião e eu não tinha para onde ir. Acabei de voltar para o país e fiquei tanto tempo fora que nem conheço mais aqui. Achei esse lugar fofo e resolvi entrar."
"Ah que isso! Será sempre um prazer atendê-la. Bem-vinda de volta ao Brasil! E volte mais vezes aqui". Erva disse carismática.
A garota pagou em cartão de crédito internacional black prime, e Erva reparou que seu nome era Gabriela Mendes.
No dia seguinte, Erva estava cansadíssima na faculdade. Na hora do almoço, se dirigiu para a mesa mais afastada da praça de alimentação.
Pode ter se passado mais de três anos já, mas eu ainda me canso toda em trabalhar e estudar, ainda mais quando o dia é cheio na Brigadeiria. Vou aproveitar agora, comer minha marmita rapidinho e vazar para o terraço, a próxima aula é apenas às 14h e eu já fiz o exercício, então consegui...
"Você!"
Alguém parou na frente de Erva e chamou, interrompendo seus pensamentos. Erva olhou para cima. Gabriela Mendes estava parada na sua frente.