Brigadeiro a flores - Cap. 6: F4

Às 16h, havia Introdução ao Direito Penal, mas Erva, e todos os alunos de sua turma, receberam um e-mail do professor cancelando a aula.

Me parece ter a ver com o "encontro" de hoje.

No ginásio menor, dedicado à aulas de dança, lutas e squash, os calouros já se juntavam, curiosos, murmurando em relação ao ocorrido de manhã e o que os esperavam nesta reunião. Erva, ainda sem amigos ou colegas para se enturmar, se sentou no chão, junto de algumas pessoas se sua turma, perto de uma tela de projeção montada por um veterano minutos antes de ela se sentar.

"Silêncio!" Uma voz feminina falou e todos se voltaram para trás, de onde a  voz vinha. Erva reparou que era Mariana, sua monitora. "Prestem atenção nesta reunião, pois ela irá decidir sua vida nesta universidade". Os calouros se entreolharam.

"E quando dizemos SUA VIDA, não estamos exagerando." Um garoto negro, alto, com relógio dourado brilhante, vindo da outra ponta do ginásio se aproximou. Ele caminhou até a tela de projeção, onde se encontrou com Mariana.

"Vocês viram o que aconteceu hoje de manhã." Mariana disse e ligou a tela, que mostrou uma foto do menino agredido mais cedo. Nela, ele estava sorrindo. "Bruno Gildo Consuelo. Estudante do segundo ano de Engenharia da Computação. Acabamos de saber que seus pais assinaram o cancelamento da matrícula dele". A notícia gerou um burburinho, os calouros ficaram inquietos.

"Fernando Henrique Gomes". O garoto que acompanhava Mariana falou mais alto que os burburinhos, cessando-os. Na tela, agora aparecia o novato que gritou 'Para'. "Calouro de História. Também os pais assinaram o cancelamento da matrícula".

"Como assim? Ele não fez nada!" Erva não aguentou e questionou. Todos a olharam. E Mariana sorriu maliciosamente.

"Não estamos fazendo esta reunião para saber quem fez o quê." Erva sentiu o olhar de julgamento da veterana, era como ela tivesse sido burra na pergunta. "Eu e o Mário não estamos sendo bonzinhos com vocês e falar sobre para continuarem na escola." Ela disse para todos.

"Nós queremos mostrar como as coisas funcionam e vocês precisam acatar!" Disse Mário alinhando o casaco do uniforme.

"Esses dois garotos desafiaram o F4. Um foi idiota de querer divulgar o que não é para ser divulgado. O outro, sei lá porque motivo, foi por ser burro em querer defender alguém". Erva se encolheu um pouco, ela ia fazer o mesmo que o Fernando fez.

"Aqui em John Safra, há um ano, recebemos nossos maravilhosos F4." A tela mudou para uma foto dos 4 meninos que entraram no pátio aplaudidos de manhã. "Eles são incríveis, modernos, luxuosos, inteligentes e muito lindos". Mário, Mariana e algumas outras pessoas no ginásio suspiraram. Erva só revirou os olhos. Como eles podem ser assim se fizeram o que fizeram hoje?

"Carlos Penteado" Mariana mudou a foto para o menino loiro de bermuda colorida que estava no pátio. "Filho da Família Penteado, a maior e mais prestigiada família do ramo tecnológico. As empresas Penteado possuem softwares para todas as áreas da vida: segurança, educação, empresarial. Dizem que qualquer código do país passa pelo software deles. O Carlinhos é o nosso gênio da computação. Ele está no segundo ano de Ciências da Computação, já ganhou várias competições nacionais e internacionais. Até já deu palestra e substituiu um professor aqui na universidade."

"Uau". Um coro passou pelos calouros.

"Fagundes Valverde." Mário mudou a foto para o garoto ruivo. "Nosso ruivinho mais fofo! Fagundes decende de uma família tradicional de alimentos. Os Valverde administram 80% do setor alimentício do país (os 20% que sobram são divididos entre empresas locais, pequenas). Além de terem ótimos chefes espalhados pelo mundo. O cardápio do restaurante Setor Sul da nossa universidade é feito pelo primo do Fagundes."

"Aí, eu amo comer lá" Mariana comentou.

"Eu também" Mário concordou, e fizeram gestos de coração, felicidade, sobre os pratos do restaurante que Erva já sabia que jamais pisaria. "Continuando, Fagundes está no segundo ano de... Gastronomia? Não, pessoal. De administração, afinal ele precisa aprender a administrar o setor alimentício da família, não é mesmo?" Ele riu e Mariana o acompanhou. "Ah, nosso ruivo também já foi garoto propaganda de algumas marcas, é um dos idealistas do concurso Chef por um dia, da emissora Gloss, e jurado do concurso Owners Br".

"Benício Moralles. Na minha opinião, o mais lindo de todos" Mariana disse suspirando para a imagem do garoto pálido do pátio.

"Ownt. Meu casal" Mário comentou.

"Aaah para!" Mariana disse sorrindo e com olhos brilhantes. "A gente não é um casal - ainda" Ela e Mário cruzaram os dedos. "Bom, Benício é filho do nerocirurgião americano renomado Brian Moralles. No nosso país, a família Moralles administra vários hospitais particulares - inclusive meu plano é de lá."

"Aí, o meu também. Minha família só vai na rede deles e sempre é um ótimo atendimento"

"Eu também!"

"Somos 4."

"Também".

Os calouros se empolgaram com os comentários e Erva só pensava: Eu vou ao Sus e estou viva também - inclusive pareço ter mais saúde mental do que vocês. Ela sorriu com seus pensamentos.

"Bom. Bom. Bom. Pelo visto todo mundo aqui passa pelo atendimento Moralles. Que ótimo! Mas voltando, Benício cursa Administração e Música aqui na John. Ele está no segundo ano também, já que todos F4 têm a mesma idade, né? E se conhecem desde pequenos." Mariana fez uma pausa e sorriu. "Imaginei a sorte que tenho de ter nascido no mesmo período que eles".

"Aaaai verdade!" Mário sorriu com ela. "Obrigada pais, por isso".

"Verdade, obrigada pais". Os dois sorriam e Erva só revirava os olhos. "Enfim, Benício é muito low profile, então não temos tantas informações assim, a não ser essas".

"E agora, o mais esperado" Mário disse e algumas pessoas soltaram gritinhos. "Bernardo Assumpção". A imagem do menino de cabelos enrolados apareceu na tela. "Ai ai! Se a Mari tem o Benício como predileto, o meu é o Bernadinho!!" Os dois riram e algumas pessoas até gritaram Meu também na multidão. "O grupo Assumpção é o mais importante grupo econômico do nosso país. Eles estão presentes em todos os ramos da nossa sociedade, inclusive político, e têm vários negócios internacionais. E o nosso herdeiro, o lindo e perfeito Bernardo, é o líder do F4." Só podia, pensou Erva, isso explica a frieza e arrogância de hoje cedo. De todos, mas principalmente dele. "Bernardo está no segundo ano de Economia. Ele é lindo, inteligente, estratégico, forte, elegante, engraçado, já disse lindo, né?" Mário e Mariana sorriram. "A gente só tem elogios aqui, mas um pouco mais sobre a importância dele, Bernardo é líder do time de basquete e de futebol da universidade. Sócio de vários times de futebol do país. Isso mesmo, ele ajuda a decidir quem compra e quem vende de atletas dos times. Fundador do grupo de debates e comentários políticos da John. Sem contar que ele é um dos investidores mais ricos e jovens do país. O melhor!" Mário puxou palmas e Mariana e os calouros acompanharam. Menos Erva.

"Nosso F4 - Four Flowers, são maravilhosos e as pessoas que não entendem isso e tentam fazer algo contra eles, se dão mal". Mariana retomou.

"Se vocês fizerem algo de ruim na escola, principalmente se isso envolve os F4, vocês irão levar um cartão vermelho. Isso quer dizer que você tem 24 horas para pedir seu cancelamento de matrícula." Mário continuou.

"Por bem ou por mal". A fala de Mariana fez Erva lembrar de Bernardo socando os meninos. "O cartão vermelho é um aviso, se você quiser lutar, todos lutarão contra você. Aqui não tem exceção, você errou, você precisa pagar. É o justo".

Justo? JUSTO?? Erva fechou a mão em um punho.

"Não tente defender também, porque isso não adianta, você só "coloca o seu na reta", vamos dizer assim." Mariana falou sorrindo sem mostrar os dentes. "Então, calouro, agora que você já sabe sobre as regras internas, cabe a você escolher se quer continuar nesta universidade e ter a oportunidade de ter uma vida profissional brilhante, ou...".

"Ou você já cancela sua matrícula para evitar ações desnecessárias" Mário completou.

"Ah, e eu já ia esquecendo." Mariana disse e voltou o olhar de julgamento para Erva. "O Fernando era um calouro bolsista. Então, se você é um, a atenção tem que ser redobrada." Ela voltou-se para o resto da turma com um sorrisinho malicioso. Ninguém percebeu seu olhar para Erva, mas a garota sentiu.

A reunião acabou e Erva tentou sair daquele lugar o mais rápido possível. Seu coração batia rapidamente, sua respiração era ofegante. Ela queria socar todos os F4. Eu preciso gritar, socar, bater... Após um tempo andamento rapidamente, ela encontrou um prédio afastado com uma placa "Prédio de Artes. Fechado para reforma." Erva viu uma escada e resolveu subir. Agora eu entendo a babação. Eles são ricos!! Por isso ninguém fez nada, por isso nem mesmo a administração da faculdade interferiu. Eles são influentes e poderosos. Devem controlar até mesmo aqui com dinheiro. Eu só quero ficar sozinha, sem ninguém. Eu só quero ir para longe. Sumir daqui. Pensava enquanto subia até que chegou ao terraço. Lá de cima, Erva viu uma parte do campus. Árvores. Grama. Céu. "EU ODEIO ESTE LUGAAAAAR! EU ODEIO GENTE RICAAAA! EU ODEIO INJUSTIÇAAAA! EU ODEIO O F4!!!"

Após gritar no terraço e fazer alguns exercícios de soco no ar, Erva aliviou-se um pouco e conseguiu voltar para a última aula, que mal prestou atenção, pois estava pensativa sobre tudo e o que fazer. Eu vou cancelar a matrícula, não posso, não consigo estudar em um lugar assim. Eu vou pedir desculpas a minha mãe e voltar para o interior. Ou então, eu posso lutar, e morrer lutando por justiça. Essa última é inviável, ricos e influentes como são, vão caçar minha família. Não posso deixar fazerem algo contra minha mãe e meu irmão. Eu vou cancelar a matrícula!

Mas ao chegar em casa e ver sua mãe com um sorriso no rosto e lhe mostrando um uniforme da universidade que ela mesma fez.

"Eu só comprei o tecido e segui as fotos que vi na internet". Erva chorou. "Calma filha, não precisa chorar. Não custou muito. Você acha que está feio? Eu sei que não queria, mas hoje vi uma reportagem sobre a faculdade, e todos estavam de uniforme, quis te fazer uma surpresa."

"Está tudo bem, mãe. Obrigada!"

"Eu quero que se enturme. Faça amigos! Vá as festas, que eu sei que tem!" Dona Amélia sorriu. "Curta seu momento universidade! Pois sei que será uma incrível advogada com histórias para contar!"

Erva não conseguia falar, só balançou a cabeça.

Daquele dia em diante, ela passou a ser uma nova Erva: só estudava para tirar boas notas e manter a bolsa; mesmo sendo elogiada pelos professores (porque os alunos mesmo a odiavam por elevar a nota da turma: "se a Erva consegue tirar 10, por que vocês não? É possível!") tentava não fazer barulho com isso; não participava de jogos, nem de competições; não ia às festas, nem participou dos trotes; ia de uniforme, mesmo sendo zoada pelas outras meninas - pois elas sabiam que não era de grife os panos -, só para não se diferenciar; comia sozinha no terraço do prédio de artes, pois ninguém ia lá e ela não conseguiu fazer amigos; mas principalmente, via as injustiças, e se continha para não fazer nada, só gritar mesmo no terraço, mas sem ações perante o público.

Por você mãe! Há outros meios de justiça, há outros! Um dia eu os encontrarei!