MALDITO AMANHECER
Antes que pudéssemos contestar, já havíamos caído e, finalmente notamos que as borboletas não valiam a pena como achávamos. Perseguir o que enchia nossos olhos e alimentava nossa carne não foi certo. Corremos em desespero atrás das famosas e belas borboletas esquecendo-se do jardim que com muito vigor fluía, porém, agora já não vive mais. Os sentimentos morreram como o sol morre ao se por, dando lugar as trevas que nos assola na mais profunda e obscura comoção, decapitando a quem ousar protestar.
O que parecia simplório, sem muita importância, foi o nosso fim. É sério que realmente achávamos que tudo iria ficar bem? Que apesar da apunhalada pelas costas, a mais intensa ingratidão e indiferença causadas, sairíamos intactos e vitoriosos depois dessa notória covardia? Ou, melhor dizendo, continuaríamos felizes? Foi tarde demais quando enfim percebemos que, a paz, a calmaria, o descanso e a segurança não vêm de uma caçada eletrizante em adrenalina, na perseguição a algo que não nos pertence, mas não tinha um aviso prévio que nos informasse sobre isso, que nos alertasse da desgraça que viria e quando ela chegou desejamos com extrema força perder a dádiva de viver.
O erro da humanidade é achar que nada do que fazem possui uma consequência. Apega-se a venerada frase: “viva o hoje, pois o ontem já se foi e o amanhã talvez não venha” (Antoine de Saint-Exupéry), mas esquece que tudo o que plantares, colherás. O amanhã não é garantido, mas é esperado. Você não comete um crime acreditando que o depois não chegará. Que a lei não se cumprirá, pois o futuro depende das escolhas do hoje. Não sabemos se o depois virá, mas se vier, o que farei com passado que não posso mudar? Certamente não sabem o peso da tristeza e da culpa pós-aventura.
Desfrutamos do hoje e nos arrependemos quando o amanhã chegou. Amaldiçoamos o que vivíamos, pois nada se compara a perda do que com muito custo foi adquirido. A verdade nua e crua atormenta nosso ser e não entendemos o porquê disso. Sentíamos liberdade, glória, estávamos entorpecidos, hipnotizados, sendo majestosamente adorados, mesmo sem termos sidos. Por que não conseguimos ver? Ver que o hoje, agora ontem, prazerosamente proporcionou-nos esses falsos sentimentos. A falsa liberdade que sentimos só por realizar um maldito desejo, a alegria momentânea do ato carnal que acabaria poucos minutos depois e a diversão que jurávamos que só encontraríamos ali. Mas agora, o hoje que antes era o amanhã, desmascarou com tamanha vergonha nossas horrendas escolhas, mostrando os quão egoístas e tolas foram nossas atitudes.
Seres capciosos dando jus ao nome, como o ladrão com o prazer no furto, como a astuta falsa dama que envolve seus maravilhosos e mortais tecidos no pobre pensador do “viva o hoje”. Esses seres que agora enfrentam a dor do perdão, não o perdão liberado, mas o pedir por ele, foram cegamente enganados. Não continham trilha sonora, nem placas anunciando o abismo. Não tinha nada disso e agora só as lágrimas estão presentes e um vazio cheio de sentimentos obscuramente dolorosos.
Não sabemos quem nomeou o oxigênio e o percebeu assim que seus pulmões o agradeceram. Também não concebemos seu número atômico, seus elétrons e prótons, ao menos achamos que tem. Mas ele faltou e queimou peito adentro. Pedimos socorro ao mísero vestígio de ar, mas não encontramos. O ar puro que vinha do jardim parou de soprar.
Naufrágio. Nunca saberemos ao certo a sensação de se afogar. Não se estivermos vivos. Não estávamos no mar, no entanto, o enjoo causado pelo balanço das águas, o medo das fortes ondas e o silêncio do oceano que grita desespero, nos atingiu com total devastação e o pior de tudo é que não temos o direito algum de sentir essas sensações. Não suportamos saber que perdemos.
O jardim ao qual trocamos, que tinha tantas flores, variedades infinitas de plantas, árvores de todos os tamanhos, onde os pássaros voavam, se alimentavam, construía seus ninhos e cantavam, onde nem o inverno rigoroso abalava suas estruturas, na época de seca se matinha firme e cheio de vigor. Nos tempos de fortes ventos toda sua exuberante vegetação estava lá, inabalada, intacta, com suas raízes tão profundas que não tinham fim. Trocamos tudo isso por nada... Nada além de um prazer momentâneo da curiosidade de algo novo. Simplesmente colocamos tudo o que houve de bom, em moeda de troca por aquilo que não vale nada. Deixemo-nos ser levados por uma beleza que aos nossos olhos era diferentemente belo. As traiçoeiras borboletas nos seduziram e esse foi o nosso fim.
Se houvéssemos percebido antes, seria totalmente diferente, não teríamos sacrificado o esplêndido jardim, entretanto não podemos culpar a ninguém, somos os responsáveis por tamanha traição. Agora compreendemos que um prazer curto não merece dedicação, afinal as borboletas vivem pouco e toda sua beleza se esvai jardim a fora nas ramificações do vasto e intrigante jardim.
Portanto regue as flores do seu jardim todos os dias e ele esbanjará vitalidade, do contrário terás flores que não florescerão. Ainda buscamos entender aqueles que dizem para viver o hoje, agora do que viveremos? Só resta a saudade de quando o sol ainda surgia entre as montanhas do nosso jardim.