DESAMARRAS

Naquela manhã, uma das primeiras semanas de aula, as nuvens estavam se aglomerando e mostrando que a chuva estava se aproximando. Caio estava sentado no fundo do ônibus lotado, ao lado da janela. Estava cansado pois à noite passada havia dormido tarde, mas disposto a uma coisa: encontrar um amigo. Ele pensou algumas formas para se apresentar. Pensou num simples “oi”, num breve elogio ou apenas num aceno.

Naquele momento o ônibus começava a parar e ele já se preparava para sair de seu banco e ir em direção à escola, ouvindo alguma música do Projota em seus fones de ouvido. Ele começou a andar em direção a sua sala com o coração a mil e lá ele percebe a presença de três alunos reunidos que estavam rindo e conversando.

Um deles era alto e tinha um cabelo meio longo, o outro, um pouco mais baixo e usava um par de óculos redondo e a outra tinha uma pele parda e cabelos escuros com as pontas tingidas de azul. Ao chegar mais perto e começar a cumprimentar os três, suas pernas paralisam. Ele não consegue dizer uma só palavra, pois seus lábios emudecem e apenas uma memória passa em sua cabeça.

Aproximadamente dois ou três anos atrás, Caio estava com o mesmo corte degradê de sempre e ia para sua casa como se fosse mais um dia qualquer, até que, alguém o empurra em uma poça suja de lama.

- O que foi? Vai chorar? dizia Luiz, um rapaz que vivia conversando com ele, dizendo ser seu amigo, no entanto, suas palavras sempre eram de humilhação e tormento.

Luiz não era o único, que se fazia de amigo, também tinha Gabriel, que ao invés de ajudá-lo contribuía com a humilhação. Lucas, mais um deles, usava-o como um servo idiota e por fim, Davi, um manipulador que o impedia de fazer muitas coisas pelo ano inteiro. E isso se repetia ano após ano.

Em meio a tudo isso, apenas duas pessoas estenderam a mão para ajudá-lo: Karla e Victor. Eram os amigos ideais, amigos perfeitos, que onde Caio estivesse, K.V. sempre estavam com ele. K.V serão amigos para sempre, amigos que jamais seriam capazes de o trair ou machucá-lo.

Mas Caio sabia que um dia iria precisar de pessoas reais, pessoas que realmente existissem. Até porque, com amigos do lado, muitas coisas ficam mais fáceis, inclusive para executar os trabalhos mais difíceis da escola. Caio era inteligente, mas precisava de amigos para trocar experiências. Sentia necessidade dessa troca, sentia necessidade de mostrar para sua tia, que sempre dizia “o que adianta estudar tanto se um dia você vai parar no hospício?” que estudar era bom.

Voltando para aquela manhã nublada, diante dos três, Caio cogita: “Isso vai se repetir tudo de novo e de novo”.

- Algum problema? - disse o garoto de cabelo meio longo.

Timidamente, Caio perguntou se a prova seria naquele dia.

- Que prova? O mais baixo pergunta assustado.

- Ah, não! Será só uma atividade avaliativa para testar o nosso nível de escolaridade. Acontece todo início de ano letivo, não se esquenta com isso. - Tranquilizou a garota do cabelo tingido de azul.

Depois disso, Caio saiu de perto deles e foi em direção a uma cadeira vazia, entre duas outras carteiras solitárias. Caio sentou-se entre elas e sentiu-se seguro e acolhido por Victor (ou Vic) e Karla (ou Kaká). Percebeu que Kaká estava convencendo o Victor a ler um livro, com um final péssimo, só porque o personagem principal parecia-se com ele.

Com o tempo, aqueles três alunos repararam uma certa estranheza em Caio, pois ele evitava ao máximo se comunicar com os demais da sala. Sempre estava sozinho em atividades e trabalhos que deveriam ser feitas em dupla ou grupo. Mesmo assim, de uma forma ou de outra, ele sempre demonstrava que não estava feliz com aquilo.

Todo início de aula ele parava perto dos três e perguntava algo aleatório, mas depois ele se distanciava. Às vezes, unia cadeiras perto de si apenas para ficar ao seu lado e não para apoiar os pés. Os três colegas percebiam que Caio queria ser amigo deles, mas não conseguia por algum motivo.

Depois de mais uma manhã, Caio veio na direção deles, mas se virou e ficou em um canto com duas cadeiras vazias, evitando olhá-los.

- Perceberam que Caio sempre falava conosco? Perguntou aos colegas a garota.

O rapaz de cabelo meio longo pensou um pouco e respondeu de forma curiosa.

- Como assim Anna?

- Pensa aqui comigo! Ele sempre anda aqui perto, para alguns segundos e depois diz algo completamente aleatório.

- Ele pode apenas ser tímido.

- Alex, eu passei boa parte do ensino fundamental sozinha, pois nenhuma garota queria conversar comigo. Eu sei o que o Caio está passando e estou disposta a ajuda-lo, o que acha Theo?

Theo afirma que Anna está certa e se levanta. Anna também se levanta e juntos caminham na direção de Caio.

- Olá, Caio! Você está com algum problema? Precisa de ajuda? - Pergunta Theo.

Caio percebe que o menino falava de dificuldades comuns aos estudantes, como trabalho e prova. Anna pergunta a Caio se ele quer participar do seu grupo para o trabalho de Geografia. Caio se levanta rapidamente da cadeira e com um brilho em seus olhos responde:

- É claro que eu aceito! O que vocês precisam que eu faça?

- Notamos que você apresenta os trabalhos super bem. – Dizia Anna enquanto levava-o para juntarem-se com Alex, o garoto de óculos redondos.

Caio olha para trás e vê as duas cadeiras vazias e despede-se de Vic e Kaká, seus velhos e bons amigos, mas Caio, ouve em seu coração algo como "estaremos aqui se você precisar". Agora era tudo real e aos poucos a figura de Karla e Victor vai desaparecendo de sua vida.

Caio, finalmente, estava solto de suas próprias amarras.

Pedro Galvan  Bernardina
Enviado por Paulo Roberto Fernandes em 29/11/2022
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