O DIA ESTÁ ESTRANHO HOJE!

De: luciosubzero@zuela.com

Para: nataly05@zuela.com

Assunto: O DIA ESTÁ ESTRANHO HOJE!

18h23. No primeiro dia que nos vimos me desconcertei com o teu sorriso e precisei fazer o exercício da ansiedade - o exercício da inspiração e expiração lenta - que o meu psicólogo ensinou, só para não estragar o momento. Tu és bem-humorada e engraçada, fácil de lidar. Diferente de outras meninas bonitas. Lembras-te daquele dia na biblioteca nacional, quando tropecei em palavras ao dizer o quanto estava a gostar da nossa amizade? Fui honesto e o bom é que você me ouviu e sorriu. Boas pessoas são difíceis de achar e eu te tinha achado.

Hoje o dia está meio cinzento e sinto falta da tua presença. Sei que ser adultos nos obrigou a seguir caminhos diferentes e eu quis, posso até jurar pelas coisas sagradas, eu quis que as coisas dessem certo entre nós dois. Não imaginei que estarias noutro continente, não que eu esteja triste com isso, não. Simplesmente não pude pensar nessa hipótese. Mas a verdade é que não sei o que devia ter pensado ou feito!

[Guardado como rascunho]

21h38. Os primeiros meses foram difíceis. Desejei poder ter poder sobre o nosso futuro, desejei ter como ir à Varsóvia. Tu és muito interessante.

Aquela confusão que você causou no clube de leitura me abriu a mente. Eu quis, naquele dia, abrir a boca para te defender mas você conseguia refutar todos os argumentos. Não acreditei na tua teoria até você a explicar com mais calma no regresso. Talvez tenha sido a tua voz, talvez tenha sido a tua subtileza, talvez tenha sido a tua dicção mas a verdade é que depositei fé na tua teoria e concordei que o narrador talvez fosse mesmo "não confiável". A questão moral no capítulo onze era evidência das mentiras dele e esse talvez seja o problema de alguns narradores heterodiejéticos; sentem-se os deuses da narrativa com a liberdade que têm e a omnisciência os faz, as vezes, distorcer verdades. E distorcer uma verdade aceita por todos é pedir para ser apedrejado. Eu amei a tua explicação!

Os primeiros meses foram difíceis porque sempre que a música "Oh Meus Deus" do Projota tocava, eu pensava no dia que você me pediu para te acompanhar no teste de admissão por causa da ansiedade. E eu esperei na biblioteca da embaixada e eu nunca achei que ao sairmos pelo portão da embaixada estávamos a entrar na contagem regressiva para ires à Polónia. Fiquei feliz por te teres destacado e seres uma das três moças seleccionadas para a bolsa de estudos mas não pensei que depois de meses eu simultaneamente ficaria triste e feliz por isso! Talvez isso seja só minha mente confusa. Desculpa-me!

Tenho saudades tuas. Do teu cheiro, da tua obsessão por filmes de ficção científica e o teu entusiamo ao falar sobre "Star Trek” e "Star Wars". Você me fez gostar do Chewbacca, você me fez admirar o Luke Skywalker e o nosso plano de fazermos um cosplay do Darth Vader que não se concretizou, tudo isso me faz querer você de volta. Desculpa, talvez eu esteja a ser melodramático, talvez eu esteja a ser um maricas como meus colegas dizem, mas sinto tua falta Natália! Os primeiros meses foram difíceis.

[Guardado como rascunho 2]

03h12 AM. Hey, não consigo dormir tanto como antes. Meu sono agora é dividido em pequenos ciclos. Onde eu estava mesmo? Ah, você ainda tem a música "baiana" do Emicida? Ainda ouves? Era a minha favorita depois que você me beijou na festa do George e dançamos e comemos gelatina sentados no baloiço. Foi um dos dias mais felizes ao teu lado e você contou a história "The boy who cried wolf". Naquela noite minha cabeça literalmente ficou louca só com aquele beijinho no canto da boca. Quais são os teus artistas favoritos aí? Suponho que ouves pelo menos um. Ou dois, ou três, sei lá. Desculpa-me!

[Guardado como rascunho 3]

3h53 AM. Hey, lembras-te de "Talking to the moon"? Pois hoje tem lua cheia e não sei por quê essas coisas me lembram você. Sobre o ciclo do sono, meu irmão mais velho disse que é devido a síndrome. Desculpa não quero falar sobre isso pois me embaraça.

Ouvi uma música do Dji e gostaria que ouvisses, talvez gostes. O título é "anjo" espero que gostes. Vou enviar em anexo.

[Guardado como rascunho 4]

4h32 AM. Natália, tenho escrito pra ti mas em geral não envio. Espero conseguir enviar este e-mail.

Natália, oi. A chamada internacional aí é muito cara? Quero ouvir tua voz. Vos permitem ter telemóvel no campus?

Oi? Sabias que ontem assisti ao filme "Elysium" três vezes seguidas? Sei que você ama esse filme mas me perdoa pela inconveniência.

[Guardado como rascunho 5]

4h51 Natália estive a jogar Deadpool. Isso é só um vestígio do que fiz nos primeiros meses.

Os primeiros meses foram difíceis, Natália. Me foi diagnosticada a síndrome e tive que frequentar um psicólogo que me pede para falar da minha vida, mas ele nunca fala da sua própria vida. Os profissionais de saúde são engraçados sabes? Mas tudo bem não vamos aprofundar este assunto. Natália, entenda que talvez eu te ame de verdade, mas também não vamos aprofundar esse assunto porque eu não faço ideia do que o amor é. E quer saber? Estou melhor assim. Teu pai anda orgulhoso de ti, eu sei. Tu ganhaste a bolsa por teres um nível de proficiência acima da média e olha, estás na universidade enquanto nós vamos terminar o ensino médio em Setembro. Me orgulho de ti. Mas Natália, talvez a culpa seja nossa. Não nos devíamos beijar se era para nos separarmos. Fiquei mal depois que foste e espero que estejas ciente disso. E eu nunca tinha beijado alguém nessa vida e eu nunca tinha ficado com alguém do sexo oposto tão perto. E as pessoas dizem que as meninas amadurecem depressa então tu devias saber as consequências e olha o meu sono agora é estranho e minhas notas baixaram e eu sei que talvez seja muito peso para os ombros de adolescentes de dezasseis anos e talvez o meu drama te assuste mas são quantos anos de faculdade?

[Guardado como rascunho 6]

5h08 AM. Oi Natália, o sol já começa a mostrar o rosto. Daqui a pouco volto a dormir para acordar as 11 horas pois tenho que ir à escola. Sabes? Desculpa, exagerei. Mas saiba que os meses foram mesmo difíceis. E esperei que ligasses ou desses algum sinal de vida. Fiquei decepcionado.

Mas tudo bem. Quero que saibas que depois dos cinco anos da tua faculdade (fiz uma busca no Google) tu ainda tenhas a mesma personalidade, quer dizer, seremos adultos mas pelo menos que as coisas que me levaram a te "amar", digo amar mesmo sem saber o que é amar mas tudo bem, então, espero que aquelas coisas bonitas em ti ainda existam. Te mostrarei novos lugares por aqui e, o meu curso são quatro anos sabes? Não, não sabes porque ainda não te contei. Vou para a faculdade em agosto. Uhu, mas não estou empolgado. Vou estudar cinema e televisão. Continuando, espero que leias o e-mail porque custou-me terminá-lo. E saibas que ainda quero continuar o que começamos porque eu vou ficar bem. Algumas meninas têm mostrado interesse em mim mas não quero ter que começar com outra menina aquilo que fizemos.

Eu gosto de ti, Natália. Do teu cabelo, do teu humor, do contorno dos teus lábios e de como as tuas covinhas se destacam ao sorrires e de como as tuas pupilas dilatam na escuridão e de como te arrepias com a guitarra eléctrica na música "Hopeless Opus" e de como eu te amo. E, por favor, me perdoa por não me empolgar com a tua ida quando para ti foi um passo muito importante. Eu devia ter fingido alguns sorrisos pelo menos no dia que te acompanhamos no aeroporto. Mas o sentimento expresso pelo verbo "amar" ainda existe.

Não quero ter que gostar de outra menina.

Natália, espero que estejas bem e parabéns pela bolsa. Desculpa ter sido tão insensível quanto aos teus interesses académicos mas o que se pode fazer quando os interesses da tua namorada prejudicam a relação? O que se pode fazer quando os alvos da tua namorada a afastam? Acho que a resposta é aceitar até que o alvo se concretize, mesmo que esse alvo seja de longo prazo. Porque amor - segundo uma citação que vi no Instagram ontem - "é querer o bem-estar do outro mesmo que isso significa abrir mão".

Parabéns, Natália! Desejo-te todo sucesso do mundo.

Com amor, Lúcio!

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