ELASTIC HEART - A história
Eu não teria apertado o gatilho
O bebê segurou o patinho amarelo de borracha na boca, totalmente inerte a discussão de seus pais na cozinha da casa. Era uma menina de 9 meses, robusta, saudável e com volumosos e escuros cabelos cacheados. Muito parecida com o pai, porém, tinha a serenidade da mãe. Ela sentiu a urgência e o medo na voz feminina e engatinhou em direção aos dois. O pai se chamava João Marcos Sandes, um respeitado policial militar de 38 anos e a mãe era Lisandra Delai, uma gentil e bondosa enfermeira. Ela era Alessa.
- Meu bem, olha para mim... Não faz isso, por favor, baixa essa arma. – O homem manteve a arma na direção da mulher. – Você não está bem, nós já conversamos sobre isso, lembra? Não existem vozes. – Ela olhou para a filha sentada na porta da cozinha, com o patinho de borracha entre as pernas. Era tão inocente. – A menina está ali olhando, João! Não faz isso, por favor!
O pai olhou para a filha, mas não a enxergava mais. A dor não o deixava enxergar o que realmente acontecia ali. João só conseguia ouvir as vozes que diziam para ele acabar com tudo aquilo e com urgência. Precisava acabar com ela.
O último grito de Lisandra foi alto o suficiente para desesperar Alessa, que chorou a plenos pulmões. A mulher de apenas 34 anos levou um fatal tiro no coração e deslizou pelo armário da cozinha, até seu corpo desfalecer. A última coisa que viu foi o rosto choroso da filha. Era tão acostumada a salvar vidas, mas naquele momento ninguém poderia salvá-la da tragédia que marcaria para sempre a sua família. João apontou a arma para a própria cabeça, deu um sorriso débil – as vozes já não falavam mais com ele – e deslizou o dedo pelo gatilho, o apertando suavemente. E tudo acabou.
O barulho oco daquele tiro atormentou Alessa por muitos e muitos anos.
Já no outro lado de São Paulo, um jovem médico entrava na sala carregando um bebê no colo. Tinha sido uma noite difícil no hospital, mas no fim, conseguira salvar mais duas vidas. Uma menininha loira de 5 anos sorriu, batendo alegres palminhas ao lado da cama da mãe vendo o irmão ser entregue a mãe. Um pouco mais atrás, Zuleica, a amiga da família sorriu, emocionada.
- Ele é um garoto muito forte.
Maribel Ortiz teve seu parto antecipado depois de uma crise de pressão alta e com a ajuda de Zul, conseguiu chegar a tempo no hospital. Ela sorriu, entre a exaustão pelas longas horas de parto e a alegria de ver que o filho tinha sobrevivido. Ela concordava com o médico. Taires era mesmo um garoto muito forte, assim como o pai dele fora até ter a vida tirada num trágico acidente de carro 2 meses antes.
- Você me deu um trabalho danado, menino... – Ela segurou a mãozinha gorda do filho. – Teremos duras batalhas pela frente, mas unidos, venceremos todas elas.