LEO - CAPÍTULO II - CASARÃO
CAPÍTULO II - CASARÃO
A casa era um sobrado grande. Dois andares imponentes, mas não muito conservados. O velho que a deixou para Gilda morou sozinho nela por quinze anos e não dava muita importância à conservação da casa. Diziam que bebia muito e era meio louco, mas Cristina ouvia da mãe histórias diferentes.
Samuel Torres gostava muito dela e a tratava como uma verdadeira filha e foi pensando nessas boas lembranças que Cristina abriu o portãozinho que levava a um jardim seco e triste.
Olhou para a casa, respirou fundo e entrou, chegando até a porta. Virou a maçaneta e a abriu com certa facilidade.
Apesar de ficar aberta, a cidade era tão pacata que a casa nunca tinha sofrido a ação de nenhum vandalismo. Todos respeitavam muito a memória do velho Samuel até com certo medo e, ao saberem que o velho casarão havia ficado para Gilda, respeitavam mais ainda.
Já dentro da sala, Cristina olhou para tudo e a viu meio às escuras. Só não estava mais porque a luz do sol entrava pelas janelas e facilitava tudo. Dentro do salão principal, Cristina notou que aquele lugar já tinha sido o cenário de vida em família em algum tempo da década passada... ou mesmo do século passado. A imaginação dela às vezes ia um pouco longe demais.
A parede fronteira à porta estava cheia de quadros de paisagens que, ou não tinham valor, ou ainda não haviam sido notados. Mesmo com todo o respeito que as pessoas da cidade tinham pela casa, porque não seria difícil, alguém que não conhecia sua história, roubar aqueles quadros, se eles tivessem algum valor. O velho Samuel tinha morrido há três dias e a casa havia ficado aberta.
Do lado esquerdo, havia uma escada, mas Cristina não ousou subir por ela, sem antes abrir todas as janelas e dar à casa um ar mais... digamos, habitável e menos mórbido.
Quando viu tudo às claras no andar de baixo, ensaiou os primeiros passos nos degraus e viu que eles nem ao menos rangiam, como nas estórias de casas mal-assombradas, como aquela parecia ser. Sorriu mais confiante e começou a subir.
Lá em cima, um grande corredor com várias portas.
Cristina hesitou em continuar por um momento, mas, se não havia nada de mais extraordinário no andar debaixo, por que teria no de cima? Era o que ela procurava pensar para não desistir de vez daquela excursão.
Abriu a primeira porta. Esta dava para um quarto grande que parecia ter sido de hóspedes ou de algum filho ou filha do velho. Tudo estava empoeirado, mas parecia ter sido muito bem arrumado, antes do verdadeiro abandono, pois cada coisa ocupava seu lugar certo.
A moça imaginou que aquele poderia ser seu quarto, se a mãe resolvesse se mudar para lá. Fechou a porta e continuou.
Todas as outras três portas eram de quartos como aquele: grandes e bem arrumados. Os dois últimos quartos foram pesquisados com mais cuidado, pois ficavam no final do corredor.
Cristina entrou no da direita e viu que seria aquele o quarto do casal Torres, pois havia uma grande cama de casal e ainda estava limpo e cuidado. Ela supôs que era ali onde dormia o velho Samuel, sozinho, já que sua esposa havia falecido há vinte anos.
Os mais velhos na cidade diziam que, por causa de sua morte, o velho passou a agir de modo diferente com todas as pessoas que tentavam se aproximar dele. Vivia mais recluso e menos sociável.
Na parede sobre a cama, havia um quadro pintado a óleo do casal. Melinda Torres era uma mulher muito bonita e lembrava muito as mulheres de novelas de época, deduziu Cristina.
Saiu do quarto e fechou a porta devagarzinho, como se não quisesse acordar ninguém lá dentro.
A outra porta, logo em frente, chamou mais a atenção de Cristina. Quando ela a abriu, viu que ela dava para um quarto de solteiro, que estava limpo e arrumado também. Não havia sequer vestígio de poeira ou sujeira sobre os móveis, no chão ou em lugar nenhum. Mas como? O velho morava sozinho na casa há muitos anos...
Cristina viu, dentro do quarto, nas paredes, estantes com livros, um armário grande, uma escrivaninha e uma cama de solteiro com jeito de que tinha sido usada para o repouso de alguém ainda naquela noite; havia também um piano de cauda no canto do quarto, perto da janela que estava aberta, fazendo a cortina esvoaçar levemente com o vento.
O que chamou ainda mais a atenção da moça foi o piano, do qual se aproximou. Sobre ele, muitos porta-retratos e em todos eles o mesmo rosto: o de um rapaz, de mais ou menos a idade de seu irmão, com um sorriso muito parecido com o dele, mas só o sorriso, porque o que Bruno tinha de mais bonito eram os olhos verdes que herdara da mãe; o rapaz das fotos tinha olhos castanhos com os dela.
Todas as fotos mostravam claramente que aquele deveria ter sido ou deveria ser ainda um dos filhos de Samuel, que, pelo que sua mãe contava, tinha três, mas, dos quais ninguém sabia nada há muito anos, a não ser o mais velho, que tinha falecido ainda jovem.
Na parede junto ao piano, outro quadro a óleo do mesmo rapaz. Cristina imaginou que, se ainda estivesse vivo, mesmo que não tivesse a mesma idade que apresentava ter na foto, seria muito bonito. Um leve sorriso apareceu em seu rosto e ela pensou em Ted, seu namorado, com quem terminara tudo há um mês.
Baixou os olhos para o piano e deslizou os dedos sobre a tampa, imaginando todo o talento musical que o dono dele deveria ter. Curiosa, levantou a tampa e tocou uma das notas.
- Você toca?
Ao ouvir aquela voz estranha atrás de si, Cristina assustou-se e voltou-se rapidamente, com o coração aos pulos.
Encostado no batente da porta, o dono de todas as fotos e do piano.
LEO – CAPÍTULO 2
“CASARÃO”
Continua...