histórias sem finais

-kely e jeni

ela estava sentada embaixo da escada, onde a cada dois minutos subia ou descia alguém. esperando o fluxo dar uma pausa pra ela poder acender seu cigarro sem chamar a atenção de nenhum professor ou coordenadora. tinha escutado uma personagem de série dizer: "vocês fumam por prazer, eu fumo pra morrer", desde então não conseguia parar de refletir sobre essa frase, e em como fazia todo sentido pra ela também, essa sensação de estar querendo se matar aos poucos. como se o cigarro fosse cúmplice de seu crime mais perverso. acendeu o cigarro e de longe viu uma silhueta te observando, infelizmente sua visão com um certo grau de miopia e astigmatismo não lhe permitiu dizer de quem se tratava, mas pelo menos não era ninguém da direção, se não já estaria indo até ela lhe convidar para ir até a sala da diretora assinar uma ocorrência por infringir as regras do colégio.

ao mesmo tempo no andar de cima, kely tremia e só pensava em quanto tempo faltava para o sinal tocar pra ela sair correndo dali. amava dar aulas, era sua paixão e desde pequena dizia que quando crescesse seria professora, amava ensinar e fazer parte do momento exato em que o conhecimento transformava vidas pra sempre. estava acostumada a dar aulas para adultos no turno da noite, mas não pôde recusar a proposta de ter uma "cadeira" permanente, na linguagem dos professores, quando se efetiva num cargo e garante emprego por tempo indeterminado, por mais que fosse pra dar aulas para adolescentes. apesar dela ter 29 quase 30 anos, se sentia mais velha e madura do que aparentava. deixou os alunos fazendo debate com tema livre e foi checar suas mensagens, nem percebeu quando o sinal tocou. os alunos saindo todos ao mesmo tempo eufóricos, gritando, rindo, tinha esquecido como adolescentes são barulhentos. esperou todos saírem, apagou as luzes e desceu. quando estava quase no portão percebeu que tinha esquecido a chave do carro em cima da mesa, ao voltar pra pegar viu ela sentada embaixo da escada fumando um cigarro. seu coração acelerou e sua barriga gelou na hora. parou por alguns segundos olhando pra ela sem ter coragem de sair do lugar, andar em sua direção parecia errado, ela também estava olhando, mas não pareceu a reconhecer. quis dar meia volta e ir pro carro, e sua mente lembrou que estava indo buscar a chave, tentou mentalizar outra rota pra não ter que passar por ela, mas o outro caminho dava mil voltas e mais um pouco, não faria isso só por um orgulho, afinal kely é adulta e professora respeitada no colégio agora.

jeni forçou os olhos pra tentar identificar quem estava lá mas não conseguiu, foi então que ela começou a andar na sua direção. fudeu, apagou o cigarro disfarçadamente no chão e fingiu estar mexendo no celular. foi quando chegou bem perto da escada que ela a reconheceu. o estranho foi kely ter passado direto subindo as escadas apressadas, jeni levantou e parou na frente da escada, pensou em chamar seu nome, mas ela ja havia sumido. as duas não se viam desde que tudo aconteceu, devia ter sei lá, um mês e meio ou mais. quis ir atrás dela. a forma em que ela ficou olhando jeni de longe, agora que sabia que era kely que a observava, teve vergonha e curiosidade de saber o que se passava em sua cabeça, se também pensava nela, se a odiava, se ela teve algum significado.

kely andou rapidamente em direção a escada e subiu correndo, pegou as chaves e decidiu voltar pro estacionamento pelo caminho mais longo, não tinha estrutura pra encarar jeni. não conseguia acreditar que ela estava de volta. teve medo de algum dos professores estarem ainda por lá e a vissem juntas. teve vontade de falar com ela, mas também não o fez. sabia que ela não tinha mais o antigo número pois durante os dois meses que ela sumiu foram duas mil mensagens, tres mil ligações não respondidas nem recebidas. temia que jeni viesse atrás dela, e no fundo até queria que ela fosse. queria que sua vida fosse diferente, sem tantos medos e decisões difíceis.

...

continua...

ou não...

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