Capítulo 40 – Você jurou que ficaria até o final, mas decidiu não pensar mais em mim
Alexia sentou-se na cama com Mabel no colo e segurou a caixinha entregue por sua amiga. Tentou contar a Lana sobre a falsa gravidez, mas ela não quis ouvir nada que tivesse relação com Ander. Quando Lexi viu Lana entrar no elevador, precisou respirar fundo para não voltar a chorar. Ela segurou Mabel com mais força, tentando, de alguma forma, que o amor por sua filha a ajudasse a se manter firme e forte diante daquela despedida.
“É do Ander. No dia que brigamos no Rio de Janeiro a mãe dele me entregou isso.” – Lana disse, com o rosto banhado de tantas lágrimas. “Diga a ele que eu o amo muito e para todo o sempre.”
Alexia tirou seu celular da bolsa e discou o número do primo. Bastou ouvir a voz animada de Ander que a primeira lágrima desceu por sua bochecha.
“E aí, mamãe! Como está a nossa Mabelzinha?”
- Bem... Ela está bem.
“Que voz triste, Lexi! O que foi?”
- Preciso que venha aqui em casa.
“Agora não vai rolar, estou preparando aquele jantar para a Hassenback.”
- Ander... É importante.
“Mesmo?”
- Muito.
“Beleza, em 1 hora estou aí.”
- Tudo bem, estou te esperando.
Lexi lembrou de sua conversa com Bruno na madrugada em que ele insistira para que ela contasse a Ander sobre a partida de Lana. Ele estava certo. Não era justo com o primo. Mas também não era justo com sua melhor amiga. Neste momento – pensou Lexi, enquanto amamentava Mabel – Lana deve estar no táxi, rumo ao aeroporto. Ela nunca pensou que um dia a história dos dois acabaria, mas agora era uma realidade.
Alexia chacoalhou a caixinha e ouviu um barulho que parecia ser o de uma pedra.
- O que quer que seja, me parece algo que enfim, ajudará Ander e Lana.
Ander chegou 1 hora depois. Quando Alexia o recebeu, com Mabel dormindo em seu colo, os dois se olharam e o abraço veio em seguida.
- O que foi? – Perguntou Ander, fechando a porta. – Lexi, fala alguma coisa!
- Lana foi embora do Brasil. – Respondeu, sentando-se ao lado do primo no sofá. - Sei que há formas melhores de contar isso, mas no momento, não consigo pensar em nada.
- O que? Como? – Ele saltou do sofá, sem acreditar no que ouvia. – Quando?
- Hoje. Faz pouco tempo que saiu daqui. Ela foi sorteada para um curso nos Estados Unidos, e na nossa área.
- Mas...
- Eu sei, Ander. – O rapaz levou as mãos ao rosto, desolado. – Ela me pediu para não te contar, mas não consigo. Não é um simples segredo dessa vez.
- No fim, ela não conseguiu lidar com a minha perda de memória.
- Lana tentou, mas não foi só isso. A historia da gravidez mexeu com ela. Tentei falar sobre, mas ela não quis me ouvir.
- É. – Concordou, tentando segurar a primeira lágrima, mas não conseguiu. – Eu sei. É um direito dela, não?
- É...
- Hoje o síndico me ligou, achou a visita dela estranha, ainda mais por ela ter saído de óculos escuros.
- Como você foi trabalhar, ela aproveitou para se despedir da Dinorá. De você ela não conseguiria.
- Eu não a deixaria ir embora.
- Nós sabemos disso. Me desculpe por te contar só agora...
- Eu entendo. A mentira da Gabriela mexeu com ela de verdade. Não tinha como não mexer, o que ela fez foi muito baixo. Achei que daria tempo de falar com ela, mas... Estou me sentindo muito perdido agora.
- Ander, isso aqui é seu. – Ela entregou a caixa para o primo. – Acho que você deve ler na sua casa.
- O que é isso?
- No dia que vocês dois brigaram no Rio de Janeiro a sua mãe queria te entregar isso, mas não conseguiu e deixou com a Lana.
- Obrigado. – Agradeceu, guardando a caixa dentro de sua jaqueta. – Vou para casa.
- E ah...Ela me pediu para te dizer que o ama muito e para todo o sempre.
Agora de pé, Ander limpou as lágrimas do rosto, deu um beijo na prima e saiu em direção a porta. Ele sorriu, mas sem muita vontade.
- Fala para a tia que depois passo aqui.
- Tá bom... Qualquer coisa, me liga, tá?
- Tudo bem.
Antes que Ander pudesse abrir a porta, Bruno se escondeu próximo a escada que dava acesso ao 5º andar. Ele tirou seu celular do bolso, nervoso e incerto do que realmente fazer. Depois de tanto junto com Lana, sabia seu número de celular de cabeça, mesmo tendo excluído da agenda há muito tempo. Não queria se meter nesse assunto, mas nao aguentava mais Alexia sofrendo por causa do primo e da amiga.
- Inferno! Seja o que Deus quiser! – Discou o número dela. Lana atendeu no terceiro toque. – Olá!
“Bruno? O que foi? Lexi e Mabel estão bem?”
- Sim, estão. Você está no aeroporto ainda?
“Sim, estou. A porcaria do meu voo vai atrasar. Acho que hoje durmo aqui no aeroporto.”
- Não vai embora, Lana.
“Bruno...”
- Você não tem ideia do quanto é difícil para mim pedir isso, ainda mais depois de toda a nossa história, mas sabe-se lá como eu aprendi a gostar do Ander. O que você fez por Alexia e minha filha também... Cara, sou tão grato que estou passando por cima de qualquer orgulhozinho bobo para te pedir isso.
“Bruno, eu tentei, mas não dá... Eu não consigo lidar com isso.”
- Ele acabou de ir embora do apartamento, só de ouvir a voz dele sei que o cara ficou na merda com a notícia. Eu respeito seus motivos, mas sei que no fundo você não quer ir. Alexia falou contigo?
"Sobre o que?"
- A Gabriela não está grávida.
"Não?"
- Não. O médico lá do hospital, o tal Lucas que ele mencionou aquele dia é ex dela. O Ander armou um jantar e fez os dois se reencontrarem, deu a maior confusão, mas eles a desmascararam.
"Lexi tentou falar comigo, mas eu a impedi. Não queria ouvir nada sobre o Ander..."
Lana sentiu-se zonza com todas aquelas informações.
- Olha, a Lexi entregou a tal caixinha que a mãe dele te deu. Vai que isso ajuda ele a lembrar?
“E se não o ajudar?”
- Você só vai saber se não partir. Pense nisso, Lana.
Bruno encerrou a ligação sem esperar por uma resposta da ex-noiva. Já tinha ido longe demais, agora era com Lana e a ciência. Torcia para que seja lá o que tivesse na caixa, ajudasse o primo de Lexi a lembrar de tudo. Quem sabe assim ele teria uma vida tranquila ao lado dela e da filha deles.
Depois de passar horas andando pela cidade, Ander viu que não tinha mais como fugir de sua própria dor e voltou para o apartamento. Abriu a porta, num silêncio estarrecedor e encontrou Dinorá deitada no sofá. Ao ver o dono, ela miou, como se o saudasse.
- Oi. – Respondeu, sem ânimo algum na voz e sentou no tapete. – Ela se foi, Dinorá. Eu fiz tudo aquilo, toda aquela parafernalha e ela se foi. – Ander tirou a caixinha do bolso e sem muita paciência, tirou o laço que a prendia. Quando abriu, viu uma carta e uma pedra, não era muito grande, mas provavelmente era a pedra mais bonita que já tinha visto na vida. A pedra era um pouco maior que um botão de uma jaqueta, com a cor predominantemente azul e algumas faixas que pendiam entre o laranja e o amarelo. Era uma pedra rara. Achava ser uma carta de Lana, mas surpreendeu-se ao ver o conteúdo escrito em espanhol. O coração de Ander bateu descontroladamente sob o peito quando viu que era uma carta de pai.
España - 30 de abril de 2001
Mi querido hijo,
Como se acerca tu cumpleaños, me gustaría decirte unas palabras. Creo que me emocioné después de encontrar el regalo que pediste. Es bastante diferente, pero realmente encontré tu cara. Para nosotros, los padres, no siempre es posible hacerlo bien, pero cuando lo hacemos bien, la victoria parece mucho más grande de lo que realmente es. Si eres padre algún día, entenderás lo que digo. Si no, que es tu elección, lo descubrirás de otras formas.
Ander, quiero que sepas que todos los días pienso en ti y en tu madre. De dormir a despertar, ustedes dos son mi fuerza para soportar tanto tiempo en el mar y tan poco tiempo en tierra. No veo la hora de tomarme unas vacaciones para finalmente ver un partido de Flamengo en el estadio. Te prometo que esta vez todo irá bien. Tendrás un cumpleaños muy especial, hijo mío. Esta carta puede incluso sonar como una despedida, pero no lo es, ¡lo juro! Quiero vivir muchos años para verte convertirte en un hombre digno y respetuoso que logrará muchas cosas en la vida. ¡Eres un guerrero!
Y como alguien que siempre quiere más de la vida, espero que esta piedra le haga sentir que es dueño del universo. Se llama la piedra del universo, créeme. Cuando lo escuché, ¡pensé que era increíble! La encontré en el mar con la ayuda de algunos compañeros. Todo el mundo quedó encantado con su belleza. ¡Es algo que hace brillar tus ojos! Espero que cada vez que mires un pedacito del mundo recuerdes cuánto te ama y extraña tu padre todos los días.
Nunca olvides quién eres por dentro y de dónde vienes, hijo mío. Cuida de tu madre, de tu tía y de tu prima. Sé un buen chico, estudia, aprende y agradece siempre que puedas. Vive tu infancia y todas las fases de tu vida con la mayor intensidad posible. La infancia es una parte maravillosa de nuestra existencia, pero pasa muy rápido. Parece que ayer naciste y hoy tienes casi 8 años. Ah, tiempo ...
Con todo el amor del mundo
Sebastian Munhoz, tu papá
Na metade da carta, Ander já tinha olhos tão marejados, que se forçou a conseguir ler todo o conteúdo restante. Ele abraçou uma almofada e apertou contra o peito enquanto suas memórias, uma a uma, voltavam. O ar começava a faltar nos pulmões. Gostaria que Lana estivesse ali com ele para ajuda-lo a suportar a dor que tudo aquilo lhe causava. Estava acontecendo.
“Você não sossegará enquanto não ensinar o menino a falar espanhol, né?”
“Não, mi amor. Ele nasceu no Brasil, mas tem sangue espanhol nas veias. Se não aprender por mim, suas raízes o ensinarão.”
“Tá, mas deixe ele estudar em paz!”
Ander viu sua versão de 5 anos sorrir assistindo o pai abraçar a mãe e lhe roubar um beijo. Era uma cena de cinema aos olhos dele. Tinha uma família feliz. Aquilo era essencial para uma criança da idade dele. Amor. União. Felicidade. Quando foi que tudo aquilo se perdeu? – Perguntou-se, apertando com ainda mais força a almofada já encharcada de lágrimas.
“Ah, papá. ¿De verdad necesitas ir?”
“Sí hijo mio. Pero volveré por tu cumpleaños.”
Theodora limpou as mãos no pano de prato e encostou-se na entrada da cozinha. Depois de muita insistência do pai, Ander enfim aprendera a falar espanhol. O menino de cabelos escuros agarrou-se na perna do pai, que o pegou no colo e os dois se abraçaram.
Eram muito parecidos, o mesmo cabelo escuro, olhar doce, personalidade muito emotiva. Respirou fundo, tentando não sentir mais uma viagem do marido, mas era inevitável. Tanto ela, como o filho sentiam muito toda vez que Sebastian precisava voltar para o mar.
“¡No olvidaré tu regalo, lo juro!”
“Tá bom, papai!”
Aquela foi a última vez que viu Sebastian. Ele não costumava ter lembranças tão nítidas do pai, mas daquela vez, tudo veio com a força de uma maré muito selvagem. Dinorá encostou ao lado dele, silenciosa. Trazia na boca uma camiseta de Lana. Ander tirou da felina e sentiu o cheiro do amor de sua vida grudado no tecido de algodão.
Como um filme que é passado numa velocidade absurda, era a vez de Lana voltar para ele, para a memória dele. A velha Lana. A sua Lana.
Vieram em partes, mas todas tão vivas que se pudesse, daria para tocar cada uma delas. A primeira vez que discutiram no Twitter, depois as conversas por celular, redes sociais e videochamadas. O companheirismo, a amizade. A adolescência. O amor nascendo, o amor indo embora, o amor surgindo e ressurgindo. As brigas, as risadas, o cheiro, o toque, o prazer. As ideias que as vezes combinavam, mas quase sempre divergiam. A vida adulta.
O grito chamando por Lana saiu do fundo de sua garganta. Depois de tanto tempo, ele tinha se lembrado dela. E agora ela se fora.
- Ela se foi, meu Deus, ela se foi... Agora que eu me lembrei dela. Não, ela não pode ir embora. – Correu até a porta, disposto a impedir a loucura de Lana. Ele parou na frente do elevador, apertando agressivamente o botão do andar.
Quando a porta se abriu, Ander travou ao ver Lana o olhando com um sorriso e os olhos já tão marejados quanto os dele.
- Você voltou, Lana, você voltou! – Ele a tomou nos braços, num amor desesperado. – Eu te amo tanto, Lana Hassenback!
- É, eu voltei, meu amor. Eu voltei!
Lana amarrou as pernas em volta da cintura de Ander e o encheu de beijos no rosto. Ela sentia que quem a beijava desesperado e afoito era o seu Ander. O mesmo Ander de antes daquele terrível acidente, mas ainda assim precisava ouvir ele falar.
- Fala que lembrou de mim, pelo o amor Deus, fala!
- Nos conhecemos em 2 de maio de 2010, no meu aniversário de 16 anos. Eu te provoquei num tweet, nem pensei que responderia, mas você respondeu. Sua cor preferida é o Azul, seu time é o Corinthians, seu signo é escorpião e você desde muito nova sempre quis ser diferente da sua mãe. Você tem medo de borboleta e cabra. Apesar de ser muito durona, sei que por dentro tem um coração de manteiga e é tão idiota passional quanto eu. – Lana tocou o rosto dele, suavemente. - Teu jeito de amar é muito próprio, por isso que para você amar também pode ser muito doloroso. Você foi o meu primeiro amor, Lana Hassenback, e também o único.
- Me perdoa, Ander? Me perdoa por tudo. Fui burra, inconsequente e medrosa. Tive medo do seu, do meu e do nosso amor. Não quero mais sentir a dor que senti quando você perdeu a memória. Foi muito difícil. Eu amo você mais do que já amei qualquer pessoa na vida.
- Eu te perdoo, Hassenback, mas com uma condição.
- Qual? – Ela beijou o rosto dele.
- Chega de fugir, e dessa vez, de verdade.
- Tá bom! Prometo que não fujo mais. – Ela entrelaçou o dedo indicador ao médio, como uma criança que finge obediência. Os dois sorriram um para o outro. – Nunca mais.
Dinorá encostou a cabeça nas pernas de Ander, depois deu voltinhas ao redor dos dois, miando toda alegre, como se agradecesse por ver seus humanos juntos, rendidos um ao outro e totalmente apaixonados.
E dessa vez, para todo o sempre.
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Espanha. 30 de Abril de 2001
Meu querido filho,
Como seu aniversário está chegando, gostaria de te dizer algumas palavras. Acho que fiquei emotivo depois de ter encontrado o presente que me pediu. É bem diferente, mas achei realmente a sua cara. Para nós, pais, acertar nem sempre é possível, mas quando acertamos, a vitória parece muito maior do que realmente é. Se um dia você for pai, entenderá o que te digo. Se não for, o que é uma escolha sua, descobrirá isso de outras formas.
Ander, quero que saiba que todo dia penso em você e na sua mãe. Do dormir ao acordar, vocês dois são a minha força para aguentar tanto tempo no mar e tão pouco tempo em terra. Eu mal vejo a hora de tirar férias para, enfim, assistirmos um jogo do Flamengo no estádio. Te prometo que dessa vez vai dar tudo certo. Você terá um aniversário muito especial, meu filho. Essa carta pode até soar como uma despedida, mas não é, juro! Quero viver por muitos anos para assistir você se tornar um homem digno, respeitoso e que vai conseguir muitas coisas na vida. Você é um guerreiro!
E como alguém que sempre quer mais da vida, espero que essa pedra o faça sentir como dono do universo. Ela é chamada de pedra do universo, acredita? Quando soube, achei isso incrível! A encontrei no mar com a ajuda de alguns colegas. Todos ficaram encantados com sua beleza. É algo que faz os olhos brilharem! Espero que sempre que olhar para pedacinho do mundo lembre do quanto seu velho pai te ama e sente a sua falta todos os dias.
Nunca se esqueça de quem é por dentro e de onde veio, meu filho. Cuide de sua mãe, de sua tia e de sua prima. Seja um bom garoto, estude, aprenda e agradeça sempre que puder. Viva com a maior intensidade possível a sua infância e todas as fases da sua vida. A infância é parte maravilhosa da nossa existência, mas que passa muito rápido. Parece que foi ontem que você nasceu e hoje já tem quase 8 anos. Ah, o tempo...
Com todo o amor do mundo,
Sebastian Munhoz, seu papai