Capítulo 29 – Tudo ornava, tudo a incomodava

 
Alexia decidiu por fazer a sua mudança para São Paulo ser um evento completamente simples, ainda mais depois de saber que seus melhores amigos andavam em pé de guerra. Como Bruno ainda se encontrava no Rio de Janeiro, foi Ander o primeiro visitante de sua nova residência, localizado na região Central. Era um loft com decoração moderna, paredes de tijolos marrons e a cozinha era puro charme. Alexia suspirou pesado demais ao lembrar de como a família de Bruno era rica.

- Você está começando a ficar com cara de grávida. – Comentou Ander, ajudando a prima a guardar as malas. – Esse apartamento aqui deve custar todo o quarteirão onde morávamos no Rio.

- É, eu sei. Odeio isso.

- Lexi, que doidera, né? – Ele fechou a porta depois de colocar todas as malas dentro do apartamento. - Você grávida de um cara que conheceu numa festa.

Alexia engasgou com sua própria respiração, mas precisou que a mente trabalhasse muito rápido.

- É... – “Meu Deus, a Lana mentiu para ele.” – Pois é. “Como vou contar isso ao Bruno?”

- E quando vou conhecer o seu namorado? – Totalmente distraído com as malas, Ander não notou o rosto vermelho da prima.

- Em breve, prometo.

- Lexi, eu deveria me lembrar disso, não? Se você está grávida faz pouco tempo e a minha perda de memória foi recente...

- É, mas a sua perda de memória foi intensa. Você não lembra da Lana. – Para sua alegria, o nome da amiga fez a atmosfera mudar. O silêncio de Ander foi longo. – Ela me contou o que aconteceu.

- É claro que contou. – Retrucou. Ander sentou no sofá caramelo que ornava tranquilamente com a janela de vidro com detalhes em branco. – Toda história tem dois lados, Alexia.

- E você está errado nos dois lados. – O rapaz passou a mão no cabelo curto e deu um suspiro, tenso. – Mas estou disposta a ouvi-lo.

- Ela é irritante, mandona e chata. – Começou, depois cruzou os braços como uma criança birrenta. – Eu estou com a Gabriela, como você já sabe. Autorizei ela a subir no apartamento e minha nossa... – Ele recordou a briga. – A Lana tem uma direita incrível.

Alexia deu um tapa no braço dele, o repreendendo, mas riu do comentário.

- Você sabe que está errado, não? Por isso saiu do apartamento.

- Eu não pensei que ela reagiria daquela forma. Lana sempre agia como Jesus Cristo lá no apartamento, totalmente justa e paciente. Não me passou pela cabeça que um dia a veria jogar Gabriela no chão com tanta raiva. – Alexia gargalhou alto, e por um momento, sentiu alegria por estar ali tão perto de Ander. – É sério, ela é baixinha, mas pense numa garota nervosa.

- Eu sei bem, e já se prepare, ela vai chegar daqui a pouco.

- Ah, Lexi! Não estamos nos falando.

- Por isso mesmo. E ela é a minha melhor amiga, tem que estar aqui também.

Naquele momento, o interfone tocou e o porteiro anunciou a chegada de Lana.

- Pode subir! – Alexia notou que Ander ficou visivelmente ansioso assim que colocou o interfone no gancho. – O que foi?

- É possível eu não me lembrar dela e ainda assim me sentir atraído?

Antes que pudesse respondê-lo, a campainha tocou. Alexia atendeu a porta com os olhos arregalados, surpresa com a pergunta de Ander.

- AMIGA! – Ao ouvir a voz suave e melodiosa de Lana, o rapaz sentiu o estômago girar. – Meu Deus, você está tão linda! – Ver Ander no sofá a fez bufar, com raiva. – E é claro que ia me aprontar uma dessas.

- Obrigada! – Lana sentou-se no sofá da frente. - Ander me ajudou com as malas.

- Você poderia ter me ligado, Lexi. – Murmurou, ignorando a presença masculina. – Seria um prazer te ajudar e também ter um momento a sós com você.

- Concordo. Se você quiser sair e voltar depois, por mim, tudo bem. – Provocou ele, dando um imenso sorriso debochado.

Lana apertou o rabo de cavalo, o mediu dos pés a cabeça e fitou Alexia com um sorriso. Não daria o braço a torcer para ele. A expressão da futura mamãe era de pura graça com a situação.

- Vocês são ótimos. Gente, vou dar uma ligaçãozinha pro pai do bebê e já volto! – As duas se olharam com cumplicidade, o que deixou Ander curioso. – Comportem-se.

- Eu não sabia que você viria pra cá. – Começou Ander, depois de um longo tempo de silêncio desconfortável. Não houve resposta. – Engraçado, sinto que já vivi algo assim. - Lana não resistiu a olhá-lo. – Você está bem?

- Eu pareço mal para você?

A voz de Lana era fria e cortante.

- Não, não parece. E como está a Dinorá?

- Me parece que além da memória, você também perdeu a capacidade de perceber quando alguém não quer falar contigo, não?

- Você está sendo infantil e sabe disso, não é?

- Você me dizendo isso chega a soar cômico. Logo você que parecia um bebezão de 20 e tantos anos morando no meu apartamento. – Ela cruzou os braços, o imitando. – “Ain, não quero comer comida assim” – Os braços agora gesticulavam no ar. Ander riu da imitação. - “Ai, Laura, seu café tem pouco açúcar”, “Nossa, massa de novo?”. – Ela se levantou, dando indícios que sairia da sala, mas Ander a puxou pelo braço. O encontro dos corpos resultou num quase abraço. – Você é chato!

- Que imitação histérica.

- Não me importo. – Ao tentar se afastar, foi impedida por Ander. Os dois se olharam por um tempo. Tinha um pedido de desculpas nascendo ali e um outro disposto a aceitar. – O que é? - Perguntou, brava.

- Vou passar no apartamento mais tarde. – Avisou, no pé do ouvido dela. O tom da voz fora um tanto quanto íntimo e Lana se arrepiou.

- Para que? Vai buscar suas coisas?

- Vou ver a Dinorá.

- Agora você gosta dela é?  

- Sabia que você é muito chata? - Perguntou Ander, dando um beijo no pescoço dela e foi empurrado em seguida.

- Sabia.

Assim que Alexia apareceu, os dois se afastaram como se tivessem levado um choque.

- E aí, já pararam de se alfinetar? – Perguntou ela, tranquilamente.

- Sim. – Ander respondeu, sorrindo teatralmente para Lana. – Está tudo bem. O pai do bebê vem hoje?

- Não, não vem.

- É estranho chamá-lo de pai do bebê. Como é o nome dele?

- Bruno. – Alexia respondeu, simplesmente. Não conseguiu encarar Lana. – Ele vem essa semana, não se preocupe.

- E minha tia?

- Só semana que vem. Ainda está dando andamento na aposentadoria. – Lana evitou o contato visual com Ander. – Vão me ajudar a arrumar o apartamento?

- Amiga, eu preciso dar uma saída, vim aqui te ver rapidinho. Volto depois com mais calma. – Era uma mentira deslavada, mas Lana não queria ficar perto de Ander. – E acho que vocês precisam de um momento sozinhos.

- Precisamos? – Perguntou Ander, em tom de provocação. Como resposta, viu a garota de cabelos cor de chocolate revirar os olhos. – Você é muito nervosinha!

- Tchau, amiga. – As duas se abraçaram. – A gente conversa com calma depois. – Alexia sabia do que ela falava.

- Tchau, Lana! – Ander de tchauzinho e mandou um beijo no ar.

- Vai pro inferno!

Depois que Lana foi embora, Ander sentiu-se ansioso, mas não entendeu o motivo.

- Você é muito irritante com ela. – Os dois começaram a arrumar o apartamento. – Agora me explica.

- O que?

- Você falou que está atraído pela Lana.

- Ah... – Deu de ombros, acompanhando Alexia até o novo quarto. – Caramba! Olha esse quarto. – Ander riu do suspiro censurador da prima. Sabia que teria dificuldade de se acostumar com isso. O quarto parecia um palácio. As cores predominantes eram creme e branco, dando um ar clássico e sereno ao ambiente. Haviam quadros decorativos pelas paredes, um belo guarda-roupa no estilo closet. Alexia se perguntou o que Bruno pretendia com esse apartamento extremamente luxuoso. A cama era feita de madeira maciça, com um colchão grande e gigantes travesseiros confortáveis. Os lençóis todos brancos, felpudos e de fios egípcios. Tudo combinava. Tudo tinha classe e elegância. Tudo incomodava Alexia. – Esse homem ama você, hein?

- É... – Ela deu um sorrisinho amarelo para o primo. – Ama sim.

- Olha, sobre a Lana... Não sei o que é. Ela realmente mexe comigo, mas ao mesmo tempo me machuca. Não sei se consigo explicar.

- Tente...

- Eu a machuco por não me lembrar dela. E saber que a machuco também me machuca. No início ela chorava toda noite escondido, chamando meu nome. Eu me envolvi com a Gabriela porque era mais fácil que lidar com a Lana. Sabe o que é você olhar para aquele par de olhos incrivelmente verdes e ver sofrimento? – Alexia se lembrou de quando viu a amiga no hospital e respondeu com um aceno positivo de cabeça. – Então, Lexi. Só que ao mesmo tempo que tento fugir dela, também me sinto atraído. Não imaginei que isso seria possível. Eu nem me lembro dela.

- Eu o entendo, Ander. Mas você compreende que isso que fez passou dos limites, não?

- Sim, eu sei. Vou lá mais tarde para conversarmos. Eu tenho medo de nunca mais lembrar dela, e ainda assim, me apaixonar.

- Você acha que isso é possível?

- Eu sonhei com essa garota por 3 dias seguidos, Lexi. Tudo é possível.

Tamiris Vitória
Enviado por Tamiris Vitória em 14/02/2021
Reeditado em 19/01/2024
Código do texto: T7184503
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