Capítulo 26 – Ele vai para a esquerda e você continua na direita

Entre as linhas do medo e da culpa
E você começa a questionar-se porque veio



Era madrugada quando Alexia recebeu uma ligação de um número desconhecido. Ela franziu o cenho, tentando ignorar a sensação ansiosa na boca do estômago.

- Alô?

Não houve uma resposta imediata, mas a respiração do outro lado entregava quem era.

“Estou ligando para te pedir desculpas, Alexia. Toda essa situação ainda é muito difícil de ser processada, mas eu não deveria ter dito aquelas coisas para você. Não nos conhecemos tão bem, mas não há dúvidas de que você será uma boa mãe.”

- Obrigada, Bruno. Eu não sei se serei uma boa mãe, mas vou tentar. Acho que o importante é isso.

“É verdade. Você está bem?”

Alexia não sentiu verdade na pergunta dele, mas resolveu não estragar a tentativa de aproximação.

- Sim, nós estamos bem. – Ela não resistiu a resposta. - E você ainda está no Rio?

“Sim, estou... Eu quero me encontrar com você amanhã. O que acha?”

- Não sei, Bruno. Nossos encontros tem sido meio agitados, não?

“Sim, você está certa, mas dessa vez será diferente. Não estou bebendo. Prometo que me comportarei.”

- Tudo bem. Você quer vir até aqui em casa ou prefere que eu vá até aí?

“Pode ser aqui mesmo. Estou trabalhando em casa.”

- Tudo bem. Que horário?

“A partir das 19h.”

- Certo. Até amanhã.

“Até logo, Alexia.”

Alexia encerrou a ligação e tentou ignorar o tremor que percorreu sua espinha dorsal. Bruno a tinha chamado da mesma forma que chamara quando estavam na cama, na fatídica noite que resultou em sua gravidez. Ela sentou-se na cama, tentando pôr as ideias, mas as lembranças não paravam de bagunçar sua cabeça.

Ela fechou os olhos, e de repente, tinha se transportado para aquela noite. Era tudo tão vivo, que sentiu o toque de Bruno em seu corpo, a admirando e a contemplando como se fosse a mais bela obra prima de uma galeria de arte parisiense. Fechou os olhos e ouvira Bruno gemendo seu nome lentamente. Arrepiou-se inteira.

“Deus do céu, os hormônios da gravidez vão me deixar louca!”
 
O encontro com Bruno inicialmente fora estranho, ao menos, para Alexia. Ele parecia, de fato, menos perturbado com os últimos acontecimentos. Tinha tirado a barba, vestia roupas limpas e se mostrava disposto a ter uma conversa pacifica.

- Não repara a bagunça. – Ele avisou, com um meio sorriso. Alexia fingiu não notar o discreto olhar para sua barriga. – Tudo bem?

- Sim e você?

- Estou bem. Alexia, eu quero te fazer uma proposta. É uma coisa meio maluca, mas pensei muito nisso.

Sentou no sofá branco que ficava no meio da sala. A agradável e pomposa sala do hotel que Bruno se instalara.

- Pode falar.

- Eu quero que você se mude comigo para São Paulo.

- O que? – Arregalou os olhos, surpresa com a sua proposta. – Como assim, Bruno?

- Eu quero te ajudar, Alexia. Pelo menos, durante a gestação e se você me permitir, enquanto o bebê estiver pequeno. Vou passar a trabalhar mais em São Paulo.

Alexia respirou fundo, tentou controlar o tom de voz, mas não teve muito sucesso.

- Quando foi que de “não quero ser pai desse bebê” você passou a ser o “quero te ajudar com tudo”?

- Para ser sincero, quem me ajudou foi seu primo. – A resposta fez Alexia perder a fala. – Eu repensei muito sobre tudo isso depois que o encontrei da última vez. Chega a ser bizarro admitir, mas seu primo é um cara verdadeiro.

- É... Ele é sim. – Alexia se forçou a murmurar. – Olha, Bruno, é uma decisão e tanto, não?

- Sim, eu sei. Você mora aqui e trabalha também, mas é o nosso filho, Alexia. Eu te ajudo na transferência a São Paulo, assim você pode trabalhar até entrar de licença.

A empolgação de Bruno era encantadora, mas também a assustava.

- Bruno, mas e a minha mãe? – Ela sabia que a mãe não ia se opor a mudança, já que até a mesma desejava sair do Rio de Janeiro e sua violência desenfreada.

- Bom, tudo pode ser conversado, não?

- É... – Alexia sentiu-se tonta com todas aquelas informações e propostas. – Hã... Eu posso pensar sobre?

- Claro.

- Eu te ligo para informar o que decidi.

Ela se levantou e seguiu em direção a porta. Bruno fez o mesmo.

- Alexia. – Os dois se olharam. – Eu realmente lamento muito as coisas que te falei. Me senti mal com tudo o que aconteceu, mas agora acho que estou processando um pouco melhor. – Ele respirou fundo e deu um meio sorriso. – Seu primo realmente ama a Lana. Não é algo que possa se lutar contra.

Alexia sentiu o impulso de abraça-lo, mas se conteve. Bruno, por outro lado, não teve esse medo e a abraçou. Ela demorou alguns minutos para corresponder ao abraço. Era uma colisão afetuosa que acontecia ali.

- Tchau, Alexia. – E deixou um beijo na testa dela.

- Tchau, Bruno.

Alexia não sabia como seria morar tão perto de Ander e Lana, mas poderia ser uma boa esse recomeço. Já chegou a pensar em se mudar, mas numa situação diferente. Não tinha total certeza se dividir um apartamento com Bruno daria certo, mas resolveu arriscar.

- Preciso ligar para Ander e Lana. Deus do céu, eu me despedi deles pela manhã e não tinha ideia de que a noite seria convidada para morar em São Paulo. - Ela tirou o celular da bolsa e discou os números do celular de Ander. Chamou 3 vezes e depois caiu na caixa postal. – Que estranho. - Discou os números de Lana e também não conseguiu contato. – Realmente muito estranho... Bem, como eles voltaram pra São Paulo de ônibus é possível que estejam sem sinal. – Deu de ombros e entrou no elevador, rumo ao térreo. – Tenho certeza que os dois vão adorar a mudança.
 
No dia seguinte, já em São Paulo, Ander e Lana chegaram bem cedo na rodoviária localizada na região da zona norte. Eles optaram por esperar por um carro de aplicativo. Aguardaram por 10 minutos ao lado de outros passageiros que aguardavam a chegada de seus ônibus e carros. Havia muita gente ali para o horário. O motorista escolhido por eles parou no outro lado da avenida. No momento que iam atravessar a rua, uma moto cruzou o caminho de Ander, que estava um pouco à frente de Lana e ele foi brutalmente arremessado a um bueiro.

Depois de alguns segundos em que tudo parecia muito silencioso, o grito doloroso de Lana ecoou com muita força por aquela movimentada avenida de São Paulo.

Tamiris Vitória
Enviado por Tamiris Vitória em 06/02/2021
Reeditado em 19/01/2024
Código do texto: T7178211
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