Capítulo 25 - Eu vou cantar pra você o que acabou de acontecer... Pra ver se na memória você pode buscar


 
Acordei no início da noite com Lana Hassenback entrelaçada ao meu corpo como se estivesse com medo de uma possível fuga minha. Deitei seu corpo de lado e me permiti olhá-la mais uma vez. A trança tinha se bagunçado inteira, dando espaço para uma cortina cor de chocolate espalhada pelos travesseiros da cama. Parecia dormir muito tranquila, o que me fez questionar se achava que seu plano tinha dado certo ou não. Bem, não sei qual é o plano dela, mas sei que tem algum. Ela sempre tem um plano. Toquei seu lábio inferior, lembrando do que acontecera na madrugada e respirei fundo e angustiado demais.

Estou mesmo fadado a amar essa mulher pelo resto da minha vida. Não consigo me livrar dela e nem desse sentimento.

Joguei o lençol de algodão por cima do seu corpo e levantei da cama em direção a cozinha onde encontrei na noite anterior um maço de cigarro, depois de brigar com Lana. Puxei um, acendi na boca do fogão e traguei, sentindo uma inexplicável onda de prazer. Eu fumo em situações muito especificas e sem surpresa alguma, a maioria delas aconteceram por causa de Lana. Voltei para o quarto, me vesti rapidamente e fumei encostado na janela, observando o céu estrelado. Era uma noite quente e agradável. E também propícia a lembrar do passado.
 

“É para tu se comportar com a tua tia, garoto.”

“Mas mamãe, eu quero ir com você.”

“Não, Ander.” – A mulher mais velha limpou o pingo de chuva que caiu sob seu rosto cansado. “Tu vai ficar aqui com a sua tia. Eu volto logo.” – Apertou a campainha da casa com mais impaciência. “Que merda, cara!”. O pequeno Ander olhou para a mãe e apertou com mais força a alça de sua mochila. “Vou ligar para a sua tia.”

“Tá bom.”

“Não saia daí!”

O garoto observou a mãe descer as escadas, até sumir em meio a chuva torrencial que castigava a zona norte do Rio de Janeiro.

Mal sabia Ander que era a última vez que veria sua mãe.

Ele esperou, esperou e esperou pela volta da mãe, mas nada acontecera. Sentou na porta da casa da tia, cruzando os braços juntos as pernas, com frio e fome. Algum tempo depois, a porta abriu e a pré-adolescente Alexia o olhou, assustada.

- O que aconteceu, garoto? Cadê a sua mãe?

- Ela disse que ia ligar para a tia Eleanor.  

- Mas...

Naquele momento, a mãe de Alexia surgiu na entrada da casa, tinha acabado de chegar do trabalho. Mãe e filha se olharam e entenderam na mesma hora o que tinha acontecido.

Ander tinha sido abandonado pela mãe.
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Balancei a cabeça, tentando esquecer as lembranças, quando Lana me chamou, preocupada.

- Ander, está tudo bem?

- Oi, está sim. – Eu não consegui olhá-la, pois além de perturbado com as lembranças, Lana se encontrava seminua. – Nem vi que você acordou.

- É... Vi você fumando aí, chamei duas vezes e você nem se mexeu. Não sabia que fumava.

Quando notou que eu não conseguia olhá-la, cobriu os seios com o lençol. Pude perceber seus braços com algumas marcas.

- Você está sentindo alguma dor? – Perguntei, sério. Ela não entendeu a pergunta. – Seus braços... – Vi de relance suas coxas, também com marcas. – E coxas...

- Ah! – Ela entendeu do que eu falava e sorriu, sem jeito. – Estou bem.

- Certo. – Balancei a cabeça, assentindo. – Acho que ontem acabei me descontrolando contigo... – Me sentei no chão do quarto, escondendo o rosto entre as mãos. – Desde que fizemos sexo pela primeira vez, isso nunc...

- Eu gostei, Ander. – A resposta dela me surpreendeu. Lana sorriu de canto, mordendo o lábio inferior, como se lembrasse de algo. – Mesmo. Você não fez nada que eu não quisesse. Foi diferente das outras vezes, beeem diferente, lógico, mas nunca existiu uma vez que transar com você não fosse simplesmente... – Ela respirou fundo. – Perfeito. Acho que isso você consegue perceber, não é?

Não soube bem o que responder, por isso baixei a cabeça. Apesar do que aconteceu, ainda me sentia mal com a nossa situação. Lana saiu da cama com o lençol amarrado ao corpo, mas logo o deixou cair. Eu a observei seguir em direção a sua mala e procurar por uma roupa. Escolheu um short rosa de algodão, calcinha e uma regata preta. A visão dela de costas se vestindo mexia profundamente com meus instintos.

- Ander, eu sei que essa é a nossa última vez juntos, mas gostaria que pudéssemos conversar sobre o que aconteceu. – Ela murmurou, depois de terminar de se vestir. Sentou-se na cama, de pernas cruzadas, totalmente serena. – De verdade, sem brigas ou discussões, apenas... Conversar. Se você quiser, é claro.

- Não sei como começar. – Murmurei, sincero.

- Tudo bem, eu começo. Primeiro de tudo, gostaria de reiterar que estou bem, sem dor alguma. Não precisa olhar para os meus braços com esse cara de preocupação. E... Não sei o que aconteceu ontem, Ander, mas realmente foi necessário tudo isso para que eu pudesse entender como você me enxerga. Sei que falhei. Falhei muito com você, mas ontem, juro que a minha única intenção era tentar ajudar. Não tinha ideia do que você passou com a sua mãe. – Vi ela fungar alto, segurando a vontade de chorar. – E foi um erro meu nunca ter perguntado sobre.

- Eu sei. Quero me desculpar pelas coisas que falei, não fui justo nisso. Só que na hora, Lana... Na hora eu só queria ficar com raiva de você.

- Sinto muito se o magoei trazendo a sua mãe. – Uma lágrima desceu por sua bochecha rosada. – Achei que isso nos ajudaria, mas só terminei de cavar o fim da nossa história, e sei que sou a grande culpada por tudo isso. Gostaria de ouvir sobre a sua mãe. Eu me importo demais com você, Ander. Sempre me importei. Sempre... – Ela mordeu o lábio, sem conseguir conter as lágrimas. – Sempre senti demais por você. Tanto que tenho medo. Deve ser por isso que tento sempre te afastar de alguma forma, até mesmo involuntariamente, como foi ontem. Não que isso justifique as minhas ações nesses tantos anos que estamos juntos e até mesmos separados... Sei que não justifica.

- Vou tentar começar da melhor forma possível.

- Por favor! 

- Minha história começa como a de uma boa parte das crianças nascidas no Rio de Janeiro. Eu tinha uma família feliz, pequena família, mas era muito completa. Minha mãe era uma costureira e dona de casa, já meu pai trabalhava como comandante de um navio que exportava Petróleo daqui. A vida do meu pai era de 3 dias em terra e o restante do mês no mar, sempre entre o Rio de Janeiro e a Espanha. Bom, desta forma, pode imaginar que sempre que meu pai estava em terra era uma festa para mim. Toda a minha vida mudou uns dias antes do meu aniversário de 8 anos. Meu pai tinha dito que me traria algo muito especial e pediu para que eu aguardasse. Esperei por ele com tanta ansiedade que tive febre um dia antes do meu aniversário. – Sorri com a lembrança. – Coisa de criança. Esperei por horas. No dia do meu aniversário, pela manhã, minha mãe recebeu a notícia que meu pai tinha sumido no mar. Simplesmente sumido, sabe? Até hoje o corpo do meu pai não foi encontrado. Das 15 pessoas que estavam com ele no navio, não houve um sobrevivente. Foi terrível.  

- Meus sentimentos, Ander. – Lana já se encontrava sentada na minha frente segurando minha mão. O toque foi acalentador.

- A morte do meu pai foi um divisor de águas na minha relação com a minha mãe. Hoje consigo entender o que ela sentiu, mas não consigo perdoar. Ela não foi a única a ter perdido alguém. Eu soube que meu pai sumiu através da minha tia. Por não saber, perguntei a minha mãe se não teríamos mais a minha festa e recebi um tapa no rosto como resposta. Foi a primeira vez que minha mãe me agrediu. A segunda vez foi umas 2 semanas depois, já no dia das mães. Me lembro exatamente do grito dela dizendo “NÃO, EU NÃO AGUENTO MAIS! CHEGA!” - Fazia muito tempo que eu não falava sobre essa história, mas como de praxe, as lembranças me fizeram chorar. Lana esqueceu que estávamos brigados e se jogou nos meus braços, preocupada e protetora. - E alguns dias depois minha mãe me deixou com minha tia. Tudo o que tenho e sou, devo a ela. Em todas as conquistas, derrotas, momentos tristes, difíceis e felizes... Eleanor sempre esteve lá.

O rosto de Lana era banhado de lágrimas. Ela encostou a testa na minha e segurou meu rosto, suavemente.

- Eu sinto muito. De todo coração, Ander. Sinto muito mesmo por tudo isso. – Ela selou nossos lábios, com urgência. – Por favor, acredita em mim?

- Eu acredito. – Deitei a cabeça em seu peito, sentindo as batidas do seu coração. – Agora está tudo bem, Lana. Explodi com ela naquela hora, mas na verdade era por sua causa. – Apertei meus braços em volta dela, respirando seu cheiro. – Não preciso da minha mãe e nem de nada que a envolva, mas de toda forma, obrigado. – Ela franziu o cenho, sem entender. – Me fez bem falar disso para você. Só costumo falar com minha tia e Alexia.

Ela sorriu e deu um beijo na minha testa. Naquele momento, quis dizer o quanto a amava, mas preferi o silêncio. Ainda não é a hora.

- Vem, vamos tomar banho. Quero visitar a sua prima antes de irmos embora. – Lana se levantou e estendeu a mão para mim. Quando aceitei, pude ouvir o seu respiro aliviado. – Prometo te fazer uma massagem.





 

Importante: Todas as informações dessa história são baseadas em coisas da minha imaginação. Sabe quando te dá na telha e você cria tudinho? Pois é.  Nada condiz com a realidade, ok? ok!

Tamiris Vitória
Enviado por Tamiris Vitória em 06/02/2021
Reeditado em 19/01/2024
Código do texto: T7178198
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