Capítulo 23 – Tudo é sobre você
- Acabei de ligar para a Diana. Ela disse que a Dinorá está bem! – Lana entrou no quarto e se ajeitou do meu lado na cama. – Ei...
- Ah, não. – Primeiro ela uniu nossas pernas. – Quando vem assim...
- Lembrei de uma vez que vim para cá com sua prima e nós comemos um lanche aqui pela Tijuca mesmo, tinha muito carne, orégano e queijo. Nossa, era muito bom. – Eu sabia qual era o lugar que ela se referia, mas fiquei em silêncio. Lana colocou minha mão em sua cintura e a puxei para os meus braços. Logo, estávamos sentados no meio da cama. – Que tal você ir buscar para nós, hein? – E veio o primeiro beijo no pescoço.
- Sem jogo baixo. – Tentei fugir das suas investidas, mas Lana continuou a me beijar, até chegar nos lábios. – Nossa, Hassenback. Sério, como você é desgr...
Ela me empurrou na cama e me beijou. No início tinha um quê de provocação e brincadeira, até que a dominei com mais vontade que o normal, como um alerta.
- Não faz isso...
- Isso o que? – Perguntou, me olhando com cinismo.
- Isso aí que você está fazendo.
Segurei os braços dela no alto da cama, assistindo as curvas do seu corpo se exibirem por trás de sua camisola branca. Ela roçou a coxa no meio das minhas pernas e sorriu de um modo que fazia seus olhos verdes oliva brilharem perversamente.
- Ok, você venceu, Lana! Eu vou buscar o seu lanche!
- Obrigada. – Me levantei, bravo e derrotado. – Ei.
- O que é?
- Sabia que você é muito gostoso?
- Cala a boca!
Ela se jogou na cama, rindo alto da minha resposta emburrada.
(...)
O restaurante que Lana se referia era bem próximo do hostel. Todos queriam conhecer e provar o lanche da dona Joana, uma das moradoras mais celebres da região da Tijuca. Entrei, fiz o pedido e esperei encostado no balcão. Ao olhar para uma mesa a uns 2 metros de distância, encontrei Bruno bebendo uma cerveja.
- Merda.
Das pessoas que ele deseja ver, certamente eu sou o último. Respirei fundo, meio receoso se devia ou não me aproximar. No fim, meus pés pareceram ter vida própria e parei ao lado da mesa de Bruno.
- Ah, fala sério! – Exclamou ao me reconhecer. - Quando foi que o Rio de Janeiro ficou tão pequeno assim?
- Posso me sentar? – Ele deu de ombros, segurando a garrafa de cerveja longneck com força.
- Veio comemorar que conseguiu tudo o que queria? Espero que você e aquela outra sejam muito felizes.
Era evidente o quanto tudo isso envelhecera Bruno.
- Não estamos juntos. – Ele me olhou, surpreso. Tratei de me explicar. – Não desse jeito. Por mais que não pareça, há muito mais coisa envolvida na minha relação com Lana.
- Pô, sinto muito. Pensei que você transar com a minha noiva pelas minhas costas já resolveria parte dos problemas de vocês dois. Mas obrigado pela explicação, fico mais tranquilo agora.
A nossa conversa começava a atrair olhares.
- Eu sinto muito, Bruno. Realmente sinto muito. Não queria que as coisas tivessem chegado a isso, mas perdemos o controle. Qualquer coisa que eu vá te dizer não será o bastante e nem amenizará o que você está sentindo, mas eu..
- Por que não estão juntos? Ela está livre.
- Como disse, nós temos muitas coisas a serem resolvidas. Não vivo um conto de fadas com ela, Bruno. Amar a Lana é uma prisão. E eu já vivo essa prisão há tanto tempo que nem sei mais como é não estar nisso. Não me lembro mais como é viver uma vida em que eu não ame Lana Hassenback. E você entende o que eu digo, não entende? Quando você passa a fazer parte da vida dela é como um labirinto. Você tenta sair, mas parece que só ela pode te mostrar a porta de saída. E assim como só ela pode te mostrar a porta de saída, também pode te colocar de volta nesse labirinto.
Depois desse desabafo, me senti estranhamente mais leve. Encontrei compreensão no olhar do Bruno.
- Eu me lembro quando a vi pela primeira vez. Foi numa convenção da empresa que ela trabalha. Estava lá de visita. Era a garota mais bonita que já tinha visto em toda a minha vida. Me apaixonei na mesma hora por ela. – Bruno sorriu, meio alto pela quantidade de cerveja já ingerida. – Ela tinha uma coisa misteriosa, mas também tão doce, tão encantadora. Eu conseguia me ver tendo filhos com ela... Mesmo ela não tendo interesse em ser mãe. – Bruno deu um gole em sua cerveja. - Ela nunca disse que me amava. Sempre achei que uma hora me diria, mas talvez o não dito já dissesse muita coisa.
- Eu acho que ela te amou sim, te amou muito.
- Mas ela me traiu com você, cara. E você é nada mais nada menos que o cara gente boa do mercado, conhecedor de todo tipo de macarrão e ainda é primo da melhor amiga dela.
- É, eu sou. Bruno, sei que não sou o cara que você quer falar sobre isso, mas Alexia não é a culpada dessa loucura toda. Ela estava numa posição complicada e por várias vezes me disse que eu tinha que me resolver com a Lana, mas infelizmente fomos egoístas demais. Essa criança não tem culpa dos erros de ninguém.
- Eu não posso ser pai... Não de um filho da sua prima.
- Bruno, ela não está pedindo pra você casar com ela. Vocês nem se gostam. – Naquela hora ele deu um suspiro longo e pensativo, mas Ander não percebeu. - Pense nessa criança. Alexia foi criada por minha tia e é uma mulher completamente independente. Arrisco a dizer que sem você ela seria uma mãe ainda melhor, mas só quem cresceu sem um pai sabe como essa ausência não se cura, não se substitui. Se eu não tivesse a minha tia, mãe da Alexia, não sei o que seria de mim hoje. Todos nós temos algum problema com pai ou com mãe. As vezes um filho é a chance de recomeçar. Pense nisso.
O atendente me chamou para entregar duas sacolas com os lanches. Me levantei, entreguei duas notas de 20 reais e saí do restaurante o mais rápido que pude. Quando voltei para o hostel, Lana dormia no quarto aninhada ao travesseiro que era quase do tamanho dela.
- Ei... – Apertei os dedos dela, que abriu os olhos lentamente. – Desculpa a demora.
- Oi...
- Oi, Lana.
- Aconteceu alguma coisa?
- Encontrei o Bruno.
- Sério?
- Sim, é sério. Acabamos conversando um pouco. – Balancei a cabeça, um tanto reflexivo. – Menos mal, achei que levaria um soco dele.
- E como foi? – Ela perguntou, sentando-se na cama enquanto enrolava os longos cabelos cor de chocolate numa trança. – Você parece sério.
- Só fiquei pensativo.
- Com o que? Com a história do Bruno ser pai ou com o que fizemos?
- Com tudo, Lana. – Respondi, seco. Ela largou o lanche, agora preocupada. Tentou tocar a minha mão, mas naquele momento não queria que ela me tocasse. – Não.
- Ander...
- Não, Lana. Por causa da merda do nosso egoísmo todo mundo está magoado nessa droga de história. E sabe o que é pior? Se tudo isso não tivesse acontecido, você sabe, essa gravidez, o seu casamento teria acontecido e nem estaríamos aqui. Tudo gira em torno de você e de como deixa todo mundo a sua mercê.
- Uau! – Ela exclamou, com sarcasmo. Sim, ali começava uma briga. – Pelo jeito essa conversa realmente mexeu com você.
- LÓGICO QUE MEXEU, LANA! MEU DEUS, DESDE OS MEUS 16 ANOS ESTOU PRESO A VOCÊ! AGORA ATÉ A ALEXIA ESTÁ PRESA A VOCÊ! ELA SEMPRE VAI OLHAR PARA O BEBÊ E LEMBRAR QUE TRAIU A MELHOR AMIGA, QUE POR SINAL TRAIU O EX COM O PRIMO DELA!
- Você acha que eu me sinto bem com essa história toda, Ander? Do jeito que você está gritando dá a impressão que me sinto muito bem com tudo isso.
Primeiro dei as costas a ela, encostei as mãos no guarda-roupa de madeira velha e quando me virei, completamente fora de mim, gritei a plenos pulmões.
- NÃO SEI COMO VOCÊ SE SENTE, LANA HASSENBACK! SEI QUE SE EU NÃO TIVESSE IDO NAQUELE RESTAURANTE TE FALAR SOBRE A GRAVIDEZ HOJE VOCÊ ESTARIA CASADA COM O BRUNO! NÃO IMPORTA O QUE SINTAM POR VOCÊ, DESDE QUE SINTAM E SEJA TAO GRANDE A PONTO DE VOCÊ NÃO PRECISAR SENTIR DE VOLTA, O RESTO NÃO TE IMPORTA!
Ela saltou da cama, guardou o lanche dela na sacola e seguiu para a cozinha. Eu sabia que era exagero meu arrumar uma briga por causa disso, mas não consegui me conter. Lana voltou para o quarto, encostou-se na porta, cruzou os braços e me olhou, ponderada.
- Você quer mesmo brigar, não é? Eu devia imaginar que isso aconteceria. Estava tudo muito calmo entre nós.
- É, você só fica feliz em brigar quando está com a razão. Do contrário, age com essa pose de “olha pra mim, como sou madura e bem resolvida, mas estou lidando com um lunático gritando dentro da porra de um quarto em um hostel no Rio de Janeiro!”. – Me sentei na calma, trêmulo e escondi o rosto entre as mãos.
- O que você quer que eu diga, Ander? Me fala, o que você quer que eu diga para você se acalmar?
- Está na hora de você começar a saber as respostas das perguntas óbvias que faz, Lana. – Puxei uma coberta da cama. – Vou dormir no sofá.
(...)
Foi uma noite horrível. Eu não soube o motivo de ter começado aquela briga. A conversa com Bruno foi boa. Não tive qualquer problema com ele, além, claro da culpa. Bom, talvez tenha sido esse o gatilho para essa briga. Não me arrependo de nada do que disse. Nada. Tudo o que disse era o que eu sentia. Mas por que continuo me sentindo tão mal?
Pela manhã, acordei com o barulho de Lana na cozinha. Me levantei, fui para o banheiro e saí algum tempo depois. Não adiantava evitar aquela conversa matinal, o lugar é pequeno e teremos que conversar.
- Bom dia.
- Bom dia, Ander. – Ela sentou na bancada, cruzando as pernas e bebeu um pouco do café na xícara azul. – Precisamos conversar.
- Não estou com vontade de conversar com você, Lana.
O hostel na verdade era uma pensão com pequenas casinhas com cozinha, banheiro e até máquinas de lavar, tudo bem antigo, tornando a experiência única e inigualável. Era bem íntimo e particular. Uma tendência no Rio de Janeiro oitentista que sobreviveu aos tempos atuais.
- Ander... – Ela murmurou, com a voz chorosa. – Nós viemos para o Rio de Janeiro ajudar Alexia e não para brigarmos. Não sei como uma conversa com o meu ex terminou numa briga entre nós.
- Lana, se eu não tivesse ido até o restaurante te avisar sobre o que aconteceu entre a Lexi e o Bruno você teria deixado ele por mim? - Os olhos dela pareciam implorar para que eu parasse de tortura-la. – Responde.
- Não, eu não teria.
- Então essa briga é exatamente sobre isso.