Capítulo 21 – O amor é uma coisa dos diabos
 
Chegamos no Rio de Janeiro no início da tarde. Como sabíamos que Alexia não estava pronta para uma conversa, nos instalamos num hostel próximo a casa da minha tia. Liguei para minha prima e combinei de me encontrar com ela a tarde.

- Beleza, Lexi. Até mais tarde! – Encerrei a ligação observando Lana mexer no celular. – Bruno?

- Sim. – Ela respondeu, dando um longo suspiro. – Me mandou mais três mensagens. - Me sentei ao seu lado no sofá. O hostel era localizado na área central da cidade. Embora fizesse muito calor, as árvores tornavam o lugar agradável e fresco. – Estou me sentindo tão mal.

- Ei... – Abracei Lana de lado. – Não vale a pensar em nada disso agora. Aconteceu, Lana. Como resolveremos isso que fará a diferença lá na frente. – Ela balançou a cabeça, concordando. – Acho que Alexia não contou para a minha tia.

- Queria tanto falar com ela.

- Você vai. – Segurei sua mão, apertando suavemente seus dedos. – Deixa só eu conversar com ela e minha tia primeiro. Amanhã vocês conversam.

- Tá bom. – Me levantei, indo em direção a minha mala. – Será que Diana vai conseguir dar conta da bebê e da Dinorá?

- Vai sim. Dinorá aprendeu a gostar de bebês. Acho que sofremos mais com a viagem do que a própria Dinorá. – Lana riu. Na hora que deixamos a gata com nossa vizinha ela simplesmente deu um miado indiferente e foi brincar com Maria, sentada no chão cheio de brinquedos. – Acho que vou tomar banho.

Quando tomei caminho para o banheiro, Lana me puxou pela camiseta e me encostou na parede.

- Ander, preciso falar com você.

- O que foi? – Perguntei, preocupado.

- Nós vamos conversar depois disso tudo... – Ela respirou fundo. – Você sabe, sobre nós.

- Sei... E acho que de forma definitiva, certo? – Lana assentiu. – Tudo bem. Agora vou tomar banho.
 
Quando saí do banho, Lana cochilava no sofá. Me sentei na ponta e toquei seu rosto. Era notável o quanto toda essa situação mexera com ela e vê-la assim também me atingia. Me abaixei, deixando um beijo na sua testa.

- Você sempre será a dona do meu amor, Lana. – Afastei seus cabelos do rosto. – Independente do que nos aconteça. – Senti suas mãos passando por meu cabelo e logo um par de olhos verdes me encaravam. – Ei... – E antes que eu pudesse terminar, Lana me surpreendeu com um beijo. – Lan... – As unhas dela passaram por minhas costas, me trazendo um arrepio por toda a coluna. Uni nossas mãos e tive a mesma sensação de quando nos tocamos pela primeira vez. Eu nunca mais sentiria o que sinto por ela. Por muitas vezes isso me trazia angustia, mas naquele momento o que sentia era pertencimento.

Ela arrancou a tolha que me cobria depois ficou de pé. Primeiro tirou a camiseta, depois sua calça. Eu a ajudei tirar a calcinha, o sutiã e a tomei em meus braços. Dessa vez foi diferente transar com Lana. Não sei explicar, alguma coisa nela estava diferente, talvez mais livre, não sei.

No fim, Lana olhando em meus olhos, segurou minha mão com mais força que o normal e a conhecida tremida em sua perna aconteceu. Ela desabou nos meus braços, exausta. Beijei sua testa e ficamos abraçados por um longo tempo, num confortável silêncio. Para mim, aquilo era o verdadeiro significado do amor.
 
E mais tarde...
 
- Oi, Lexi! – Apoiei o celular no ombro, enquanto terminava de me vestir. – Sim, me atrasei, desculpa. Em 1 hora estou por aí... Sim, eu sei, Lexi! Tá bom! - Encerrei a ligação e guardei o celular no bolso. Lana andava de um lado para o outro, apreensiva. Tinha marcado um encontro com Bruno. – O que foi?

- Estou nervosa.

- Vai dar tudo certo, Lana. – Ela me abraçou, parecendo menos confiante do que eu. – Ei... – Segurei seu rosto. – É sério, confia em mim.

- Confio. - Dei um selinho em seus lábios e me afastei, rumo a porta.  – Diga a Lexi que estou com saudades.

- Digo. Até mais tarde!

- Até.

À essa altura do campeonato parecia maluquice pensar o quanto esse encontro com Bruno me deixava inseguro, mas para ser sincero, ainda deixava. Olhei nos olhos de Lana no dia do jantar e vi como aquela notícia mexera com ela, mas ainda assim me pego pensando “e se ela resolver perdoar e ficar com ele?”. A instabilidade de Lana me afetava. Tudo a envolvia. Tudo era sobre ela. Depois de tudo que vivemos, ainda olho para trás e me sinto o mesmo garoto de 16 anos. Totalmente inseguro e apaixonado por alguém que não sabe o que realmente quer de mim.

“Bom, não é hora para pensar nisso. Eu preciso apoiar a minha prima.”
 

E não muito longe dali...

 
Era início de uma bonita e agradável noite carioca quando Lana Hassenback entrou no restaurante escolhido por Bruno. O ambiente tinha um ar moderno, luzes acolhedoras e o cheiro da comida italiana tornava o lugar ainda mais agradável. Pensou no quanto gostaria de estar ali com Ander e sorriu, mesmo que fosse inapropriado para o que estava prestes a viver.

Ela encontrou Bruno sentado próximo ao bar. De costas, podia notar como seu cabelo havia crescido. Sentou-se ao lado dele.

- Oi, Bruno. – Ele a olhou por algum tempo, antes de se jogar nos braços dela, aos prantos. Havia tanta dor ali. Lana o acolheu em seus braços e os dois choraram juntos. Ninguém deu a mínima para eles, o que tornou o momento íntimo e particular. E fazia muito tempo que não eram íntimos um do outro.

Os dois foram para uma mesa mais reservada. Ninguém estava realmente pronto para aquela conversa, mas ela tinha que acontecer. Era uma conversa necessária. Ele colocou os óculos na mesa e continuou chorando inconsolavelmente nos braços de Lana.

- Bruno... – Ela segurou o rosto dele, agora bastante barbudo, o que o deixava mais velho, mas um tanto quanto charmoso. – Olha para mim.

- O que aconteceu conosco, Lana? O que aconteceu naquele jantar? Você simplesmente sumiu, não respondeu as minhas mensagens, não me ligou e nem me atendeu. Eu preciso de uma resposta, Lana! Eu não aguento mais! – Ela balançou a cabeça, concordando enquanto tocava o rosto dele, tentando acalmá-lo.

- Bruno, tentarei ir direto ao ponto. – O rapaz se ajeitou na mesa, pronto – ou quase isso - para ouvir toda a verdade. – Mas tem outras coisas que você também precisa saber. Lembra de uma história que te contei numa conversa que tivemos sobre relacionamento à distância? Faz um bom tempo.

Bruno limpou as lágrimas e colocou os óculos novamente. Lembrava vagamente desse dia.

- Não muito.

- Tive uma história com uma pessoa na adolescência. Foi uma fase complicada da minha vida e eu me apeguei aquela relação. Eu não tinha mais ninguém, sabe? – Lana se emocionou ao recordar de sua adolescência de dias e noites conversando com Ander. – Ele tinha a mesma facilidade que você para expor o que sente. É engraçado como eu, extremamente fechada emocionalmente atraio pessoas como você e ele. Enfim, acabamos nos apaixonando. Só que ele teve coragem de se declarar e eu não. E também não aceitei o amor dele por mim. - Bruno começava a entender, mas continuou em silêncio. – Me afastei dele, cortei relações. Me parecia o melhor a ser feito na época. Anos passaram, mas sempre pensei nele. Era uma constância. A vida parecia de alguma forma nos entrelaçar, já que conheci Alexia - na época do Curso -, que é nada mais nada menos que a prima dele.

O rumo daquela conversa começava a enjoar Bruno, principalmente depois da noite que teve com a melhor amiga de Lana.

- Nos reencontramos, Bruno. E foi tão intenso, profundo e também trouxe muita dor e mágoa à tona. Pensei que uma única noite bastaria, mas tudo me levava a ele. Como um vício.  

Bruno observou uma lágrima trilhar pela bochecha de Lana, até passar por seus lábios. Eram lábios avermelhados, macios e cheios.

- Eu o conheço? – Perguntou, com a voz seca. A garganta começava a fechar e mãos suavam.

- Conhece. – Respondeu, num sussurro. – É o rapaz do mercado.

- Que rapaz?

- O dia que fomos ao mercado comprar macarrão para você fazer para mim, Bruno. – Bruno pensou um pouco e o dia lhe veio a memória. Franziu o cenho. Criara simpatia por aquele estranho. E o estranho era amante de Lana.
 

“- Olha, isso aí é difícil de te dizer, cara! Ela já teve um porre de champagne, mas acho que curte um vinho sim!
- Putz, conheço alguém igual.”

 
Conheço alguém igual. – Bruno repetiu mentalmente.

- Aquele cara? Aquele cara é primo da Alexia? Você está me traindo com o primo da Alexia? – A voz dele era esganiçada, como se cada palavra doesse para sair. As pessoas que antes ignoravam os dois, passaram a olhá-los. – Quer dizer que esse tempo todo você e aquela mal educada da Alexia riam pelas minhas costas? – Lana balançava a cabeça em um não, desesperada.

- Bruno... Eu sinto muito. Os meus sentimentos não tiveram limites. O que fiz não tem perdão. Você nunca mereceu estar com alguém como eu. O meu egoísmo o magoaria e te destruiria.

Ela estava certa.

- Faz quanto tempo? – Ela não entendeu a pergunta. - Quanto tempo vocês todos riem da minha cara?

- Bruno...

- RESPONDE, LANA! 

- Uns 4 ou 5 meses.

Então a memória, sempre traidora, trouxe lembranças ao rapaz. As vezes que ligou para Lana e ouvia algo no fundo. Barulhos, respirações descompassadas, sussurros. Ele sempre buscava uma explicação para aquilo. Agora sabia.

Levantou a mão contra Lana, mas parou no ar. Não era disso.

Ele se levantou, de repente, jogou dinheiro no balcão e saiu. Lana foi atrás dele.

- Bruno, por favor. Me ouve!

- O QUE MAIS VOCÊ TEM PARA FALAR? – Gritou, já na saída do restaurante. – Você DESTRUIU a minha vida! Eu fui contra tudo para ficar com você. Fui contra meus pais, contra minha família e até amigos. Ninguém conseguia entender como nosso relacionamento rendia visto que você é uma pessoa completamente fria e distante. – Bruno colocou a mão no rosto, desesperado. Sentia ódio. Sentia dor. Sentia-se mal. – Deus do céu... Tudo nessa história é nojento.

- Bruno... Eu sei da Alexia. Sei que vocês transaram. – Bruno puxou Lana pela mão, a levando para longe das pessoas que assistiam a briga dos dois. Ele a jogou contra a porta de um açougue fechado, ao lado do estabelecimento que estavam. A dor fez Lana arfar.

- Ah, você sabe? – Ele perguntou, ameaçador. Segurou Lana pelo rosto, com agressividade. – E aí, você vai fazer o que? O que uma vagabunda falsa como você pode me dizer, hein?

- A Alexia está grávida de você.

Ele deu dois passos para trás, em choque. Depois negou com a cabeça. Para Bruno, aquilo não tinha sentido algum.

- Não.

- Bruno...

- Não! – Ele gritou.  – Ela não está grávida de mim! Nós transamos sim, mas gravidez, não.

- Ela está grávida, Bruno. Grávida de você. Por que eu inventaria isso?

- Eu não sei, Lana! Talvez para minimizar o que VOCÊ fez?

- Não, Bruno! Não é para minimizar. Se eu quisesse minimizar não falaria do que fiz! – Ele a jogou contra a mesma porta. – Bruno... Por favor...

- Tenho nojo de você, Lana! Nojo de você, da Alexia e de toda essa história. Se ela estiver mesmo grávida de mim eu espero de todo o coração que aborte. Se Deus realmente existe, o que eu duvido, espero que você, ela e esse bebê morram.

E ele saiu em seguida. Lana caiu no chão, aos prantos. As palavras de Bruno a feriram. Não pelo o que foi dito, mas pela força de suas palavras. Ela era a grande culpada daquilo tudo. Constantemente magoava Ander e agora fizera o mesmo com Bruno. Era uma bomba relógio. Tirou o celular do bolso e digitou uma mensagem para Ander.

“Estou indo para o hostel. Deu tudo errado.”
 

A reunião com minha prima e minha tia acabou sendo um tanto quanto emocionante. Não esperava de Eleanor uma reação que não fosse de amor e apoio.

“Mas o que você esperava, minha filha? Que eu fosse te bater? Te colocar pra fora? Tua avó fez isso comigo e eu até hoje não a perdoei. Como é que você sabendo disso acha que não terá meu apoio, Lexi?” – Nesse momento, minha prima se jogou nos braços da mãe, entre o alívio e as lágrimas. “Garota, para de chorar. Não importa o que o pai dessa criança vai te dizer. Você tem a mim, tem o Ander. Nós somos a sua família.”

No caminho para o hostel recebi a mensagem de Lana. Quando cheguei no nosso quarto, ela chorava, deitada no sofá. Me sentei ao lado dela, em silêncio e a abracei.

- Foi horrível. Ele disse coisas horríveis...

- Você contou da Lexi?

- Sim.

- No caminho para a casa da minha tia imaginei que ele teria essa reação.

- Lexi sabe que contei? – Balancei a cabeça em um não.

- Acho que você deveria falar isso com ela. – Lana concordou, deitando a cabeça em meu ombro. Entrelacei nossos dedos.

- E como foi lá?

- Minha tia a apoiou, como já esperado. Alexia está desesperada, nunca a vi chorar tanto.

- Eu imagino... Nunca foi o plano dela ser mãe.

- É... Acho que até em casos em que a mãe se planeja, muitas vezes falha, desiste. É triste imaginar uma mãe desistindo, mas acontece. Acredito que seja esse o medo real dela. Lexi não aceita falhar e não é de desistir. - Lana me olhou, curiosa com o significado das minhas palavras, mas não fez perguntas. – Enfim, o Bruno vai aceitar isso. Ele só precisa sentir.

- Sentir?

- Sim, Lana. Sentir. A dor tem que ser sentida.

Tamiris Vitória
Enviado por Tamiris Vitória em 02/02/2021
Reeditado em 19/01/2024
Código do texto: T7174888
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