Noite na mata

Num passeio pela mata, dois jovens se perderam. Andaram, andaram à busca de uma saída, ou de uma esperança ao menos e, pelo jeito, tiveram as preces parcialmente atendidas já bem no breu da noite: deram-se com uma choupana, habitada por uma velhinha enrugadinha, que os recebeu, com uma velinha à mão, aparentemente, com toda satisfação.

A miséria era braba, mas com a gentileza da acolhida, o mundo não mais se lhes desaba: num monte de palhas - sem espigas, bom que se diga - foram acomodados, e logo pros braços de Morfeu transportados...

Em meio à madrugada, depois da providencial descansada, a fome bateu, desapiadada. Os dois rapazes começaram em plena escuridão começaram a tatear tudo o que lhes chegasse ao alcance da mão, até as cinzas ainda quentes do arremedo de fogão...um caldeirão vazio, o pote, a cabaça, a peneira, a arca, e nada encontram, nada palpável...até que, dependurado num gancho, eureca! Um pedaço de toucinho defumado que, na avassaladora fome, pafo, é passado no papo...E na mais calada

da madrugada, dá no pé a cambada...

O dia amanhece, e a velhinha se desaponta quando das ausências se dá conta, pois justamente, de cestinho à mão ia colher umas frutas e ovos para um singelo, mas honesto e substancioso desjejum...

Mas seu maior espanto é quando constata, pasma, o desaparecimento da peça de toucinho, de onde sobrava e nu se despontava, só o ganchinho...e aí desesperada, brada:

- Quis moço mais malagradicido esses da cidade: nem se dispidiro e ainda levô meu toicim de aliviá os incomo nas minha morróia...

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 21/08/2020
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