“Causo de infância”
“Causo de infância”
Thaís Falleiros 20-08-14
Os mais novos contam a lenda de uma cidade pequena onde era possível brincar de rolimã nos seus morros e ruas do centro. Não existiam muitos carros, nem muitos tipos de veículos motorizados. Nessa cidade havia uma chácara, com muito verde e muitas árvores. E ela não ficava distante, não. Quase no centro, precisamente no bairro do Ribeirão.
Na chácara havia uma rua sem saída, com várias personagens esquisitas! Em cada casa pelo menos um filho, ou dois, três, quatro, cinco, seis, e devem perguntar vocês: “Como é possível tanto filho?” e a resposta é fácil, os vizinhos ajudavam a cuidar! Quando duas crianças brigavam na rua, os pais nunca se intrometiam, era mais fácil apanhar de novo em casa, do que o pai tirar satisfação com o outro! Havia respeito, camaradagem, e muita molecagem!
Na rua, a Dona Maria Mendonça era a bruxa. Sua casa fedia como nunca (talvez fosse porque ela não a limpava). Quando chamava alguma criança e dava um doce, nenhuma experimentava, de certo estaria estragado!
A outra Dona Maria era a dona do Papagaio. Papagaio Louro que repetia todas as piadas contadas! Ela era um tipo de vigia. Quando algo dava errado, ia logo contar com detalhes aos pais que nada sabiam.
O Nico era o que mais metia medo na criançada. Era gordo, bem careca, morava sozinho e sempre tinha ataques. Não sei dizer o que era, só sei que quando dava esses “piripaques” todo mundo se trancava em casa. Ele saia correndo, berrando e às vezes caia no chão e tremia feito um despertador quebrado. Certa vez, conta a lenda, que ele caiu no rio e de tão gordo que era, precisou de cinco homens para tirá-lo de lá.
Havia também a Dona Leonilda, italiana, dos olhos azuis e muito brava. Falava “palavrão” sem medir as palavras, mas fazia um tutu de feijão como ninguém até hoje faz!
Nessa rua, quantas brincadeiras! “Menino pega menina”, “esconde-esconde”, “pega-pega”, “corre cotia”, “beijo, abraço, aperto de mão”, “elástico”, “Corda”, “vôlei”, “mãe da rua” e muito mais.
Ao lado da rua havia a parte da chácara do seu Dino, um velho rabugento, dono de árvores de nozes! E todas as vezes que as brincadeiras eram com bola, era impossível não cair lá. E ele sempre reclamava quando as crianças tinham que ir pegar. A sorte é que sua esposa, a Dona Jacira, que usava uma peruca cinza bem esquisita, sempre dava um jeito de encobertar.
Do outro lado da rua, a Dona Antonietta, essa sou suspeita para falar! Estilo “Dona Benta” do “sítio do pica-pau amarelo” que sempre faz doces deliciosos. Na parte dela, dezenas de jabuticabeiras, e as crianças passavam horas e horas trepadas nas árvores, comendo jabuticabas no pé!
As crianças brincavam descalças na terra, pisavam no cocô do cachorro, colecionavam cigarras secas e tatu-bolas. Bebiam água da torneira, viviam sujas e não ficavam doentes com tanta facilidade! Eram muito felizes!
Os mais novos dizem que é lenda. Mas eu garanto, não é! Havia um tempo sem celulares, sem todas essas modernidades. E dessa história eu faço parte! Infância derradeira que me traz tanta saudade!