Capítulo 4 – Fugindo da festa na Zona Sul
Alguns anos depois...
- Caralho, Alexia! Te falei para não contar para a Lana sobre a minha vinda para cá!
“Eu sei! Ela fuçou o seu Facebook e viu o último post! Ela está na Zona Sul e vai chegar daqui a pouco.”
Antes que eu pudesse responde-la, o interfone da cozinha tocou.
- Eu vou desligar. Depois nós conversamos.
“Não fica brabo comigo, tá? Te amo!”
Respirei fundo, contei até 3 e atendi a chamada. Agora, curiosamente o meu estômago começava a doer.
- Boa noite, seu Diniz!
- Boa noite, Ander! Tem uma moça aqui na portaria que precisa falar com você. – Ah, é claro que ela precisa. – Moça, como é o seu nome?
Lana não. Lana não. Mariana, Alana, Juliana... Qualquer coisa.
- Não, moça! Ai que porcaria, ela entrou no elevador! Ela tem os cabelos cor de chocolate e um olhão verde bonito. O senhor a conhece ou preciso chamar a polícia?
- Infelizmente a conheço sim. Pode deixar que eu a recebo, senhor Diniz. Boa noite!
Eu tive vontade de não atendê-la? Tive. Pensei em simplesmente a deixar tocando a campainha até cansar? Sim, cara. Tive. Contrariando todos os meus reais desejos, vesti minha camiseta jogada no sofá da sala e fui em direção a porta. Segurei a maçaneta por algum tempo, esperei ela apertar a campainha duas vezes e abri a porta.
- Oi, Ander! – Ela sorriu, extremamente bêbada e apoiou a mão na parede para não cair.
Lá estava ela na minha frente. Maldita Lana Hassenback.
Continuava extremamente linda, cruel e segura de suas ações. Os olhos verdes oliva pousaram em mim com grande curiosidade, me olhando dos pés a cabeça e mantendo o mesmo sorriso bobo sem motivo algum. Ela ajeitou o vestido preto e se encostou a parede.
- Lana Hassenback... – Tentei ser agradável. - Como vai?
Sua mão suavemente tocou em minha cintura, diminuindo a distância entre nós. Estávamos perigosamente perto um do outro. Lana notou que não me movi e se afastou um pouco. O cheiro dela começava a mexer comigo, trazendo lembranças perturbadoras demais, mas por fora me mantive como uma pedra.
- Muito bem e você?
- Estou ótimo, só meio cansado por causa da viagem. Lana... – Eu sorri, com certo desconforto. Eu vou acabar com a Alexia! – O que faz aqui?
- Eu... – Vi quando ela levou a mão boca, meio enjoada. – Fiquei sabendo que você se mudou para cá e não tive como não vir. – Vi quando ela olhou para a própria mão e arregalou os olhos, mas tentou disfarçar. – Eu vou me casar... Você soube?
Ela perdeu a aliança e não sabe como dizer isso. Hilário!
- Minha prima me falou. Fico feliz por você. – Ela então respirou fundo, tentando controlar os efeitos do álcool em seu corpo. – Lana, olha... Eu vim para cá a trabalho. Não quero que a minha presença aqui te cause nada.
- E por que me causaria algo? – A pergunta não foi feita com rispidez, na verdade, era desafiadora.
- Não sei. – Dei de ombros. – Só pensei alto.
- Alexia estava certa. Você está diferente.
- É, acho que sim.
Ela engoliu seco e oco, como quem segurava um enjoo.
- Você está mesmo bem?
- Um pouco enjoada.
- Vou pegar água para você. Espera aí!
Eu não queria que ela entrasse na minha casa. Algo me dizia que Lana e eu sozinhos em casa não resultaria em coisa boa, mas também não tive como barrar a sua entrada. Peguei uma garrafa de água e voltei rapidamente.
Lana sentada no sofá com a cabeça pro alto e parecendo estar completamente em outro universo foi umas cenas mais bizarras que vi na vida. E nem nos meus piores pesadelos imaginei que isso seria capaz de me acontecer um dia.
- O que você tomou, Lana? – Perguntei, entregando a garrafa de água já aberta. Fechei a porta do apartamento e me sentei ao seu lado.
Ela bebeu toda a água em menos de 1 minuto.
- Quase duas garrafas de Champagne. – Respondeu, limpando os lábios e depois me entregou a garrafa. – Não comi direito e com certeza o álcool subiu bem rápido.
O nosso silêncio deu espaço para um repentino trovão. Fui em direção a janela. Ventava muito forte, e ameaçava chuva. Passei a mão no rosto, aflito. Ela tem medo de chuva. Não vou conseguir mandá-la embora.
- Lana. – Voltei para o sofá e Lana olhava para o teto. – Pode ficar aqui hoje. Eu sei que...
- Que vai chover e eu tenho medo de chuva.
Nossos olhares se encontraram. Ela sorriu, tranquilamente. Não fazia nem 1 hora que estávamos juntos e havia tanta certeza em seu olhar. Era assustador.
- Sim. Você pode dormir na minha cama, eu fico aqui na sala. Preciso terminar alguns relatórios.
- Tem certeza?
- Tenho! Vou pegar uma coberta pra mim. – Levantei, meio nervoso e segui em direção ao meu quarto.
- Ander. - Parei no meio do caminho.
- Oi, Lana.
- Você está nervoso com a minha presença?
- Acho que a palavra “desconfortável” se encaixa melhor na frase.
- Percebi. Posso tomar um banho?
- Pode, claro. É só ir até a última porta desse corredor aqui. – Apontei rapidamente. Lana se levantou com algum esforço e foi para o banheiro. – Tem toalha no banheiro.
- Tá bom!
Assim que ouvi a porta sendo batida escondi o rosto entre as mãos, angustiado. Não devia ter convidado ela para ficar. Tem tanto meio de transporte nesse inferno de cidade! Por que resolvi usar toda a educação que minha tia me deu com uma pessoa que me magoou não apenas uma, mas DUAS vezes?
Tentei voltar ao trabalho, mas parecia impossível se conectar a qualquer coisa que não fosse Lana Hassenback tomando banho na minha casa. Levantei, um tanto incerto e segui até a porta do banheiro.
- Lana?
Não houve resposta.
- Lana? Está tudo bem?
O único som possível de ser ouvido era o do chuveiro ligado.
Abri a porta e encontrei Lana dormindo no chão. Peguei a tolha do armário e enrolei no seu corpo.
- Ah, cara! Fala sério! – Ela abriu um olho, depois o outro e respirou fundo, parecendo extremamente exausta. – Você dormiu no banho, olha que perigo!
- Dormi não...
Entramos no quarto e a deitei na minha cama. Nesse momento, confesso, foi difícil pensar com a razão e não com a emoção. Ali, deitada com os cabelos molhados, Lana parecia uma obra renascentista feita com toda perfeição e detalhe possível. Tudo se encaixava, tudo era belo e tudo, infelizmente, ainda me encantava.
- Ander...
- Oi, Lana.
- Você me odeia?
- Não. – Respondi, sustentando o seu olhar curioso. – Eu não te odeio. Só queria evitar tudo isso. Acho que não fará bem para nenhum dos dois.
Ela balançou a cabeça, assentindo e se virou de lado.
- Eu vou te secar... – Avisei mais para mim do que para ela. Comecei o processo lentamente e ao terminar, fui em busca de uma camiseta para ela.
- Uhum... – Ela respondeu, com muito esforço. Eu a puxei pela cintura, mas Lana não conseguia manter o corpo firme.
- Meu Deus, Hassenback! Me ajuda aí!
- Não consigo.
Ergui seus braços e me peguei olhando para o escorpião em sua cintura. Aquela tatuagem me trazia lembranças de um passado não tão distante. Quando vesti a camiseta, ela caiu na cama novamente.
- Você precisou ficar bêbada para conseguir vir até aqui? – Perguntei, colocando a mão em sua perna.
- Sim. – Respondeu, se ajeitando nas cobertas.
- Lana, nós dois não devemos nos reaproximar. Acho que é de comum acordo que não damos certo. – Desembestei a falar sobre nosso passado e de como não nos acertávamos pelo orgulho dela. Quando a olhei, Lana dormia tranquilamente. – Ótima conversa, Lana Hassenback! Devíamos repetir mais vezes.
Sai do quarto e encostei a porta para ela dormir tranquilamente. Por dentro todo o meu zelo e preocupação me faziam ter certeza do quanto era necessário ficar longe dela. Eu sei o que sinto, mas é bizarro como isso fica facilmente exposto com ela por perto. Me sinto vulnerável.
Li e reli o documento que me enviaram do escritório umas duas ou três vezes e não consegui entender uma linha, mas me esforcei para tentar. Algum tempo depois esqueci da visita ilustre em meu quarto e consegui me concentrar no trabalho.
- Ander... – Assustado, nem percebi quando Lana sentou ao meu lado no sofá e deitou a cabeça em meu ombro. – Acordei com o barulho da chuva. Posso ficar aqui? – Ela me olhou bem de perto, depois encostou o nariz em minha bochecha, descendo caminho até meu pescoço.
- Pode.
Senti a mão dela em minha cintura, me apertando levemente até que deixei os papéis de lado e a agarrei no sofá, correspondendo ao seu toque. Ela beijou meu rosto, ansiosa e disposta a ir até o fim. Nossos lábios chegaram a se tocar, mas me virei, a evitando.
- Não faz isso. – Sussurrei, em seu ouvido. – Por favor, eu te imploro.
- Desculpe.
Ela se afastou, lentamente. Parecia envergonhada com sua atitude, mas não se apegou ao constrangimento, afinal, ainda era Lana Hassenback.
- Trabalhando até essas horas? – Perguntou, tomando uma distância segura de mim.
- É. Eu vim para cá com algumas pendências.
- Por quanto tempo ficará aqui?
- Creio que não volto a morar no Rio de Janeiro.
Ela suspirou, mas foi difícil de entender o que aquilo significava. Eu a olhei de lado, mas desviei o olhar assim que fui correspondido.
- Ander.
- Hum?
- Dorme comigo?
Engasguei com meu próprio ar, fazendo-a rir alto.
- A sua cama é enorme. Nós só vamos dormir. – Frisou, me olhando fixamente.
- Interessante você frisar isso.
- Por que?
- Porque você fala como se eu não soubesse que vamos somente dormir.
Lana abriu a boca duas vezes, tentando revidar, mas ficou em silêncio. Eu segurei a mão dela e apertei seus dedos contra os meus, carinhosamente.
- Eu vou tomar banho e te encontro daqui a pouco.
- Tudo bem.
Vi quando se levantou para tentar conter seu sorriso e voltou para o quarto. Olhei para o meu notebook e todos os meus arquivos de trabalho sem vontade alguma de continuar.
- Se não pode contra, junte-se a ela.
Segui para o banheiro, tomei um banho rápido e retornei para o meu quarto. Vê-la ali deitada na minha cama com seus longos cabelos cor de chocolate, me olhando com uma inegável expectativa me causou um tremor que há anos não sentia. E acreditei que não sentiria nunca mais.
Me deitei, tomando algum cuidado para não deixar que o contato dos nossos corpos tornasse o momento mais confuso.
- Boa noite. – Murmurei, me ajeitando em uma das cobertas na cama. Estava prestes a desligar a luz do abajur, quando Lana me segurou pela cintura. – O que foi?
- Não desliga... Vamos conversar um pouco. – Ela olhou para a janela. – Ainda está chovendo. - Balancei a cabeça, concordando. – Eu estou sem sono e...
A pergunta veio de uma vez só, sem o mínimo de gentileza.
- Como é estar se preparando para um casamento, Lana?
Ela ficou em silêncio por alguns minutos, o rosto ficou pálido e o desconforto era quase palpável. Me sentei, deleitando daquele momento único.
- É bom.
Sua resposta saiu bem baixa, quase impossível de ser ouvida. Resolvi continuar com o meu arriscado jogo.
- Não é como estar num namoro ou noivado. É um casamento, dividir uma vida e tudo mais...
- Eu estou feliz com o casamento, Ander. É diferente mesmo. Eu e o Bruno temos muita coisa em comum. – Me esforcei para não revirar os olhos. Respostas prontas e clichês.
- Eu fico feliz por você, Lana. Você merece isso.
- Você acha? – A devolutiva me pegou de surpresa. Franzi o cenho, confuso. – Você acha mesmo que mereço ser feliz?
- Sempre achei. Independente da nossa história. - Ela respirou fundo, mas não falou nada. Acho que aceitou que minhas palavras eram sinceras. – Eu não poderia estar mais feliz, Lana.
- E você?
- Eu o que?
- Está namorando?
- Não. Eu nunca namorei sério com ninguém... – Ela balançou a cabeça e deu um sorrisinho, meio irônica. Entendi a cutucada, mas me fiz de desentendido. – O que foi?
- Nada. – E deu de ombros. – Continue.
- Não tenho tempo para isso. E estou bem assim, sozinho. Acho que estar sozinho é a melhor coisa para uma pessoa como eu.
- Por que?
Eu a olhei, em silêncio. Não queria responder o óbvio, mas também não queria acabar o assunto. Lana pareceu ter entendido as minhas expressões e sentou-se na cama, tensa.
- Não sei te responder. Eu só acho que estou melhor assim.
- Eu entendo. - Me deitei novamente, sabendo que ela me olhava fixamente. – Desculpe, você deve estar me achando uma chata com esse monte de perguntas.
- Ao contrário... A Lana que eu conheci falava pouco, o falante era eu.
- Está tudo ao contrário.
- Sim.
Lana se deitou também, mas jogou a sua coberta por cima de mim, como se dissesse que não tinha problema se nossos corpos se tocassem. Tínhamos ali somente o retrato de duas pessoas que foram algo no passado.
Dormi primeiro. Não sei como consegui com a presença dela. Tudo parecia estar dentro do esperado, até que no meio da madrugada senti Lana me abraçando. Abri os olhos, assustado e mirando o teto. Os cabelos dela caíram no meu rosto, tapando os meus olhos.
- Lana? – Não houve resposta. Joguei os cabelos dela de lado e tentei me afastar, mas fui impedido. Primeiro veio um beijo no pescoço, bem lento, sensual e totalmente provocante. – Por favor, não...
O beijo tomou caminho pela minha bochecha e não tive como impedir o encontro dos nossos lábios. Eu sempre soube dos meus sentimentos por ela. Nunca tive dúvida do quanto a amo e como vou amá-la pelo resto da minha vida. O problema da nossa história é que Lana nunca soube exatamente o que sente por mim ou até mesmo o que quer de nós dois.
O beijo tornou-se muito intenso. Era uma coisa que não dava pra explicar de forma lúcida. Era selvagem, mas tinha sentimento mútuo. E como é que ser mútuo se ela não me ama?
Segurei minhas mãos nos lençóis, para não sentir suas curvas, mas ela me forçou a tocá-la. Segurei sua cintura, subindo caminho até seus seios. Nesse momento ela soltou um gemido no meu ouvido que me fez acordar para a nossa realidade. Empurrei Lana para o lado, desesperado.
Saltei da cama, trêmulo e escondi a mão no rosto.
- Ander...
- Você não tem esse direito! – Bradei, agora de pé. – Você vai se casar!
- Não preciso que você me diga algo que já sei. – A resposta veio entredentes.
- E se você sabe, por qual motivo está fazendo isso?
- Me parece meio óbvio, não?
- Óbvio? Você acha que é óbvio o que aconteceu aqui, Lana?
- Sim, Ander! Ou vamos fingir que isso aqui foi só uma coisa, entre várias coisas que já aconteceram conosco? Eu tenho mesmo que fingir?
- Pensei que fosse esse o seu talento.
A resposta a pegou de surpresa, o que fez com que se calasse. Lana levantou, veio em minha direção e parou bem a minha frente. Abriu a boca duas vezes, provavelmente para responder à altura, mas não conseguiu. Ela saiu do quarto em silêncio e foi para a cozinha.
Esperei alguns minutos e fui atrás dela. Lana, encostada na pia bebia um copo de água em goles gradativos. Provavelmente, para se acalmar.
- É, você tem razão. – Murmurou, colocando o copo na pia. - É exatamente esse o meu talento... Fingir.
O tom de sua voz me impediu de dar continuidade à discussão. Era um tom absoluto e sombrio.
Quando retornou ao quarto, ela deitou de costas, adormecendo logo em seguida. Havia um imenso abismo que nos afastava e isso nunca teria fim.