ERA UMA VEZ... (II CAPÍTULO)

A vida tem segredos e mistérios que, por vezes, escapam ao entendimento comum. Como pode uma mãe desistir do filho recém nascido ao perceber que é um menino? Por incrível que pareça, coisas assim acontecem. Desistir do filho é, as vezes, um ato de Amor, mesmo que se nos afigure contraditório.

Mas, se pensarmos que é melhor entregar o filho para alguém responsável criar, do que vê-lo morrer, faz todo sentido!

Alguém responsável que desiste da "liberdade" de poder ir e vir, sem que ninguém precise da sua presença constante.

Quem faria uma escolha dessas?

Inaiê fez.

E por escolher essa responsabilidade, ela se torna uma avó que, apesar de nunca haver gerado filhos, ganha muitos netos.

Mas... quem é Inaiê?

Uma mulher indigena que foi expulsa da sua tribo, por haver se apaixonado por um rapaz tido como traidor da própria raça.

Após a morte prematura do seu amado, Inaiê resolve fazer valer sua escolha e se torna membro da administração da tribo de mestiços que o acolheu.

Anos depois, com a morte do casique, Inaiê assume o posto de administradora e provedora de um orfanato que acolhe pequeninos renegados pelas próprias mães.

Esse Orfanato está situado num local mágico, conhecido como Vali Oãs Cricosfan, a meio caminho de Pasárgada, não constando pois, em nenhum mapa conhecido.

As manhãs de verão são sempre lindas, mas em Vali Oãs Cricosfan, são sempre deslumbrantes.

Às margens do Rio Abapiar, ergue-se, singelo e acolhedor, o Orfanato São Germano. Um prédio composto de dois andares, pintado de branco, com portas e janelas azuis. Na frente do edificio estende-se um jardim onde florescem as mais belas flores. Desde a simples bonina ao luxuoso antúrio.

Quase todos os dias, após a refeição matinal, uma senhorinha de feições tranquilas, sorriso franco e uma voz encantadora, desce as escadarias e caminha até a sombra de um frondoso ingazeiro, muito próximo ao rio. Chegando lá, se senta em uma banqueta acolchoada e põe-se a tecer, cuidadosamente, um tapete colorido, uma das fontes de renda do orfanato!

Longe de todas as pessoas da antiga comunidade, essa senhorinha administra o Orfanato onde meia duzia de crianças usufruem de educação e carinho, além da mantença de suas necessidades básicas.

Hoje, um ruído alegre, repleto de sons diferentes, inunda o espaço às margens do rio. Igual aves barulhentas, numa revoada festiva, as crianças cercam a tecelã.

Um garotinho sardento, de cabelos cor do por-do-sol se aproxima, e olha a senhora, sorrindo. É Rafael, o mais serelepe da turma.

_____Conta uma história vovó, conta. Conta aquela, sobre a fundação de Vali Oãs Cricosfan. Conta tudo...

Inaiê olha para seu jovem interlocutor.

______ É uma longa história, Rafael! Tem certeza que quer ouvir ? E os seus amiguinhos, também querem ouvi-la?

Todas as crianças acenam com a cabeça, afirmativamente. Rafael responde contente.

______Claro que queremos vovó! É muito interessante!

As crianças riem contentes, na expectativa de ouvir sua contadora de histórias favorita, contando como aquele pedacinho do Paraíso nasceu. E a vovó começa a narrativa épica da história de Vali Oãs Cricosfan.

_______ Era uma vez um garoto que nasceu numa fazenda por nome Adaf Anhirdam. Seus pais, Manoel Plácido e Palmira, ainda noivos, viajaram para conhecer uma extensa faixa de terra, às margens do grande Rio Abapiar. Queriam, antes de se casar, construir um lar aconchegante e próspero, quem sabe numa pequena fazenda. Era projeto dos dois viverem em um lugar onde seus filhos pudessem nascer, crescer e viver felizes, em liberdade! A terra era fértil e bonita, mais parecendo um vale encantado, escondida entre as serras Atnas Atram e Atnas Airam, encravada no Vale de Oãs Olgonça, às margens do majestoso Rio Apabiar, no estado de Saagola, no país Lasbri. Foi ali que nasceu o menino, o terceiro filho do casal, ao qual deram o nome de Benjamim.

Rafael parece querer saber mais detalhes da história.

______Vovó, a história de Vali Oãs Cricosfan é a história de Benjamim?

Pacientemente a vovó responde. Depois continua narrando.

_______E de muitas outras pessoas. Mas, retornando... Benjamim tinha dois irmãos mais velhos, um menino, por nome Gerôncio e uma menina, por nome Celeste. O garoto, segundo seus pais, era muito diferente dos irmãos, visto que enquanto o irmão mais velho gostava de trabalhar no armazém, ajudando o pai e a menina brincava o dia inteiro, se enfeitando e enfeitando suas bonecas, ele, o caçula, desde cedo, desenvolveu um grande amor por livros, plantas e animais, com os quais passava as melhores horas do dia!

Especialmente interessado na narrativa da vovó, Rafael sorri satisfeito.

_______Benjamim é dos meus. Só não gosto de fazer isso o tempo todo!

Dessa feita a senhorinha não se detém para prestar atenção ao comentário do garoto. Continua a tecer sua manta e contar a história de Vali Oãs Cricosfan.

______A fazenda foi se transformando, ao longo dos anos. Primeiro, foi pouso temporário e depois morada fixa de vários trabalhadores. E assim, Adaf Anhirdam, foi crescendo e se desenvolvendo, ao ponto de ser considerada uma Vila. Ao ser elevada a categoria de Vila recebeu o nome de Vali Oãs Cricosfan. Na época, contava com uma capelinha, onde os moradores se reuniam todos os dias, pela manhã e a tarde, para agradecer pelo dia que começava e findava. E aos domingos, para assistir a Santa Missa.

Um pequeno, mas organizado Grupo Escolar, que também servia de Centro Comunitário para reuniões. Uma padaria e confeitaria. A Pousada Beija-flor... a antiga construção que funcionava como Casa de Pouso, onde os viajantes de passagem pela vila, pernoitavam. E uma pequena Farmácia-Primeiros Socorros.

Certo domingo, ao soar a segunda chamada para a missa, os habitantes da pequena vila escutaram um barulho estranho e correram para verificar sua origem. Um helicóptero voava muito baixo, envolto numa nuvem de fumaça. Em questão de segundos, chocou-se com uma das serras que ladeavam a vila. Caiu com grande barulho, incendiando-se em seguida. A perícia chegou ao local, constatando que as duas pessoas que viajavam na aeronave estavam carbonizadas.

Depois de um certo tempo, apareceu, na vila, uma menina que dizia não lembrar seu nome, de onde vinha e nem quem era sua família.

Era magrinha e sardenta. Os olhos cor de mel, muito grandes, pareciam os olhos de um animalzinho assustado. Seus cabelos avermelhados e crespos, davam ao seu rosto uma aparência irreal. A pequena criatura aparentava ter a idade de Benjamim, seis ou sete anos, no máximo.

Pedia esmolas e vez por outra praticava pequenos furtos no armazém dos pais de Benjamim. Foi daí que, a pedido de dona Palmira, mãe de Benjamim, a menina foi acolhida por dona Manuelita, uma senhorinha rechonchuda e muito simpática, dona e administradora da Pousada Beija-flor. A única coisa que se sabia da menina é que vivera nos "canaviais do Sul", cortando cana. Daí, resolveram chamá-la Sulina. O nome pegou.

Quanto a Benjamim, cresceu e foi mandado para a capital do Estado, para continuar seus estudos, tendo em vista que na vila, fora sua próprio mãe, dona Palmaria, quem alfabetizara seus filhos e os filhos dos moradores.

Na época Sulina já era o braço direito de dona Manuelita, cuidando com esmero da Pousada Beija-flor. Dividindo o trabalho com Coralia, a neta de dona Manuelita.

A vovó pára de contar a história, deixando as crianças inquietas. Sarah não se contém.

______... e?

Petrônio fica sem entender a pergunta da menina.

______E o quê?

Sarah explica.

______Acabou?

Rafael ri e responde a pergunta da colequinha.

______Claro que não sua tonta. Não acabou não, não é vovó?

A artesã sorri.

______Não, mas já é hora de voltarmos para casa. Garanto que a Mariana nos preparou um delicioso almoço. Além do mais... não dá pra contar toda a história de Vali Oãs Cricofan, em uma manhã apenas. Já falei que é uma longa história.

Sarah propõe uma estratégia para não ficar sem ouvir a história que acha muito interessante.

______Podemos combinar vir todas as manhãs, com a senhora. Aí, enquanto tece sua manta, aproveita para nos contar sobre Vali Oãs Cricofan e seus habitantes.

Miguel, que também adora ouvir as histórias da artesã, aplaude satisfeito.

______Boa ideia! O que a senhora acha vovó?

______Por mim, tudo bem. Contanto que não seja todos os dias e sim, todas as manhãs de sábado, certo?

Sarah se levanta e rodopia contente.

______Ebaaaa... bom, agora vamos para casa. Vamos ajudar a vovó com seus objetos!

O restante do dia transcorre de forma costumeira. Cada criança cuida das tarefas sob sua responsabilidade. Ali, no Abrigo São Germano, todos são tratados com muito carinho e respeito pela Vovó Inaiê, e fazendo parte desse respeito, existe a responsabilidade pelas tarefas rotineiras de uma familia, designadas pela vovó, com a finalidade de que eles as desempenhem com cuidadoso carinho.

São crianças renegadas pelas mães, mulheres guerreiras de uma tribo governada por uma matriarca muito severa.

Nessa comunidade só a presença feminina era permitida. Quando nascia um menino, era lei ser sacrificado para purificar a tribo, posto que, gerar um menino, para elas, era castigo dos deuses.

As mães das crianças do Orfanato São Germano não tiveram coragem para matá-los, ao nascer, e, secretamente, os entregaram a Inaiê. Cada criança é portadora de algum tipo de deficiência, e nenhuma pessoa da tribo a qual elas pertenciam, aceitaram que elas fizessem parte da comunidade.

São cinco meninos e uma menina. Algumas pessoas estranham essa particularidade mas Inaiê explica, Sarah é gêmea de Gabriel, portanto não poderia ser criada pela mãe. Sendo irmã gêmea de um menino, na tribo, soava como um defeito. Em razão disso, ambos foram rejeitados.

OBS: ainda não finalizado, sempre em constante re-construção...

Adda nari Sussuarana
Enviado por Adda nari Sussuarana em 30/10/2019
Reeditado em 09/07/2021
Código do texto: T6783396
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