O assassino


Leo acordou naquele dia com o toque insistente do seu celular. Tateou o criado-mudo, atrás do aparelho e olhou a tela. Sua cabeça ainda explodia tamanha a dor por causa da bebedeira da outra noite. Era Lana, a mãe de Renan.

- Oi tia!

“Leonardo, será que você pode me dizer o que está acontecendo?”

- Como assim?

“Não falo com o Renan há dias e recebi uma mensagem da Marine dizendo que viajou para Brasília para resolver uma coisa do passado!”

A resposta de Lana foi mais do que suficiente para ele saltar da cama, tenso.

- Tia, eu...

“ABRE A PORTA DA SUA CASA, MENINO! ESTOU AQUI NA FRENTE E MUITO IRRITADA, POR SINAL!”

Ele afastou o aparelho e ouviu com clareza a mãe de seu melhor amigo reclamar do frio da manhã paulistana. Se vestiu rapidamente e correu para abrir a porta.

- Você vai me explicar o que está acontecendo ou terei que chamar a polícia para me ajudar com o meu filho e minha sobrinha?

- Eu vou te explicar tudo, tia. Entra!

A conversa durou cerca de 2 horas. Leo contou tudo a Lana, desde o namoro com Cristina até a briga com Marine. A reação da mulher foi da surpresa ao desespero.

- Bom, ao menos o Renan está bem. Sempre gostei daquela menina, Missaire.

- Ela é ótima.

Lana sentou a mesa e tomou um pouco do café que fora oferecido por Leo. Sua expressão era reflexiva.

- Tia... Eu sei que você está um tanto quanto chateada, mas tenta ent...

- Não estou chateada. – Interrompeu a mulher mais velha. – No dia que vocês foram para o interior eu estranhei o jeito que a Marine se comportou. Era como se tivesse sendo obrigada a namorar o Renan. Eu conheço aquela menina, Leo. O que ela não fala, os olhos falam por ela. Provavelmente essa menina, a ex-namorada veio até São Paulo para falar sobre o assassino da irmã dela.

- Sim, eu também acho. Eu fiquei descontrolado, descontei na bebida e também nela. Marine queria me falar sobre isso, provavelmente.

- Você está apaixonado por ela, Leo?

A pergunta de Lana o pegou desprevenido. Lembrou vagamente da primeira vez que viu Marine, ainda criança. Era uma menina muito calada, daquelas que preferiam histórias, desenhos e fantasias do que a vida de verdade. Ele era diferente, fora criado para desde pequeno saber a realidade. Na fase adulta, Marine se tornara uma mulher linda e muito mais forte do que aparentava. Ele queria protege-la de todo o mal do mundo, mas sabia que ela não precisava de sua proteção. Já Leo, adulto, era uma vítima dos seus próprios sentimentos. Marine lutava bravamente para fazê-lo admitir o que sentia. Ela era muito mais guerreira que ele, mas também era de carne e osso e tinha cansado de lutar.

- Sim, tia. Eu estou apaixonado por ela.

- Aproveite enquanto você é jovem e tem tempo para dizer o que sente, Leo. Às vezes pode ser muito tarde. – Lana segurou a mão do rapaz. – Amei o pai da Marine desde a primeira vez que eu o vi, mas minha irmã também se apaixonou por ele. Deixei meus sentimentos de lado para ver minha irmã feliz, pois desde muito cedo ela sofrera coisas terríveis. Não me arrependo da minha escolha, mas as vezes penso como teria sido se eu tivesse ficado ao lado dele. E isso dói. Você pensar no que poderia ter sido dói demais.

Leo balançou a cabeça, assentindo. Se ele não dissesse a Marine tudo o que sentia, perderia ela para sempre. Não poderia deixar que sua dificuldade em admitir seus sentimentos o fizesse perde-la para sempre.

Ele saltou da cadeira, ansioso. Não perderia Marine. Tomou rumo ao seu quarto, totalmente determinado.

- Para onde você vai, menino?

- Para Brasília, tia. Eu não vou deixar a Marine partir da minha vida assim.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.


(...)


Envergonhado, Renan ouvia o longo discurso da mãe sobre todas as suas atitudes nos últimos tempos. Missaire, ao lado dele, controlava-se para não rir. Ele a olhou de canto e revirou os olhos, mas acabou sorrindo, meio apaixonado.

- Você precisa parar de ser um pouco egoísta e olhar as coisas ao seu redor, Renan. – A mulher segurou o rosto do filho. – E essa barba malfeita?

- Eu falei para ele, mas quem disse que me ouviu? – Renan cerrou os olhos para Missaire, que mandou um beijo no ar.

- Eu vou fazer, mãe.

- Eu quero que você peça desculpas a sua prima e ao Leo assim que eles voltarem de Brasília.

- O que eles fazem em Brasília? – Perguntou Leo, confuso.

- Sua prima precisou resolver um problema do passado e Leo foi atrás dela. – Lana olhou para a sala. – Meu Deus, minha casa está uma bagunça!

- Mas mãe...

Lana o ignorou e foi até a cozinha buscar uma vassoura. Missaire olhou para Renan, preocupada.

- Eu acho que a Marine foi descobrir o verdadeiro assassino da irmã gêmea dela.

- Ela é maluca de ir sozinha? – Renan perguntou, irritado. – Que merda, cara! E nós estamos aqui sem poder ajudar. - Missaire abraçou o rapaz, carinhosamente. – O que foi?

- Estou feliz com a pessoa que você está se tornando.

- Muito dela se deve a você. – E a beijou, levemente. – Obrigado por toda a paciência que você comigo nesses dias. Sei que tenho muito a resolver com o Leo e a Marine, mas só esse começo já é muito importante.

- Eu estarei aqui para te ajudar.

Os dois foram interrompidos por uma voz chamando por Renan. Ele se levantou na mesma hora. Ao abrir a porta, viu que era Cristina. Visivelmente abatida, ela chorava copiosamente tentando, de alguma forma, afetar o ex-namorado.

- O que faz aqui?

- Nós precisamos conversar, Renan!

- Não precisamos não, Cristina.

Quando ouviu o conhecido nome feminino, Missaire saltou do sofá na mesma hora e foi para o lado de Renan. O encontro visual das duas foi cheio de nostalgia, rivalidade e mágoa.

- Missaire? Que palhaçada é essa?

- E aí, Cristina! Queria dizer que é bom te ver, mas minha mãe não me ensinou a ser mentirosa. Você não deve saber o que é isso, né?

- Me poupe, minha filha! De que buraco você saiu? Isso é coisa do Leonardo, no mínimo.

- Repito a pergunta anterior, Cris. – Renan falou, chamando a atenção da ex-namorada. - O que você quer?

- Eu quero conversar com você, Renan. Nós temos uma história. Você não pode deixar as coisas acabarem assim!

- Eu não preciso conversar nada. Você é mentirosa, prepotente e safada! Me enganou por muito tempo, mas não enganará mais. – Renan segurou a mão de Missaire. – Se você tem um pouco de respeito por mim e pelo o que vivemos, vai embora e não volte nunca mais!

Derrotada, Cristina resolveu atacar o outro lado do novo relacionamento.

- Você é burra, Missaire! Acha mesmo que ele está com você por amor?

- Cala a boca, Cristina! – Exclamou Renan.

Missaire passou por Renan e parou na frente de Cristina. Ela jogou os longos cabelos cacheados para o lado, tranquila e sussurrou no ouvido da outra.

- Lembra o que você me disse quando descobri sobre vocês dois? – As duas trocaram olhares. Cristina não respondeu. – Bom, eu lembro. “Você perdeu, Missaire. Ele é meu.” Agora é a minha vez, Cris...Você perdeu, vaca! Ele é meu!

Se uma expressão pudesse matar, essa era a de Cristina. Missaire se virou - recebendo um olhar apaixonado de Renan - e jogou os cabelos cacheados no rosto da outra. Enfim, tinha se vingado.

- Vaza, Cris!

E ela saiu, furiosa. Renan a acompanhou com o olhar, mas pela primeira vez desde que a conhecera, não teve vontade de ir atrás dela. Tinha se curado de Cristina graças a ajuda de Missaire e não tinha a menor pretensão de decepcioná-la novamente.

.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.

(...)

- Nossa, mas você ficou muito da bruta desde que foi morar em São Paulo! - Reclamou Leah, massageando a bochecha que levara um tapa de Marine. – Sério!

- Eu já te disse que não vou voltar com você! Viemos juntas para Brasília como amigas e só!

As duas se acomodaram nos bancos vazios do ônibus 33-C, rumo ao antigo bairro que Marine morou com os pais. Cheia de lembranças, não conseguiu conter as lágrimas, mas foi prontamente acolhida por Leah.

- Leah...

- Oi?

- Se eu morrer hoje, diga ao Leo que o amo muito.

- Você não vai morrer, para de ser boba!

- Vir para cá me dói demais, sabe? Eu lembro de tudo.

- Eu imagino.

Quando chegaram, o vazio da casa atingiu Marine como uma facada. O imóvel estava a venda desde a época que o pai se mudou para outro bairro, mas com todas as tragédias que acometiam aquele lugar, ninguém se interessava em comprar.

- Você o encontrou aqui? - Perguntou Marine. Leah assentiu. – E onde ele mora?

- Eu não sei, mas não deve ser longe. Ele sempre aparece pela manhã ou bem a noite.

Marine observou mais uma vez seu antigo lar e pôde ver a si mesma correndo ao lado de sua irmã, ambas muito pequenas. Eram crianças felizes, com todo o amor e a alegria da idade. A mãe era feliz, o pai, ainda mais. Tudo se ligava.

- Vamos visitar o cemitério em que meus pais foram enterrados.

(...)

A visita ao cemitério fora cheia de memórias e lágrimas. Leah apenas a abraçou, deixando-a chorar tudo o que não chorou desde sua partida.

Ela se ajoelhou próximo à lápide de Mariana, trêmula.

- Oi Mari... Me desculpa não ter vindo aqui. Eu não sabia se teria condições psicológicas para isso. Agora me sinto pronta para conversarmos... Infelizmente não como eu gostaria, pois te levaram muito cedo. Ainda me lembro de nós duas brincando pela nossa antiga casa. Você era mais agitada do que eu, até mais falante. – Ela deu uma pausa, lembrando-se de como amava a irmã gêmea. – Tudo parecia eterno, lembra? Eu te amo muito minha irmã, me perdoe por não conseguir salvá-la naquela noite. Descanse em paz.

Deixou algumas rosas brancas para a irmã e seguiu para o lado, onde o corpo do pai fora enterrado. Ajeitou as flores que foram deixadas e colocou novas.

- Oi pai... Você não cumpriu a sua promessa de nunca me deixar, mas eu o entendo e sei que por onde estiver, está olhando por mim. Olha, não tem sido fácil, de verdade, mas é uma luta gratificante. Eu estou conseguindo, juro, mas não tem um dia que seu abraço não me faça falta. Tem hora que dá vontade de largar tudo, mas passa, porque sei que sou muito capaz de vencer. Eu te amo pai, te amo muito. Obrigada por não ter desistido de mim. Eu também não desistirei de mim.

Passou ao lado do túmulo da mãe, deixou uma rosa para ela, mas não disse nada. Não havia o que ser dito.

- Vamos, Leah.

Elas andaram alguns passos, mas foram interrompidas por uma voz suavemente macabra.

- Tão cedo?

Quem se virou primeiro foi a garota ruiva, reconhecendo o dono da voz de imediato. Era um homem careca em idade avançado, mas com suas expressões faciais totalmente lúcidas. Tinha olhos castanhos e pequenos, usava óculos e tinha uma postura gélida. Leah abraçou Marine pela cintura. De repente o vento de Brasília fez as duas garotas sentirem muito frio.

- Como você adulta lembra a sua mãe...

- Quem é você? – Perguntou Marine, confusa.

- Muito prazer, Marine. Meu nome é Francisco!

As memórias vieram aos poucos. Primeiro ela lembrou de seu antigo vizinho, um homem muito estranho que não tinha família e sempre olhava com muito interesse para ela e sua irmã. Depois, lembrou-se de uma figura fantasmagórica tapando a sua boca com violência, até fazê-la desmaiar. Aquela figura agora tinha uma forma.

Era o assassino de Mariana Fleming.

Tamiris Vitória
Enviado por Tamiris Vitória em 08/09/2019
Reeditado em 09/06/2022
Código do texto: T6739946
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2019. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.