Vulgus, virus e pelagus

Sou do tempo do latim, ainda ensinado em sala de aula. E preciso o ano, até: 1964, enquanto cursava a terceira série ginasial. E eu era o número 23 da chamada, de uma turma só de meninotes, e, vamos lá, uns poucos já rapagotes.

O professor, magister, pra ficarmos no latim, era Newton Souza Braga, um paulistano que, não sei por que cargas d´água viera se estabelecer em Pitangui, onde seu coração seminarístico migrara para a felicidade conjugal.

Severo no seu método pedagógico, era justo. Se não condescendia, tampouco perseguia. Esse meu sentimento talvez não fosse compartilhado por meus coetâneos, ânteros e pósteros, ginasianos, que o julgavam assaz autoritário e implacável em suas arguições. Além do latim, Newton ensinava também a língua portuguesa, mas nessa displina, em que ele era reconhecido como o bambambã, eu só viera a ser seu aluno num breve curso de admissão que me propiciara a entrada para o Ginásio.

Retomemos o latim: depois de uma aula magistral, em que Newton situava o universo do latim, com o seu berço em Roma, já caíamos direto nas famosas declinações, que eram cinco. A primeira, como sói nas civilizações, essencialmente feminina...rosa, rosae...

Na segunda declinação, chega o masculino quase absoluto. E só três nomes escapavam a essa acachapante dose de virilidade: vulgus, virus e pelagus, todos neutros. Pois é, naquela época, bem antes de já ir o Messias chegar, já se dava conta dessa neutralidade no gênero. E ela era aceita. Talvez a aceitação já doesse menos...?

O fato é que guardei nessa recordação singela a memória de Newton, falecido há coisa de 2 ou 3 anos, já nonagenário, e devotamente amparado por familiares e amigos. Em seu velório, bastante concorrido no Parque da Colina, em Belo Horizonte, tive a satisfação de rever muitos contemporâneos que, até mesmo outrora desavindos, haviam vindo prestar a justa homenagem a um grande mestre.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 16/08/2019
Reeditado em 28/10/2021
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