O mar, afinal
Aos vinte anos conheci o mar de verdade, e meio verde. Omar que antes conhecera, foram dois o Omar dentista prático lá de Pitangui, que morava no largo de São Francisco, com ruas de terra batida, ainda escalavradas pelas enxurradas, à espera dos calceteiros, e o Omar Shariff, que viera pela tela de cinema.
Meu mar verdadeiro foi na companhia do William Santiago, companheiro e colega de muitas pelejas, em cuja companhia eu cursava Letras na UFMG. Mas companhia só para os intervalos recreativos, e as aulas do Professor Lourenço, da Linguística de Ferdinand Saussure, e do Professor Romanelli, de Língua Portuguesa, que se comprazia em nos revela que o have do inglês e o haben do alemão, não compartilhavam de raiz ou tronco comum. Ambos os mestres eram respeitados e reverenciados por seus pares docentes, e as muitas dezenas, senão centenas, de discentes, que porejavam juventude e vontade de beber das sacras fontes do saber.
William fazia diploma de português e eu de alemão. Nossas turmas eram
diametralmente diferentes: ele tinha mais de 60 colegas, distribuídos em dois grupos, e eu, não mais que quatro, formando um grupelho sob o relho da imperial Frau Kux, e sua entusiástica auxiliar Fräulein Veronika ben Ibler. Eram o sotaque belinense e o kasseliano contrapostos na sua mais viva expressão.
Mas e o mar? Pois é, fui conhecê-lo na companhia do Santiago, após uma breve parada em Governador Valadares, onde residia minha mana Bebel e seu marido indiano Ajay Sharma, na ilha dos Araújos, sob a sombra do imponente Ibituruna.
De Valadares enfrentamos horas e horas de trem para chegarmos na estação Pedro Nolasco, de Vitória. No caminho, nos entretivemos num animado diálogo com duas moçoilas capixabas, passando por uruguaio e argentino, respectivamente...Lembro-me do aperto de William me livrou quando uma delas, de chofre me indagou sobre um capinzal extenso que margeava a ferrovia, querendo saber como se dizia em castellano...
Pampero! respondeu pronto o Santiago antes que eu me corasse à busca duma salvação...
Em Vitória, vitória afinal, o mar. Fomos meter os pés n´água na serena praia do Costa. Que depois, um veterano pitanguiense que lá residia, o Tõe Severino, a quem narrávamos a aventura, pouco impressionado, disse que havia praias melhores por lá. Para a do Costa só tinha palavra que com ela rimava...