IV.3 – A CURA DE NARCISO. Cap. XI (fls. 40/42) - O VAIDOSO – Narciso. (continuar a narração).
… um homem pequenino se aproxima. Não tenta subir na cadeira, mas pega o sussurrador. Valentina sorri para ele.
______ Boa tarde senhora Valentina. Meu nome é Narciso. Sou... (pigarreia tentando encontrar as palavras certas) quero dizer... durante a minha juventude fui um cantor de sucesso! A coisa que mais amo nessa vida é cantar. Mas um problema de saúde me fez perder quase 80% da minha voz. Hoje não falo, sussurro, apenas... sobrevivo das vendas de instrumentos musicais, na minha pequena loja. A Orpheu foi o único bem que comprei, com as poucas economias que consegui aplicar na capital, enquanto estava no topo da minha carreira de cantor. Quando adoeci e perdi o prestígio, como profissional da área de música, resgatei o capital aplicado para comprar a minha lojinha de instrumentos musicais. Aprendi que a coisa de que eu mais necessitava, nesse mundo, era respeito! Estou bem, mas se eu pudesse voltar no tempo... faria muita coisa diferente!
A senhora comenta interessada.
_______A vida sempre nos dá uma segunda chance senhor Narciso! Nunca para consertar os erros do passado, mas para podermos escrever um outro desenrolar e... esperarmos um final diferente! Os erros cometidos no passado, não podem ser consertados... estão no passado. O presente sim, podemos vivenciar de forma diferente... para melhor ou para pior! Estamos aqui, senhor Narciso, para viver e viver não é só sorrisos e acertos... é, principalmente aprendizado!
Narciso está perplexo.
_______ Verdade. Creio que durante essa enfermidade, aprendi que a coisa da qual eu mais necessitava, nesse mundo, era respeito! O que eu devo valorizar é a Amizade e não a bajulação... o fingimento! Quando não pude mais cantar, percebi a qualidade e a quantidade de amigos que eu realmente tinha... eram poucos, sim, mas eram os melhores que alguém poderia ter!
A Contadora de histórias pára de bordar e toca levemente o ombro do rapaz.
_______ … esse é o inicio da cura!!! Remédios de farmácia “curam”, algumas vezes... quando não matam! A consciência tranquila, cura a Alma... o resto é só consequência! Um dia, muito em breve, o som da sua voz voltará a encantar seus amigos. Vá pegar sua prenda e... Boa Sorte senhor Narciso!
O pequenino homem sente uma onda de lágrimas inundar seus olhos, e sem conter um soluço, pega a mão de Valentina e a beija emocionado. Dirige-se à caixinha de música e gira a manivela. O papagaio lhe dá um número e um pequeno rolo de papel. Ele vai até a cesta e pega uma sacolinha de crochê cor do arco-íris. Desata o laço de fita, retira uma pequenina caixa, e após mirar seu conteúdo, encosta-o bem junto ao coração. Desenrola o papel, lê e sorri satisfeito. Visivelmente contente, acena um adeus para Valentina e vai embora.
______Ahhh... o que estava escrito no papel vovó? Seria uma receita de remédio para curar a garganta do Narciso?
A vovó sorri brejeira.
______Quem sabe? Pode ser!
Haziel pondera.
______Bom, se o papel era a receita, na sacolinha era o remédio, então! Não é mesmo vovó?
Inaiê levanta a cabeça e seus olhos brilham ao perceber a interação das crianças.
______É possível Haziel...
Clarissa olha para o céu.
______Parece que vai chover pessoal. Vamos recolher o material da vovó e vamos para casa. Por hoje acabou a história, certo vovó?
A senhorinha concorda.
______Isso, vamos!
Clarissa para de apanhar os objetos e olha para Inaiê.
______Gostei da história do Narciso. Mas... vovó, ele retornou para Vali Oãs Cricosfan, e nunca mais saiu, não é mesmo?
Com um sorriso nos lábios, a idosa põe uma das mãos sobre a cabeça de Clarissa e acaricia os anéis acobreados dos seus cabelos.
______Isso! Aqui era o único lugar, no mundo, onde estavam sua mãe e seus amigos!