A BATALHA DOS SESSENTA
A BATALHA DOS SESSENTA
WILLIAM LAGOS, 15 ABRIL 2018
A BATALHA DOS SESSENTA 1
No início da Guerra dos Cem Anos
Trégua houve celebrada entre a França
E a Inglaterra. Era o século Quatorze.
Em um período de confrontos desumanos;
Após combate naval, ao mar se lança
Os feridos junto aos mortos. A algum porto
Só se levavam os mais ricos prisioneiros,
Grandes resgates a ser pagos por terceiros,
Quanto aos demais, qualquer pessoa a ser lançada
Ao mar com os mortos, para ver se nada!
Em terra, a situação é semelhante:
Só se faziam prisioneiros raramente,
Os que podiam um bom resgate conseguir,
Os feridos degolados num instante,
A provisão sendo de fato insuficiente,
Bocas inúteis ninguém pode nutrir,
Melhor assim do que aos corvos os deixar,
Porém aos pobres igual se irá matar;
Só partiriam se fossem desarmados,
Por camponeses então sendo massacrados!
Não importava a nacionalidade,
Todos odiados pelos agricultores,
Pois seu gado e colheita ambos saqueavam;
Fossem ingleses ou franceses igual maldade,
Melhor morressem sem grandes estertores,
Que os camponeses primeiro os torturavam.
Algumas vezes era igual a soldadesca,
Fosse italiana, espanhola ou até tedesca,
Divertiam-se com o alheio sofrimento,
Alvos feitos para flechas num momento!
Isto ocorria de forma contrastante
Com a dos séculos anteriores. Mercenários
Eram poupados na possibilidade
De trocarem de lado nesse instante;
Assim serviam a mil senhores vários,
Sendo tratados com até certa bondade
Nos séculos Onze a Décimo-Terceiro,
Nessas disputas feudais sem paradeiro,
Barões e condes a se digladiarem,
Tropas pequenas, de fato, a contratarem.
Seus servos, de preferência, não armavam,
Para evitar que juntos conspirassem
A fim de erguer-se contra seus senhores
E na França e na Itália assim lutavam,
Se bem que ingleses menos se atacassem,
Nas guerras de fronteira os seus labores
E em Portugal, Algarves e Espanha
A luta contra os mouros era tamanha,
Enquanto austríacos aos turcos combatiam
E os teutônicos aos bálticos batiam.
A BATALHA DOS SESSENTA 2
Também na época da Cavalaria Errante,
Em que honra se buscava e o crescimento
Por mais façanhas, quase sempre a sós
Ou com um escudeiro – e a lenda cante
Muito mais que a realidade de um evento,
Traziam luvas nos elmos e com nós
As mechas de cabelo de suas damas,
Tidas por puras e a celebrar suas famas,
Mesmo sabendo com algum rei serem casadas,
Por cavaleiros a ser glorificadas.
Mas no século quatorze, já eram reis
Da França e da Inglaterra que lutavam,
Convocando homens d’armas e arqueiros,
Já esquecidas da nobreza antigas leis,
Plebeus aos nobres com flechas asseteavam,
Virotes sendo projetados por besteiros;
Ainda existiam entre eles mercenários,
Mas em geral eram súditos os contrários
E assim se foi o rancor multiplicando,
Sm quartel a pedir e nunca o dando!
Foi no ano de mil e sessenta e seis
Que William, duque então da Normandia,
Outorgada a seus avós por rei de França,
A Inglaterra invadiu e impôs suas leis
Sobre os anglos e saxões que encontraria,
Porém galeses a conservar certa esperança,
Eventualmente a forjar uma nação.
Um outro rei francês buscou, então,
Retomar para si mesmo esse ducado,
Doado a eles por um seu antepassado.
Era a França nesse tempo bem pequena,
De seu atual território só fração,
Independentes eram os senhores feudais;
Por casamento ou de tratado em cena,
A Inglaterra aumentou sua possessão,
Do que a França a expandir-se muito mais;
E por mais de cem anos, os combates
Se travaram, piorando seus abates,
Sobre os campos a causar desolação,
Os camponeses a morrer de inanição!
Mas embora em tais cenários inseridos,
Muitos nobres conservavam seus ideais
De alcançar honra e glória em feitos d’armas,
Estranhos prélios desse modo havidos:
Bebiam juntos, se tratavam como iguais,
Para depois revestir-se de suas armas
E combater, quase sempre, até a morte,
Ao vencedor, honra assim de maior porte;
Mesmo que os dois perecessem no combate
O louvor de sua bravura não se abate!
A BATALHA DOS SESSENTA 3
Foi desse modo que Sir Robert Knowles,
Com uma tropa de arqueiros numerosa
E homens d’armas a pé, que eram plebeus,
Seu pavilhão a ostentar em ouro e goles, (*)
Chegou a Ploermel, fortaleza poderosa,
Que então os ingleses defendiam com os seus.
Sir Richard de Bambro é que o comandava
E o castelo de Josselin perto dali enfrentava,
Defendido por Robert de Beaumanoir,
Que pela França se esforçava pór lutar!
(*) Nome heráldico para a cor vermelha.
E foi assim que, durante a refeição,
Que Bambro estava muito quieto, percebeu
Sir Robert Knowles; e indagou:
“Qual a razão de sua perturbação?
Com meu reforço e o destacamento seu
Bem fácil toma esse castelo que o enfrentou!”
Sir Richard de Bambro, finalmente,
Depois que a companhia, bem contente,
Já havia concluído seu festim,
A vitória a antegozar, disse, por fim.
“Meus amigos, antes não quis falar,
Porque trago má notícia ao coração...
Esta manhã, chegou-me um mensageiro
E a missiva que veio me entregar
Grande desgosto causou-me na ocasião,
Mas sou forçado a seu conteúdo, por inteiro,
Revelar a tão brava companhia,
Que aguarda no combate a honraria;
Seu apetite acabaria, se falasse
E o bom reforço preferi que descansasse...”
“Diga logo, senhor, qual é a mensagem!”
Diversas vozes com ele já insistiram.
Sir Richard de Bambro de novo suspirou,
Porém falou novamente, com coragem:
“É que a Inglaterra e a França concluíram
Um tratado de paz!” – ele exclamou.
“Será uma trégua com a duração de um ano,
Sendo traição contra nosso soberano
Que nós rompamos a trégua assim firmada
Se nossa tropa não for antes atacada!...”
“Uma trégua de um ano? Não é possível!
Mas que faremos com nossos soldados?
Impacientes bem depressa ficarão!
Eles esperam um botim e é crível
Que ficarão até muito despeitados
E nossas ordens mesmo alguns não aceitarão!
E quanto a nós, o que havemos de fazer?
A esperança de mais honra a se perder!
Talvez tenhamos de voltar a nossas terras:
Na Escócia e Gales ainda existem guerras!”
A BATALHA DOS SESSENTA 4
Estavam todos nesse desapontamento,
Quando escutaram um toque de clarim.
“São os franceses que vem nos atacar?”
Sir Richard ordenou, nesse momento,
A Crocquart, seu escudeiro, ir ver assim
Qual o motivo de tal clarim os avisar.
Ele voltou, parecendo bem surpreso:
“Sir Richard, aos portões, digno e teso,
Está Sir Robert de Beaumanoir,
Seu escudeiro, Montaubon, traz como par. »
“Mas o que hão de querer os adversários?”
“Diz Beaumanoir só querer confabular
Com Vossa Graça e, de fato, abertamente,
Não trazem lanças ou armamentos vários...”
“Pois bem, se a trégua devemos respeitar,
Aprisioná-los não se pode, certamente...
Então ordene que venham ao salão,
Porém a guarda dobre de antemão,
Pois nos devemos precaver contra surpresa,
Pois conhecemos dos francos a vileza!”
Entraram Beaumanoir e Montaubon,
Sendo saudados com toda a cortesia
E respondendo bastante gentilmente.
Conforme a lei da cavalaria dava o tom:
Nesse salão nunca alguém se ofenderia...
Eles se odiavam, contudo, cordialmente!
“Bem-vindo, Robert, quando a meu teto vier!
Talvez mal-vindo noutro lugar qualquer!”
“Na verdade, senhor, há de ter nosso respeito,
Em cortesia galante o nosso preito!”
“Certamente do reforço nós soubemos;
Sir Robert Knowles tem muito justa fama
E ansiávamos poder travar uma aventura;
De nossos reis a permissão perdemos...
Para cumprir um voto para nossa dama
Este truque é uma grande desventura...”
“Por favor, tome assento, cavaleiro.”
Vieram servos para os servir, ligeiro.
Beaumanoir e Montaubon ergueram
Brindes mútuos a que todos acolheram.
“É realmente grande lástima, senhor
E a estávamos justamente discutindo...
Quando a má nova da trégua lhe chegou?”
“Ontem à noite despertou-nos o rancor
E se nos vê ao seu castelo vindo
É que uma certa alternativa se planeou.”
“Como assim? Por um ano não podemos
Nos digladiar... Bastante nos veremos.
Será difícil conter a soldadesca
Quando buscarem provisões por caça ou pesca...”
A BATALHA DOS SESSENTA 5
“Mas entre nós deve a trégua ser real.
Cabe o dever a nós ambos de punir,
Caso iniciem alguma escaramuça...”
“Quanto a nós, poderemos por igual
Lobos e ursos, lado a lado, perseguir
Ou dos falcões retirar a carapuça
Para que possam belos pássaros caçar
E convescotes, sem brigas, partilhar...”
“Sim, não podemos contrariar os nossos reis,
Mas totalmente obedecer suas leis...”
“Tudo isto nós pensamos ser possível,
Mas concebemos uma alternativa
Que a nós mesmos poderá satisfazer
Sem dos reis quebrantar a inefável
Ordenação da majestade altiva...
Basta apenas que possamos compreender
Que esta trégua aplica-se a combates
E não a desafios! Simples ataques,
Na defesa da honra quebrantada
Ou para um voto cumprir à bem-amada...”
“Se por acaso minha guarnição marchar
Contra Ploermel ou, inversamente, a sua
Atacar Josselin, existe a quebra
Desta trégua dos reis, sem duvidar.
Mas uma simples justa, nua e crua,
Não está incluída na proibição da regra.”
“O que sugere são combates singulares,
Dentro de estritas regras militares?”
“Sim, digno senhor, isso é possível,
Porém algo de melhor é igual factível...”
“Que quer dizer?” “Sempre é possível ocorrer
Entre eu mesmo e talvez um cavaleiro
Dos nobres que aqui estão, uma disputa.
Lançada a luva, o combate pode haver
E em companhia de seu escudeiro,
Sem batalha, ocorrerá a nobre luta...
Se, por acaso, seus amigos o apoiarem,
Número igual ao nosso a equipararem,
Será apenas cavalheiresca essa querela,
Particular, sem infringir a ordem bela...”
Foi a ideia aprovada de imediato
E combinou-se então, numa ‘melée’ (*)
(Um combate de todos contra todos),
Trinta guerreiros a combater, de fato,
De cada lado, sem que a trégua, assim se crê,
Quebrantada viesse a ser por esses rodos.
“Mas é preciso, inicialmente, haver ofensa,
Para que a honra se oponha à desavença...”
E dirigindo-se ao cavaleiro em frente,
Declarou: “Não creio que boa dama me apresente.”
(*) Literamente, “mistura”. Pronuncia-se “melê”.
A BATALHA DOS SESSENTA 6
“Não há mulher mais virtuosa que a francesa!
O que me diz, senhor, está de acordo?”
E retorquiu o cavaleiro desafiado:
“Não tem virtude maior que a dama inglesa!”
E de sua taça enfiou o dedo ao bordo,
Sem que o vinho fosse ao menos derramado.
Mas sobre a mão do outro pôs o dedo.
“Senhor, vou contar-lhe meu segredo:
Este vinho foi lançado no seu rosto!
Marque a hora e o lugar para seu gosto!”
De Beaumanoir o rosto abriu-se num sorriso:
“Não poderia o desafio ser melhor feito!
Ao invés de desperdiçar bom vinho,
Sem estragar minha roupa ser preciso,
Nossa querela alcançou pleno direito...
Será amanhã, então, a meio caminho
Entre Ploermel e Josselin, por certo!
Mas somente entre os sessenta será aberto
Esse combate. Não pode haver arqueiros!”
“Nem os franceses trarão seus balestreiros!”
No dia seguinte, pelo meio-dia,
Os Sessenta se encontrariam no carvalho
Que demarcava a meia-senda dos castelos.
Montaubon, que era traiçoeiro, pretendia
Convocar três campeões de bravo talho,
Mas Beaumanoir, contudo, nao quis tê-los:
“A querela é entre nossas guarnições,
Esses ingleses têm bravos corações,
Quer seja ganho ou perdido esse combate,
Desonra alguma sobre nós se abate!”
Em havendo trégua, quase toda a guarnição
Do castelo de Ploermel foi assistir;
Todos os servos, até mesmo os cozinheiros
E os camponeses aproveitaram a ocasião
Para com o sangue e o estridor se divertir.
Seriam vítimas tão só os cavaleiros,
Dez dos quais eram apenas homens d’armas,
A completar os trinta, sem alarmas,
Porque os franceses traziam trinta cavalheiros,
Se bem que alguns fossem apenas escudeiros.
Destes a história apenas guarda os nomes
De Black Simon, Nicholas Dagworth, o Cavaleiro
Hulbitée, Raoul Provost, Walter, o Alemão,
John Alcock e Robin Adey; Com mais três somes
E os já nomeados, cada um com escudeiro
E homens d’armas, defendidos na ocasião
Por armaduras emprestadas, mas que não os ajudavam,
Que indumentárias de bronze ou ferro bem pesavam.
Em geral, o peso suportavam as montadas,
Que vários anos para a carga eram treinadas.
A BATALHA DOS SESSENTA 7
Assim, os trinta cavaleiros cavalgaram;
Sir Richard Bambro, Crocquart, seu escudeiro,
Encarregado de hastear o seu pendão;
Sir Robert Knowles, a quem acompanharam
Nigel Loring, Sir Thomas Walton, cavaleiro;
Logo a seguir, de sangue anglo-bretão,
Vinham Perrault de Comerlain e Le Gaillart,
D’Assermont e D’Ardaigne, para lutar
Sob a bandeira inglesa, além de mercenários
Da Alemanha ou de Hainault, mais outros vários,
Cujos nomes mais adiante são lembrados,
Cada qual deles portando seu escudo
E trajando completa sua armadura,
Com lanças e espadas bem armados,
Alguns com maças de guerra e, não te iludo,
Todos ansiavam pela ‘melée’ tão dura.
Sir Hugh Calverly ali estava com Belfort,
Normandos ambos com igual valor,
Como os franceses não haviam ainda chegado,
Puseram-se os trinta em linha, lado a lado...
Finalmente, com novo toque de clarim,
Foi anunciada a chegada dos franceses;
Beaumanoir vinha à frente, Montaubon
O seu pendão a transportar, assim,
Trintiniac e Yves Chernel contra os ingleses
Se apresentavam, no maior bom-tom;
Carot de Bodegat e Alain de Caranais,
Sir Robert de Raguenel, na mesma fé,
Mas entre eles não havia algum Conan,
Qualquer Blois, qualquer Leon, algum Rohan.
Pois nenhum destes pertencia à guarnição
E se algum dos grão-senhores se aprestasse,
Seria difícil para essa trégua garantir
Não ter sido quebrada na ocasião.
Beaumanoir avançou, quebrando o impasse,
Para de Bambro apertar a férrea mão.
“Quais as regras de vossa digna vontade
Irão reger a nossa longa inimizade?”
“Inicialmente, as lanças contra escudo,
Cada qual brandindo após seu ferro agudo!”
Ambos saudaram e inclinaram-se os pendões,
Que iriam matar-se com toda a gentileza...
Cinquenta metros entre as duas fileiras
E seguindo a rigor os seus padrões,
De cada lado um arauto, com firmeza,
Gritou “Allez!” Então, vozes certeiras
De ambos lados proclamaram o desafio
E se elançaram, na tarde desse estio!...
Contra os escudos, as lanças se quebraram,
Com igual som com que os ferreiros martelavam!
A BATALHA DOS SESSENTA 8
Raguenel, a desdenhar uso de espada,
Com seu martelo derrubou um oponente,
Mas Belfort lançou-o ao chão com seu martelo;
Então Beaumanoir o derrubou, a espada alçada!
Jean Rousselot foi golpedo pela frente,
Seu ombro exposto, ainda a lutar com zelo,
Mas Black Simon por montante o abateu,
Geoffroi Mellon sendo morto por plebeu,
Carot de Bodegat, Tristan de Peshuen e Yves Chernel,
Isolados dos demais, foram pedir quartel!...
Sir Richard Bambro aceitou sua rendição,
Todos três a retirar-se para um lado;
Mas após vinte minutos de combate,
Todos feridos e já exaustos da exerção,
Um intervalo foi por arautos proclamado:
“Cessez! Cessez! Retirez!” Cessou o abate,
Os franceses a recuar em boa ordem,
Os ingleses sem mostrar qualquer desordem
E à retaguarda foram todos descansar,
Seus ferimentos um médico a pensar.
Já os cavalos se achavam malferidos
E ambos lados, galantemente, combinavam
Prosseguimento de seu combate a pé.
E cambalearam os bravos envolvidos,
Vinte e nove dos ingleses ainda sobravam,
Vinte e cinco dos franceses por sua fé,
Mas quase todos muito fracos e abatidos,
Por suas espadas e escudos protegidos;
Contudo, Bambro abaixara a sua viseira,
Sem recordar-se de erguê-la toda inteira!
Assim, Geoffroi Dubois, chamado “O Forte”
E Alain de Caranais o atacaram;
Ferido, soergueu-se, porém sem forças já
Para erguer o seu escudo de bom porte.
Morto Bambro, os reféns se libertaram,
Alegremente retornando para lá!...
Sir Robert Knowles proclamou a sua desonra,
Que haviam dado sua palavra de honra,
Para da morte serem os três então poupados:
“Não poderiam retornar bem descansados!”
Mas Beaumanoir lei antiga recordou:
“Foi a Bambro que eles se renderam;
Ele está morto e assim, seus prisioneiros,
Sua morte por “fainéant” os libertou;
Desse modo, os franceses acolheram
Os três bem descansados cavaleiros
E desse modo logo se fortaleceram
Mas os ingleses sua vantagem assim perderam,
Pelo rancor fortalecendo a valentia:
Mesmo morrendo, maior honra não seria!
A BATALHA DOS SESSENTA 9
Entre os franceses, havia um escudeiro,
Geoffroi Poulart, que usava um capacete,
Configurando a cabeça de uma ave;
Ele avançou à frente, bem lépido e ligeiro,
Mas com sua clava, Belfort já o acomete,
Seu elmo a esmagar com golpe grave!
Poulart andou uns passos, cambaleando,
Do elmo ao bico seu sangue jorrando
E igualmente pelos respiradouros,
De seu élan vital rubros tesouros!...
A multidão que assistia a seu redor
Ribombou numa estentórea gargalhada,
Até imitando o cacarejar de um galo.
Ele correu, uma figura de pavor,
Como galinha, após ser degolada,
Caindo, enfim, ao chão, com grande abalo!
Mas Beaumanoir, com quatro cavaleiros
Aproveitou-se e, com passos bem ligeiros,
Foi atacar pelas costas os ingleses,
Vários tombando ante os pérfidos franceses!
Então os arautos proclamaram nova pausa,
Em que beberam e descansaram os valentes,
Restando vinte a poder ainda lutar.
Ao som do “Allez!” retomaram a nobre causa,
Cambaleando, suas vontades mais potentes,
Pegadas de sangue na relva a desenhar!
Beaumanoir, por sentir sede, protestou,
“Beba seu sangue!” – Dubois lhe contestou
E todos riram, nessa alegria pavorosa,
Humor terrível, tal piada nada honrosa!
Porém os ingleses, com a experiência aprenderam
E pararam de combater em linha reta,
Formando um círculo, uns nos outros apoiados,
Em poderosa formação que conceberam;
Em vão o denodo dos franceses se projeta,
Tendo os ingleses proteção por todos os lados
E Beaumanoir já se via derrotado,
Sangrento e exausto, ainda a atacar, deliberado,
Mas seus homens mal podiam levantar
Aos mãos e os pés para outra vez lutar!
Ele já via o momento em que os ingleses,
Uns contra os outros podendo descançar,
Abandonariam a sua arguta formação
E muito fácil trucidariam os franceses,
Sem saber o que fazer para alcançar
Não a vitória, mas honrosa conclusão,
Quando Guillaume de Montaubon, seu escudeiro,
Sem aviso, deu as costas, o mais ligeiro
Que permitiam o grande peso e os ferimentos:
“Montaubon, vais deixar-me em tais momentos!?”
A BATALHA DOS SESSENTA 10
Sem ouvir resposta de seu escudeiro,
Beaumanoir dirigiu último assalto
Contra as espadas e os escudos dos ingleses,
Já se achando estar perdido por inteiro,
Última prece dirigindo ao Alto,
Último apelo a cem santos franceses!
Mas, de repente, para sua surpresa,
Viu quebrar-se dos ingleses a defesa,
Quatro deles já tombando sobre o chão,
Dispersados os demais em confusão!
Guillaume de Montaubon não lhe fugira:
Traiçoeiramente montara em seu cavalo,
Auxiliado por um grupo de soldados
E nova lança então adquirira
Para atacar os ingleses como um galo,
Sendo gauleses os francos apelidades.
Talvez se pense ser somente uma traição
E um ato de desonra, na ocasião,
Mas pelas regras, isso era permitido
Ou, pelo menos, não lhe fora proibido!
Inicialmente, todos haviam pensado,
Ao verem Montaubon em sua montada,
Que pretendia o combate abandonar;
Mas a estratégia que havia imaginado
Virou o combate, reduzindo a nada
A vantagem da Inglaterra em tal lugar.
Assim foi fácil, as facas na garganta
E dos exaustos guerreiros não se espanta
Que se rendessem a seus opositores,
A despeito dos apupos e clamores!
Mas não sendo, de fato, uma batalha,
Não se tratava de pagar resgate
E os soldados ingleses transportaram
Os mortos e feridos dessa falha,
Somente dez sobreviventes desse abate,
Que nos cavalos trazidos já montaram,
O ódio a lhes ferver nos corações
Contra os franceses com suas vis traições:
Os rendidos que de novo os atacavam,
Mas Montaubon sobretudo eles odiavam!
Porém a Josselin os vencedores,
Ramos e flores nos elmos amassados,
Foram levados nos ombros dos soldados;
Mas honra e glória como prêmios dos valores
Pelos ingleses traídos alcançados,
Nessa Batalha do Carvalho assinalados,
Os trinta ingleses recebendo mil louvores ,
Postos de honra e os mais reais favores:
Que ninguém minta ter dali partcipado
Sem suas honrosas cicatrizes ter mostrado! (*)
(*) Baseado sobre texto em prosa de Sir Arthur Conan Doyle.
EPÍLOGO
Essa “Guerra dos Cem Anos” prosseguiu
Por mais de um século, aos franceses dominando,
Até os canhões terem sido introduzidos.
Mas como é estranha essa atitude que se viu,
Com gentileza uns aos outros massacrando
Os cavaleiros nesse dia ali reunidos!...
Sir Robert Knowles, após recuperado,
Comandante de Ploermel sendo nomeado
E após o prazo da trégua ter findado,
Foi Montaubon noutra batalha degolado!...
De fato, ele até tentou render-se,
Consoante às regras da cavalaria,
Porém fora derrubado por plebeu,
Que da traição anterior sem esquecer-se,
Não se apiedou de sua covardia,
Por mais que suplicasse – e mereceu
A morte ver nos olhos desse arqueiro,
Por ser desleal, degolou-o por inteiro,
Maior prazer a encontrar quando o matasse
Que no valor de algum resgate que pagasse!
William Lagos
Tradutor e Poeta – lhwltg@alternet.com.br
Blog: www.wltradutorepoeta.blogspot.com
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