Tão frágil


- Que cara amarrada.

- Não estou com cara amarrada. – Marine bateu a porta do carro de Leonardo com força e recebeu um olhar nada amistoso. – Foi mal.

- Tudo bem. O que foi? – Ela ajeitou a bolsa nas pernas e cruzou os braços, chateada. Leo colocou a chave na ignição e ligou o carro. No som do carro tocava o clássico som do Pink Floyd. – Renan?

- É.

- Como sempre... O que ele fez?

- Eu não sei mais o que pensar. Pela primeira vez em todos esses anos que vivo essa... Isso... – Ela balançou a cabeça várias vezes. – Essa merda que vivo com o Renan, estou me sentindo confusa.

- Confusa como?

- Nós dormimos juntos. – Leo a olhou de soslaio, não havia julgamento no olhar. – E ele pronunciou o nome da ex.

- Entendo.

- Ela está voltando pra São Paulo. - Foi a vez de Leo balançar a cabeça, pensativo. Marine não tinha ideia do que isso significava para ele. – Eu não sei, Leo.

- Está enciumada.

- Não! Quer dizer... Eu não sei.

- Marine.

Pararam no semáforo vermelho. Leonardo a olhou, compreensivamente. Marine se perguntou até quando ele seria tão gentil e simpático com ela a troco de absolutamente nada.

- O que?

- Eu não sei se você conhece a história do Renan com a ex, mas posso te adiantar que é algo absolutamente enrolado e difícil para ele.

- Difícil como?

- Difícil porque ele não sabe superar. E nem sabe se realmente quer superar. É um tipo de codependência, entendeu? A Cristina fez muito bem ao Renan, ela o ajeitou na vida e fez dele uma pessoa melhor.

- Certo, mas isso é amor ou gratidão?

- Bom, está aí uma excelente pergunta. Renan diz ser amor.

- Me soa absolutamente bizarro o Renan amar alguém, mas quem sou eu para falar qualquer coisa.

- Você é alguém que está apaixonada pelo Renan?

Marine riu nervosa, balançou a cabeça algumas vezes e sentiu o coração apertar. Leo a olhou de canto e teve uma curiosa vontade de abraça-la, depois quis entender porque garotas como ela se envolviam com pessoas como Renan. Não que visse o amigo com maus olhos, na verdade sabia que era muito inferior a Renan. Porém, Marine parecia ser dona de um bom coração, uma alma delicada, uma personalidade bonita. Cristina não. Não achava Marine e Renan uma combinação bonita, mas sim fatal. E fatal para ela, principalmente.

- Não estou. É ridículo.

- Mesmo?

- Lógico que é.

- E por que você parece incomodada com a volta da Cristina?

- Porque talvez, só talvez, eu realmente sinta por ele uma atração muito além do que posso controlar. Só isso.

- Acredito em você.

- E você? Não acredito que você é sempre assim, desse jeito.

- E que jeito eu sou? – Leo sorriu, olhando para a garota de cabelos negros. Marine se ajeitou no banco, mais relaxada em não ser o centro da conversa.

- Absurdamente compreensivo. Como quem jamais sentiu ódio ou raiva de alguém, sei lá! O que é estranho, pois você é o melhor amigo da pior pessoa da terra.

- Renan não é de todo ruim.

- Ah sim, com certeza. – Os dois riram. - Me responde.

- Eu não tenho mais vontade de me relacionar com ninguém desde que terminei com minha ex, há uns anos.

- Por que?

- Não sei. Acho que me doei demais para aquela relação e depois foi extremamente destrutivo para mim. Ela terminou comigo numa época que precisei demais das pessoas ao meu lado. – Marine o ouvia atentamente. – Ela terminou comigo quando eu perdi a minha mãe. A desculpa para o término foi absurda “não posso lidar com isso, não posso passar por isso com você” e algum tempo depois ela estava namorando com um amigo meu.

Leo estudou a reação de Marine, se perguntando se fora óbvio ou não em sua resposta. A ouvinte não demonstrou nada além de solidariedade. Mais uma vez sentiu-se próxima dele.

- Eu sinto muito.

- Tudo bem. O desamor foi bem difícil, quase terrível, mas aconteceu.

- Vocês ainda se veem?

- Raro, mas as vezes acontece.

- E como é para você?

Leo respirou fundo recordando de todas as vezes que discutiu com Cristina. Teve a vez em que ela deu um tapa em seu rosto, simplesmente porque ele foi indiferente a suas provocações e depois o beijou. Não soube explicar o alívio em não sentir nada ao beija-la. Quando Cristina percebeu isso sua fúria aumentou. Não é que ela não sentisse nada por ele. Não. Nada disso. Ela só não queria ver que Leo não sentia mais nada por ela.

- Normal. Não me afeta mais.

- Não sei como seria se Finneas estivesse vivo, mas provavelmente eu não lidaria bem com ele namorando outra. Não digo nem namorar uma amiga porque nunca tive uma, mas qualquer pessoa mesmo.

- É estranho, mas ela fez a escolha dela. Eu a odiei muito, mas percebi que esse sentimento só fazia mal para mim.

- É verdade. Amar as vezes é uma coisa muito estranha.

- Muito.

Leonardo observou Marine entrar na faculdade e involuntariamente se perguntou como seria amar alguém tão frágil como ela.

E não entendeu o porquê daquele questionamento.

 

Tamiris Vitória
Enviado por Tamiris Vitória em 08/03/2019
Reeditado em 04/06/2023
Código do texto: T6593258
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