E ambos Vicentes...
E ambos Vicentes. Um foi ébrio, cantor, sedutor, "nadava em ouro e tinha alcova de cetim", já o outro, nem nos sonhos de ebriedade, nunca terá passado de Betim, tenho pra mim.
Enquanto num fim de tarde eu ouvia aquele vozeirão consagrado, no máximo som que a radiolinha Philips portátil podia permitir: "... oh, Gilda, porque sonhador, fui deixar um amor, na genuflexão do altar", a lembrança que me veio, se não a voz, entrou pela janela, suave, mas penetrante: "...ói o maimeeeelo!"
E era um enchendo a casa, com sua canção em brasa, enquanto outro, do alpendre, com seu balaio já descansando sobre a murada, ia vendendo marmelo para se fazer marmelada. Ou pra se comer conforme o gosto de cada.
O vendedor Celestino vinha da Onça, uma cidadezinha próxima, onde floresciam e frutificavam os marmeleiros, fruta rara, até pra mineiros. Se tinha gente de comparava essa fruta ao jenipapo, tal a sua sensaboria, pra outros, como pra mim, era ela uma iguaria, mesmo como marmelada enlatada da Cica ou da Peixe disponível em qualquer armazém, ao custo de vintém, malgrado a afirmação de papai de que ali mais chuchu é que se contém...
E estavam ali, duelando para receberem a minha nobre atenção, dois Vicentes, entes Celestinos que são. Deixei a radiolinha (que a gente já chamava de toca-discos e que o mano Cashi, nas noites mais inspiradas saía levando pras suas serenatas...e não sei se ouvintes das mais sensatas, mas seguro que gatas e gratas...) de lado, no descanso e fui cuidar da rara fruta, fruto de tanta luta.
Não voltei a ver o Marmeleiro Celestino - na certa teria ido de encontro ao seu destino. Mas sem o amargor do cantor, ao implorar que não se fizesse na sua "campa nenhuma inscrição, deixai que os vermes pouco a pouco levem este amargo coração".
Sem parentes, ou mesmo dentes, o segundo dos Vicentes, com sua voz de menino, vai ver de nós tá é rino.