A campainha toca.
— A senhora não quer entrar?
— Não! Só vim trazer o Bob. Pego antes das dezoito.
A mãe de Bob nunca entrava. Olhava, demoradamente, para Ravenala e pensava: ‘Se fossem gêmeos, não se pareciam tanto: os mesmos olhos, cabelo, nariz...’ E repreendeu o pensamento, pondo fim ao discurso de sua imaginação.
— Oi, Ravenala!
— Oi Bob! Em minha casa tem um quarto secreto. Misterioso.
— Quero conhecer!
— Eu disse que é secreto.
— Amigo não esconde segredo do outro.
— Se você prometer...
— Prometo!
— Olha lá hein! Quem revela um segredo perde a confiança de quem lhe confidenciou.
— Posso ver o quarto agora?
— Mostro a entrada e fico entretendo a vovó. Você entra.
— É muito escuro?
— Meia-luz. Tem uma janela, mas a vovó não deixa abrir.
E, dirigindo-se para a cozinha, Ravenala põe em prática seu plano de manter a avó ocupada.
— A senhora faz um bolo pra nós?
— Sim, sim. Eu faço! Cadê seu coleguinha de escola?
— Deve ter ido ao banheiro
Robert chega caranguejando, e o olhar fixo na porta que dá para o quarto escuro. Tropeça em Corina.
— Andando de costas? Viu assombração, menino?
— Desculpe, senhora. Estava procurando Ravinha.
— Ela está aqui. Desculpe se fui grosseira. Não quis ofender.
— Nada não. Nada não! Desculpe mais uma vez, vó. Foi uma aposta que fizemos.
— Gostei do vó. Ganhei um netinho, bonito e educado. ‘Aposta... Essas crianças!...’
Minutos depois, na sala de estar.
— Nossa! como surgiu a ideia da aposta? Não apostamos nada.
— A adrenalina aflora nos momentos de perigo, e o cérebro imediatamente, envia um fluxo luminoso, apontando opções que podem evitar acidentes.
— Minha avó é boazinha. Só não me deixa entrar no quarto dos mistérios.
— Aquele é seu quarto secreto?
— Sim! Conta o que viste!
— Vi um quarto vazio. Não há nele nenhuma porta secreta. Nenhum portal para um mundo desconhecido.
— Então o Portal não abriu pra você?...
— Não. Para mim não se abriu. Você já fez viagens através do portal?
Ravenala arrependeu-se. Não deveria ter falado do quarto secreto.
— Que viste no quarto secreto? Insiste Robert.
— Vou contar: estava sozinha no quarto — é preciso estar sozinho — Tive vontade de fechar os olhos. E quando abri...
— Ravenala, chame seu colega! O bolo está pronto — disse a voz vinda da cozinha.
— Conta logo!...
—Não dá. Demora muito.
— Fizeste contato com o invisível?
— É brincadeira. Só queria saber se tens medo de escuro.
— Medo, isso não tenho. Vi um velho conversando com um homem machucado. O velho também estava ferido. Contei tudo que vi. Mas o portal não se abriu. Agora conta o que viste, Ravinha!
— O velho, nunca vi.
— Também não vi nada. Estava brincando. Só para ver se tinhas medo de visagem.
— Não é válido! Usaste o mesmo argumento que eu...
— Não tenho medo de assombração, casa mal assombrada...Não tenho medo de nada...
— Não existe casa mal assombrada. Existe gente medrosa que pensa estar vendo assombração.
— Chanana disse que tem um cabedal enterrado na antiga senzala. Vaqueiros viram luzerna.
A portinhola rangeu.
— Espera um pouco, mãe — disse Robert. Ravenala começou a contar uma história agora mesmo!
— Mais cinco minutos, então.
— Será porque as mães só dão cinco minutos?
— E a gente fica meia hora.
Os dois riram.
Robert não acreditou que o quarto secreto fosse só uma brincadeira.
— Conta logo, Ravinha. Só temos mais cinco minutos! O que viu?
— Aquele quarto não tem mistério algum! O meu tem. O meu tem mistério!
— Então fala!
— Se o tempo estiver nublado, não funciona. Mas com a luz do sol, em determinadas horas do dia, vejo imagens invertidas passando na calçada... Você mesmo vinha de cabeça para baixo. Eu o vi antes de tocar a campainha.
— É engraçado, mas deve ter alguma explicação para isso.
— Deve ter...
— Vamos ver as figuras invertidas?
— Cadê o sol? Sem sol não tem sombra... Só vejo imagens de pessoas andando de cabeça para baixo, em terminada hora de um dia ensolarado.
— Sombra lembra assombração...
— Pode ser — disse Ravenala entregando a Robert o diário dela — leia só a página de ontem!
‘Vi tuas lágrimas escorrerem aos quatro cantos, como chafariz ou cântaro partido... cântaro de lágrimas, recolhidas no silêncio das noites mal dormidas nas insônias e pesadelos de teus medos...’
Vamos, Robert! — disse dona Leide — já passou da hora.
Passou muito — pensou Dulcineia — deitada que estava em seu quarto, desde cedo.
Ravenala recolheu-se em seu quarto, e de lá aguçou os ouvidos, para ouvir a conversa dos pais que há pouco se deitaram. Eles falavam baixinho, alguma coisa relacionada a ter mais um filho. A menina desejava muito ter com quem brincar e dividir seus segredos. Talvez para um irmão, contasse sobre o amigo secreto pregado na cruz.
***
Trecho de "Estrela que o vento soprou."
— A senhora não quer entrar?
— Não! Só vim trazer o Bob. Pego antes das dezoito.
A mãe de Bob nunca entrava. Olhava, demoradamente, para Ravenala e pensava: ‘Se fossem gêmeos, não se pareciam tanto: os mesmos olhos, cabelo, nariz...’ E repreendeu o pensamento, pondo fim ao discurso de sua imaginação.
— Oi, Ravenala!
— Oi Bob! Em minha casa tem um quarto secreto. Misterioso.
— Quero conhecer!
— Eu disse que é secreto.
— Amigo não esconde segredo do outro.
— Se você prometer...
— Prometo!
— Olha lá hein! Quem revela um segredo perde a confiança de quem lhe confidenciou.
— Posso ver o quarto agora?
— Mostro a entrada e fico entretendo a vovó. Você entra.
— É muito escuro?
— Meia-luz. Tem uma janela, mas a vovó não deixa abrir.
E, dirigindo-se para a cozinha, Ravenala põe em prática seu plano de manter a avó ocupada.
— A senhora faz um bolo pra nós?
— Sim, sim. Eu faço! Cadê seu coleguinha de escola?
— Deve ter ido ao banheiro
Robert chega caranguejando, e o olhar fixo na porta que dá para o quarto escuro. Tropeça em Corina.
— Andando de costas? Viu assombração, menino?
— Desculpe, senhora. Estava procurando Ravinha.
— Ela está aqui. Desculpe se fui grosseira. Não quis ofender.
— Nada não. Nada não! Desculpe mais uma vez, vó. Foi uma aposta que fizemos.
— Gostei do vó. Ganhei um netinho, bonito e educado. ‘Aposta... Essas crianças!...’
Minutos depois, na sala de estar.
— Nossa! como surgiu a ideia da aposta? Não apostamos nada.
— A adrenalina aflora nos momentos de perigo, e o cérebro imediatamente, envia um fluxo luminoso, apontando opções que podem evitar acidentes.
— Minha avó é boazinha. Só não me deixa entrar no quarto dos mistérios.
— Aquele é seu quarto secreto?
— Sim! Conta o que viste!
— Vi um quarto vazio. Não há nele nenhuma porta secreta. Nenhum portal para um mundo desconhecido.
— Então o Portal não abriu pra você?...
— Não. Para mim não se abriu. Você já fez viagens através do portal?
Ravenala arrependeu-se. Não deveria ter falado do quarto secreto.
— Que viste no quarto secreto? Insiste Robert.
— Vou contar: estava sozinha no quarto — é preciso estar sozinho — Tive vontade de fechar os olhos. E quando abri...
— Ravenala, chame seu colega! O bolo está pronto — disse a voz vinda da cozinha.
— Conta logo!...
—Não dá. Demora muito.
— Fizeste contato com o invisível?
— É brincadeira. Só queria saber se tens medo de escuro.
— Medo, isso não tenho. Vi um velho conversando com um homem machucado. O velho também estava ferido. Contei tudo que vi. Mas o portal não se abriu. Agora conta o que viste, Ravinha!
— O velho, nunca vi.
— Também não vi nada. Estava brincando. Só para ver se tinhas medo de visagem.
— Não é válido! Usaste o mesmo argumento que eu...
— Não tenho medo de assombração, casa mal assombrada...Não tenho medo de nada...
— Não existe casa mal assombrada. Existe gente medrosa que pensa estar vendo assombração.
— Chanana disse que tem um cabedal enterrado na antiga senzala. Vaqueiros viram luzerna.
A portinhola rangeu.
— Espera um pouco, mãe — disse Robert. Ravenala começou a contar uma história agora mesmo!
— Mais cinco minutos, então.
— Será porque as mães só dão cinco minutos?
— E a gente fica meia hora.
Os dois riram.
Robert não acreditou que o quarto secreto fosse só uma brincadeira.
— Conta logo, Ravinha. Só temos mais cinco minutos! O que viu?
— Aquele quarto não tem mistério algum! O meu tem. O meu tem mistério!
— Então fala!
— Se o tempo estiver nublado, não funciona. Mas com a luz do sol, em determinadas horas do dia, vejo imagens invertidas passando na calçada... Você mesmo vinha de cabeça para baixo. Eu o vi antes de tocar a campainha.
— É engraçado, mas deve ter alguma explicação para isso.
— Deve ter...
— Vamos ver as figuras invertidas?
— Cadê o sol? Sem sol não tem sombra... Só vejo imagens de pessoas andando de cabeça para baixo, em terminada hora de um dia ensolarado.
— Sombra lembra assombração...
— Pode ser — disse Ravenala entregando a Robert o diário dela — leia só a página de ontem!
‘Vi tuas lágrimas escorrerem aos quatro cantos, como chafariz ou cântaro partido... cântaro de lágrimas, recolhidas no silêncio das noites mal dormidas nas insônias e pesadelos de teus medos...’
Vamos, Robert! — disse dona Leide — já passou da hora.
Passou muito — pensou Dulcineia — deitada que estava em seu quarto, desde cedo.
Ravenala recolheu-se em seu quarto, e de lá aguçou os ouvidos, para ouvir a conversa dos pais que há pouco se deitaram. Eles falavam baixinho, alguma coisa relacionada a ter mais um filho. A menina desejava muito ter com quem brincar e dividir seus segredos. Talvez para um irmão, contasse sobre o amigo secreto pregado na cruz.
***
Trecho de "Estrela que o vento soprou."