Aos 9


A morte de Mariana, há 5 anos, cria um muro inabalável entre Letícia e Marine Fleming. A mãe não fala com a única filha, e nas poucas tentativas de Sérgio em aproxima-las, a mãe acusa Marine de ter matado a irmã. É um peso grande demais para uma menina de apenas 9 anos carregar.

A ausência de amor materno faz com que Marine se torne uma criança introspectiva, solitária, insegura e completamente dependente do pai. Ele, por sua vez, precisa se desdobrar para viver ao lado da mulher e preencher o vazio que ela causara em Marine.

Marine tem pesadelos recorrentes com o dia do sequestro. Sempre a mesma cena: vê o sequestrador, mas não consegue ver o rosto, como se ele fosse um fantasma. Ouve o grito de Mariana chamando por ela, seguido de um silêncio estarrecedor. Ela não consegue salvar a irmã.

Os médicos haviam alertado a Sérgio que Marine poderia ter flash’s de memória, e que futuramente, necessitaria de alguma ajuda psicológica para lidar com o trauma. Quando disse isso a Letícia, numa inocente tentativa de traze-la a vida da filha, ouviu que preferia que Marine tivesse morrido junto com Mariana. Foi a primeira vez que perdeu o controle e deu um tapa no rosto da mulher. Nem a quentura dos dedos do marido contra seu rosto puderam trazer alguma humanidade a Letícia.

Era uma segunda-feira quando Marine voltou do colégio mais cedo. O pai só estaria em casa depois do almoço. Ela não gostava de ficar sozinha com a mãe, pois acabava sendo vítima de suas acusações e agressões verbais. Geralmente Letícia passava o dia no quarto para não ter que encontrar Marine, mas como a mãe não sabia que ela voltara mais cedo, era de se esperar que estivesse na sala vendo fotos de Mariana. O silêncio na residência dos Fleming era estranho e perturbador.

Marine deixou a mochila no sofá e resolveu ir até o quarto da mãe, por precaução. A porta estava encostada. Quando abriu, deparou-se com uma cena horrível. Não sabia por onde começar a olhar.

Pingava sangue no chão, o lençol da cama dos pais era uma poça vermelha. A mãe estava estirada no colchão, os olhos ainda abertos e diferentes do que eram em vida, dava para ver no olhar da mãe que agora estava em paz. Marine olhou para os dois pulsos cortados profundamente pela faca jogada ao lado da cama. Não sabia o que sentir pela mãe. Não sabia mais se era possível sentir algo pela mulher que a colocou no mundo.

Letícia Fleming se suicidara aos 33 anos de idade.

- Mãe. - Marine suavemente fechou os olhos sem vida. – Descanse em paz.

Ela sai do quarto em silêncio, encosta a porta do mesmo jeito que estava ao chegar. Volta para a sala, ainda sem esboçar qualquer reação com a cena vista. Liga para o pai, que a atende prontamente.

“Oi, Nina! Está tudo bem por aí?”

- A minha mãe está morta, papai.

Tamiris Vitória
Enviado por Tamiris Vitória em 31/12/2017
Reeditado em 30/01/2022
Código do texto: T6213578
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