Presépio osvaldiano
É meu, e pode ser também seu, à toa, meu bom ateu. O autor, Osvaldo André, com quem cursei o colegial em Divinópolis, lá mora ainda, sempre na lida com a Cultura.
Por três anos convivemos, como alunos do São Geraldo e do Estadual do Porto Velho numa relativa harmonia, comungando o ideal da poesia, que ele escrevia, e eu lia.
Nem os belos joelhos de Adélia, a mestra da Filosofia, ou os lúcidos Lusíadas de Adércio tirariam Osvaldo de sua inspirada lira, por mais que coração se fira. E entretempo, meio século decorrido, o mundo gira.
E esse presépio daí de baixo, é mera amostragem dessa tamanha osvaldiana bagagem. O resto é babagem.
Presépio
Para Frei Bernardino Leers
Ao redor do lago de espelho,
a exuberante plantação de arroz.
A serragem verde de anilina representa
grande parte da vegetação do presépio,
porém deixa emergir tufos de avencas,
dinheiro-em-penca, begônias e áreas sombrias de lodo.
A gruta foi cuidadosamente construída, usando-se
jornal recoberto por grude e tinta de sapato,
salpicado de malacacheta em pó,
preparando-se o topo para dependurar o Anjo Gabriel
com a sua faixa GLORIA IN EXCELSIS DEO e o nicho
para o galo cantar. No relevo mais alto da paisagem,
acaba de pousar a estrela-guia, Lá no caminho serpeante,
aproximam-se os Reis Magos. As encostas,
reservadas para as ovelhas e os carneiros pastarem,
à música de flauta dos pastores.
O interior da gruta, guarnecido de flores secas, musgos,
líquens, conchinhas do mar, caramujos da terra
e outras opacidades para destacar o laminado da estrela de papel.
Da serraria até a estrebaria, as raspas de madeira,
ao natural, viram feno, ali no cercadinho, onde já comparecem
o burro e o boi que não param nunca de adorar
a sagrada ausência na manjedoura.
Maria e José pressentem toda a azáfama da família reunida,
a natureza que se transforma, a alegria reinventada,
mas não cessam jamais de contemplar a luz divina
que se manifesta e cresce na manjedoura.
Uma legião de serafins e querubins em púrpura
sobrevoa a lapinha e canta a glória de Deus,
na terra dos homens em paz.
As trilhas descem as encostas da gruta,
vão dar no caminho que serpenteia o enorme descampado
e termina na borda frontal
do presépio exatamente para receber o visitante.
Agora, há cisnes deslizando no imóvel lado de espelho.
As galinhas com seus pintinhos ciscam à sombra de renda
das avencas. Contudo, de repente, faz-se um agudo silêncio.
A vida se cristaliza cheia de graça neste novo presépio.
Nasceu o Deus Menino, o Salvador.
Osvaldo André de Mello