Se há janelas, aja nelas...
Se há janelas, aja nelas
Acreditando sem contestação em histórias como a do cabloco d´água do mítico Rio São Francisco,ou da serpente que insidiosamente iludia a mãe nutriz, sugando-lhe o seio, enquanto entretia o bebê com o próprio rabo, mamãe, com apenas o primário completo, abriu-nos janelas para o mundo, como para o nosso próprio interior.
Hoje, passando ao lado da antiga fábrica de tecidos onde ela trabalhou por três décadas seguidas, e em processo voraz de demolição para a instalação de um condomínio residencial moderno, pude ainda ver, já sem telhados, paredes que formavam os vários galpões da centenária outrora imperiosa Cia de Tecidos Pitanguiense, a Cetepense.
Mas deu para ver bem, as sete janelinhas gradeadas de um dos porões escuros por onde, lhe passávamos, sempre na terceira delas, e quase na surdina, um prato de comida ou alguma bebida que Zezé não tivera tempo tomar em casa, tal era a correria em que vivia para cumprir os rígidos horários da "fapa", onde sua derradeira função foi como cordoeira. E à qual se dedicou com tal entusiasmo que até hoje, mais de quatro décadas de sua aposentadoria ainda fala nos barbantes e cordões que urdia.
E por quê só a terceira janelinha, se eram sete rigorosamente iguaizinhas? É que justamente essa terceira tinha, entre as barras verticais bem simétricas, uma alça amassada que permitia, com justeza a passagem de um prato com tampa, ou de uma garrafa de tamanho médio.
A origem dessa torção na alça é-nos desconhecida e não chegamos a especular sobre esse alargamento providencial, esse canal vital. E nada obstante as condições duras, quase inflexíveis que se aplicavam sobre a massa operarial - menos a dita alcinha - mamãe tem recordações caras e até mesmo doces desse seu tempo fabril, que se iniciou ainda na menor idade no Brumado e se estendeu até meados da década de setenta, para ver a filharada encaminhada pelas janelas que lhes abriu para o mundo.