Como (quase) perdi a Karen
Jorge me convidou para almoçarmos juntos. Sabia que eu precisava conversar a respeito do que acontecera no bar. Ele me conhecia o suficiente para saber que o retorno de Isabela seria capaz de me tirar o sono. E tirou mesmo.
- Você está com uma cara horrível. – Comentou, quando nos sentamos a mesa. Eu revirei os olhos. – Sério, sou seu amigo, tenho que ser sincero.
- A Karen não atende as minhas ligações.
- É esperado.
- Não responde minhas mensagens.
- Previsível.
- Excelente ajuda, meu grande “amigo”!
- Desculpe. – O garçom se aproximou e tirou nossos pedidos. – Você sabe que errou ao deixa-la ir embora sozinha, não é? – Assenti. – Mas compreendo que você não tinha como fazer diferente já que Isabela estava ali.
- Eu odeio ela.
- Você a ama, Leo. Você a ama e não é pouco.
Suspirei, desolado. Jorge era assim, falava o que você não queria ouvir, doesse ou não. Essa era uma das coisas que faziam dele um ótimo conselheiro e também ouvinte, mas também muito cruel na maior parte do tempo.
- Você ama a Isabela. – Repetiu, sincero. – Mas você sabe que a Karen é a mulher certa para você. É muito notável quando vocês estão juntos. É como ela fosse seu alicerce. Mulher assim, irmão, você só encontra uma vez e elas entram nas nossas vidas para nos salvar de mulheres como a Isabela. Donas e também as responsáveis por dilacerar nossos sentimentos.
- Eu não mereço a Karen.
- Talvez sim, talvez não. Você errou, cara. Todo mundo erra. Se martirizar por isso não vai mudar as coisas. A volta dela é uma realidade! – Eu só ouvia a tudo, balançando a cabeça e concordando, perdido em meus próprios pensamentos - Você precisa olhar nos olhos da Isabela e dizer tudo o que realmente pensa. Ex já é uma droga, Leo. Ex-namorada que você não deu um ponto final é pior ainda.
- Você está certo.
- Sim, eu sempre estou. Por isso você só confessa seus pecados comigo. – Ele ergueu a mão, chamando a atenção do garçom. – Ô, meu abençoado! Cadê a comida?
Depois do almoço retornei ao trabalho e tentei por diversas vezes falar com a Karen. Não obtive sucesso em nenhum meio de comunicação possível. A única chance que eu tinha de conseguir me explicar (mesmo sabendo que não tem como explicar o que fiz) era indo busca-la na faculdade.
Não foi uma boa ideia. Karen, ao me ver na porta da faculdade me olhou com o mais profundo desprezo e mágoa que eu já vi num olhar feminino. Demorei algum tempo para convence-la a entrar no carro, e na verdade ela só aceitou entrar quando viu que o tempo ameaçava chover.
- Nós precisamos conversar.
- Não.
- Karen... – Eu tentei tocá-la, mas ela se esquivou. – Deixa eu tentar falar, por favor.
- Você vai me falar o que, Leonardo? Vai me falar que foi uma recaída? Que já superou? Eu não sou IDIOTA! – Ela deu um soco no banco de passageiro onde estava. – Aliás, eu SOU! Porque se eu tivesse o mínimo do respeito por mim mesma nem teria ficado contigo! – E vieram as gesticulações nervosas. – “Ah, mas o que custa tentar mais uma vez? Ele é tão lindo, parece ser tão diferente!” Maldita sina. Meu Deus, eu sou completamente ridícula!
Ela se calou em seguida, sem ar. Eu a observei em silêncio, balançar a cabeça e em seguida chorar. Karen escondeu o rosto nas mãos. Era horrível constatar o quanto eu não a merecia, e mais ainda saber que me tornei um ser tão egoísta a ponto de usar o que ela sente para me livrar de Isabela.
- Me ajuda. – Pedi, com a voz baixa. Era a minha última tentativa. Ela me olhou, surpresa com a sinceridade no pedido. – Eu preciso de você.
- Precisa de mim para o quê?
- Para eu me livrar do que ela me fez. Eu não quero mais sentir nada disso, Karen. – Segurei a mão dela que dessa vez não recuou. – Me ajuda a esquecer a Isabela, eu imploro.
- Não me pede isso, Leonardo.
- Eu sei que nós podemos ser felizes juntos, Karen. Eu só preciso que você me ajude.
- Você precisa se resolver com ela, colocar seus pingos nos “is”. Eu não posso fazer isso por você. – Disse, simplesmente. E notei que o tom de sua voz se acalmara, isso me trouxe expectativa.
Eu não queria perder a Karen, mas também não sabia como tirar Isabela da minha vida. Eu só sabia que uma me salvaria da outra.
- Você está certa. – Concordei, a olhando. – Eu sinto muito por isso tudo.
- Eu a encontrei hoje mais cedo no ônibus.
- O que?
- Nós só discutimos, Leonardo. Não precisa me olhar assim. – Relaxei meus músculos. – Ela é uma grande vaca egocêntrica, mas falou a verdade, você a ama. Não tenho como competir com isso. Só vocês podem se resolver.
- Eu vou conversar com ela. – Karen deu um longo suspiro. – Só conversar, Karen.
- Tudo bem.
- Olha para mim. – Ela obedeceu. – Eu quero você, Karen. Eu quero muito você.
- E eu gostaria de acreditar em você, mas no momento é impossível. E acho que você pode compreender isso, não é?
- Posso.
Eu a deixei em casa alguns minutos depois. Foi uma despedida silenciosa. Ela me abraçou por um longo tempo, e se eu pudesse descrever o abraço seria como “longo, confortável e triste”.
- Espera por mim. – Pedi, no ouvido. Ela segurou em minha cintura, forte. – Por favor?
- Espero. Eu espero por você o tempo que for necessário.
(...)
Parado na porta de casa Isabela, vivi uma terrível onda de lembranças perturbadoras de 5 anos atrás. Tudo parecia recente, mesmo que já fizesse bastante tempo, o que tornou aquilo mais vivo e doloroso. Como o síndico do prédio me anunciara, eu sabia que ela me esperava. Toquei a porta, tentando me manter em pé, mas os ossos dos meus joelhos viraram duas gelatinas. Ela abriu a porta. Usava calça moletom e uma blusa do Radiohead. Os cabelos, agora longos e de uma única cor, estavam presos em um coque. Seu olhar fixou-se ao meu, me estudando. Eu passei por ela e ignorei o quanto o seu cheiro me atiçava e me enlouquecia.
Não ouvi quando a porta foi fechada, pois, me senti transportado para aquele 23 de fevereiro. Ela ficou parada, em silêncio.
- Por que você discutiu com a Karen, Isabela? – Me virei, lentamente. – Por que você simplesmente não pode me deixar ser feliz?
- Porque você está se enganando, Leonardo. E até ela sabe disso.
Segura nas palavras, mas não tão confiante, ela cruzou os braços antes de se sentar na perna do sofá. Respirei fundo, mas continuei de costas.
- O que eu infelizmente ainda sinto por você, é algo que se tornou irrelevante. Era o que você queria quando acabou com nosso relacionamento daquele jeito, não era? – Me virei, enfim. Ela escondeu a mão no rosto. – Você queria viver a sua vida perfeita entre o Rio de Janeiro e Curitiba porque eu era um cara incapaz de sair da minha confortável vidinha de playboy carioca. E aquele playboy carioca estava disposto a fazer qualquer coisa para você ficar na vida dele, como aprender a dirigir e até CASAR! – As revelações a deixaram de queixo caído. – Sim! Naquele maldito 23 de fevereiro, Isabela Fischer, esse imbecil aqui estava com um anel de noivado e chaves do meu primeiro carro nos bolsos da calça!
- Você super... - Eu a puxei pelo braço, agressivo e não deixei concluir suas palavras. – Leonardo! Você está me machucando!
- Isso não chega perto do que você me fez.
- Leo... Para...
- Você me destruiu, Isabela. – Sussurrei em seu ouvido. Ela se segurou em mim. – Você acabou comigo daquele jeito, e tudo porque o seu egoísmo foi maior do que a sua capacidade de respeitar os meus sentimentos. – Agora nos olhávamos. As lágrimas dela não me comoveram, ao contrário das minhas, que a fizeram chorar ainda mais.
- Leonardo... Por favor... – Soltei seu braço e dei um passo para trás, me afastando dela.
- Eu queria passar o resto da minha vida ao teu lado, Isabela. Desde quando eu te vi na praia, soube que era você e que sempre seria você.
Isabela sabia como aquela conversa terminaria, e vê-la sofrer por aquilo me trouxe algum conforto. Relações humanas as vezes são extremamente cruéis.
- Eu amo você, Isabela. – Sentada no sofá, ela me olhou de soslaio. – Muito. E para sempre. – Balancei várias vezes a cabeça em um sim. - Mas eu não gosto mais de você. Eu quero a Karen. Eu escolho a Karen.
Aquele momento era como o fim de uma música triste. Ela abriu a boca duas vezes, parecia que ia dizer algo, confesso que inocentemente esperei ouvir algo, um “eu lamento por isso, Leonardo” ou talvez um “Eu te amo”, mas Isabela, chorosa, virou para o outro lado. Era incapaz de admitir um erro daquele tamanho, mas nada mais disso importava para mim. Eu estava sentimentalmente livre.
- Adeus, Isabela.