Isabela



Eu me lembro daquele dia porque fazia muito sol. Não era um sol qualquer, do tipo que só nos incomoda e não ajuda em nada a natureza. Era um belo dia de sol. Sol para se estar na praia. Um dia típico de carioca. Dia lindo.

O nosso primeiro encontro não foi bonito como nos livros, muito menos romântico, como nos filmes, mas lá estava ela. Claramente uma turista. E uma turista irritada por levar uma bolada na cabeça.

Caminhei inicialmente sem olhar para ela, e quando o fiz precisei tomar fôlego. Com a bola nas mãos, me olhou furiosamente linda.

- Tu é cego? — Perguntou, tirando os óculos escuros. O sotaque entregou que era nascida em algum lugar do Sul. A amiga, ao lado, sorriu para mim e depois se ajeitou na cadeira colorida de praia, parecendo se divertir com o que estava prestes a acontecer.

- Cara! Deus me livre ser cego e não poder ver uma coisa tão bonita como você!

Ela revirou os olhos e estendeu as mãos para me devolver a bola. Aos 25 anos eu era dono de uma confiança inabalável, que seria posta em desafio por aquela garota com cabelo colorido.

- Avisa para os guris terem mais cuidado!

- Gaúcha?

- Curitibana.

- Eu quero sair contigo.

- Que ótimo! - Ela sorriu, adorável.

- Então isso é um sim?

- Isso é um não.

E essa tinha sido a primeira de 4 rejeições, todas num sábado. Na segunda vez que nos encontramos, descobri o nome dela. No terceiro, o que fazia no Rio de Janeiro e também sua idade. No quarto encontro, ela aceitou tomar a minha água de coco, mas se negou a sair comigo. Na minha última tentativa, decidi fazer o contrário. E aí veio o resultado.

- Então… Chegamos - Ela parou em frente a porta de entrada para o prédio onde morava. Um condomínio simples, há 10 minutos da praia.

- Parece um lugar legal de morar.

- Não acho ruim.

- Eu preciso ir. - Dei um beijo leve em seu rosto, e senti a mão dela em minha cintura, me impedindo de me afastar. Ela me olhou, curiosa. Parecia ser a primeira vez que realmente me via como um homem e não como um rapaz qualquer que conhecera na praia.

- Eu gosto do jeito que os cachos dos seus cabelos enrolam depois que você sai da água.

- Acho teu cabelo muito louco. - Isabela usava chanel na altura do ombro, com algumas mechas rosas. Facilmente se destacava com isso, mas quem via os olhos dela, jamais a esquecia. Para mim o mais marcante era o seu olhar. Eram olhos meigos, mas sensuais e inteligentes. Como se ela pudesse acabar com a sua vida, mas com toda a suavidade possível.

- Tu não me convidou pra sair até agora. - Havia uma cobrança sútil na frase. Ela passou a mão pelo meu pescoço e sorriu ao me ver arrepiar.

- Meus amigos disseram que eu já deveria ter pedido música depois do 3º fora. Desisti de você.

- Mesmo?

- Você está brincando comigo, não é?

- Eu pareço estar brincando? — Ela encostou os lábios na minha bochecha, ameaçando me beijar. Minhas mãos foram para sua cintura e a apertei de leve.

- Cinema, sexta-feira às 20:00. Não se atrase.

Durante 5 anos nós fomos a vários cinemas, as sextas, sábados e domingos. E em outros dias também, quando tínhamos vontade. Durante 5 anos eu mudei a vida de Isabela e ela mudou a minha vida. Ao lado dela dei continuidade na minha vida acadêmica, mudei hábitos, corte de cabelo, roupas, comprei meu próprio apartamento e me libertei de um trauma de infância. Com ela tive vontade de dividir toda a minha vida. Isso é uma consequência de um relacionamento onde há amor, certo?

Era para ser. Ao menos, era nisso que Isabela me fez acreditar.

Há 5 anos, quando a conheci, fazia um dia de sol muito bonito. E no dia que ela terminou comigo, o clima era tão ou mais bonito que naquele 23 de fevereiro. Fato curioso.

- Bela? — Entrei em seu apartamento segurando uma chave no bolso. A chave do meu primeiro carro. Demorei algum tempo para notar as 4 malas que estavam perto do sofá. Ela apareceu com o celular próximo ao ouvido, falava com alguém.

- Eu sei, mãe. Eu sei. Ok, te amo. Tchau! — E então desligou o telefone.

Ela sabia que eu estava ali, mas não me olhou. Continuou arrumando suas malas e indo de um lado para o outro, deixando que eu notasse sozinho o que acontecia no apartamento.

- Isabela? Eu tenho que te cont…

- Leonardo, espera.

Ela deu alguns passos até a minha direção, mas parou a certa distância. A expressão dela fez toda a minha alegria sumir como num estalar de dedos. Algo acabaria naquele dia.

- Eu não sei como fazer isso. Eu sou péssima em despedidas.

- Despedidas? — Perguntei, confuso. - E essas malas, Bela?

- Eu estou voltando pra Curitiba, Leo. Não tenho tempo de te explicar tudo agora.

- Tudo o que? Você está indo embora e não pensou em me avisar?

- Sim, pensei, mas não sabia como. Eu ganhei uma vaga como professora de dança moderna pela prefeitura de Curitiba. Eu tenho que ir.

- Diz que isso é brincadeira. — Eu sentia uma inevitável palpitação no peito e um fraquejar nas pernas. — Sério! Você está brincando!

- Eu amo você! Eu amo muito, mas… - Eu só conseguia ouvir fragmentos do que ela dizia. Sabe quando você vê toda a história do seu relacionamento passando pelos seus olhos e não pode fazer nada? É tudo muito bagunçado. É doloroso, confuso. — Eu me prendi muito nesse relacionamento. E é só isso. É como você não tivesse planos ou desejasse crescer, Leo. — A chave que eu segurava no bolso começava a pesar mais do que o normal. — Eu quero viver mais. Não quero ser uma dona de casa. E você está praticamente pronto para viver uma vida como a dos seus pais... — Naquela altura eu já tinha perdido a minha capacidade de fala. — Totalmente tranquila. Tem o seu emprego, ótimo emprego por sinal, mas você está nele desde sempre. Rio de janeiro. Praia. Filhos. Uma casinha. E você nem dirige. Então sem carro. — Ela sorriu, triste. — Eu preciso viver, você entende? Eu quero viver além. Prometo te ligar e iremos conversar com mais calma, mas tenho que ir.

Ela me deu um beijo no rosto, tão rápido e indiferente que não parecia que acabava um relacionamento de 5 anos. Um relacionamento que eu tolo, achei que seria para sempre.

- Dona Isabela? — Era Vilson, o síndico do prédio que a chamava na porta.

- Oi, Vilson! — Eu a segurei pela cintura. — Leo, não faz isso.

- O que você está fazendo conosco, Isabela?

- Eu estou vivendo, Leo. Eu estou querendo algo a mais. - Ela tocou meu rosto, suavemente. Isabela era perfeitamente cruel quando queria. — Você deveria fazer o mesmo.

E ela foi embora com uma batida leve na porta, completamente o oposto do duro golpe que Isabela me dera. Deslizei pelo chão alguns minutos depois, completamente destroçado. A garganta começava a coçar, mas eu sabia que não iria chorar. Não agora. Tudo havia sido rápido demais e o choque não me deixava processar o que acontecera. Tempo. Eu precisava de tempo.

Mexi no bolso esquerdo da calça jeans e tirei a caixinha vermelha de veludo e do bolso direito, a chave do meu carro.

Isabela me abandonara no dia que conquistei minha carta de motorista.

Abri a caixinha e dentro um anel de noivado de ouro reluzia para mim. Tinha um brilho tão bonito que me fazia lembrar daquele 23 de fevereiro. Era bonito, como ela e como nosso relacionamento sempre fora.

Isabela, terminou comigo no dia que eu a pediria em noivado. E tudo isso, ironicamente acontecera num dia 23.

E assim começa a minha história.

Tamiris Vitória
Enviado por Tamiris Vitória em 20/04/2017
Reeditado em 15/02/2022
Código do texto: T5975839
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