Dando adeus aos demônios do passado
Em uma única e decisiva semana vi o meu passado ficar para trás totalmente. Depois do meu encontro com Sara no mercado, liguei para a polícia informando sobre o paradeiro de Elena. A prisão aconteceu 1 hora depois, e fiz questão de estar presente no momento. Ao me ver junto com Michel, Elena, ensandecida, gritou que ainda voltaria para me matar. Eu a provoquei mandando um beijinho no ar. Infantilidade? Sim! Mas foi delicioso vê-la quase ter um infarte de tanto ódio.
Passados dois dias, Michel recebeu a ligação do pai dizendo que iria se entregar à polícia pelo crime de assassinato de minha tia. E no fim da semana recebi um e-mail de Neusinha me informando sobre a prisão do herdeiro Babinsky. Procurei na internet alguma notícia e em todos os portais alemães falavam sobre a prisão do filho de um dos mais poderosos do país. É claro que nesse processo eu tive que ir até a delegacia dar meu depoimento diversas vezes, e apesar de exaustivo, a polícia pedia minha paciência, pois estavam perto demais. Elena, pelos 2 crimes de assassinato (minha tia e Thomas) e meu rapto e tortura foi sentenciada em 40 anos de prisão. Bill, seu cúmplice foi encontrado morto na mesma semana. Então para aquele homem a justiça divina foi mais rápida. O pai de Michel recebeu 35 anos de prisão. Já para Immanuel, a justiça alemã foi tão cruel e implacável como a história de seu povo nos livros. Ele recebeu 75 anos de prisão por 2 estupros e também pela morte causada por atropelamento. Os tabloides alemães foram a loucura! Nada de tão bombástico acontecia em Berlim desde a descoberta de um político que traía sua esposa com o jardineiro deles.
No último dia que precisei ir à delegacia, lembro-me de ter saído de lá aos prantos sentindo que uma parte da minha vida tinha enfim sido deixada para trás. Eu nem me lembrava como era me sentir em paz comigo mesma. A sensação era leve, como se minha vida começasse novamente.
Naquele dia Michel decidiu que deveríamos comemorar em nosso apartamento. Compramos duas garrafas de vinhos, pizzas e cervejas. Samanta recebeu a ligação de Luan. Eu pedi para que ela o chamasse para a comemoração sob risinhos meus e de Michel.
- Nossa, como vocês são bobos! – Ela tentou disfarçar o rubor de seu rosto bebendo uma taça de vinho. – Ele é só meu amigo.
- Será? – Perguntou Michel.
- Claro que sim!
- Última vez que eu disse que um homem era só meu amigo terminei casada com ele. – Falei, olhando de canto para Michel, que sorriu. – Mas tudo bem!!! Você não quer admitir...
Samanta ficou em silêncio por algum tempo, pensativa. Ela não sabia o que sentia pelo charmoso garçom Luan, mas sabia que sentia algo. Esse algo era reconfortante. E como todo novo sentimento, causa medo e estranheza.
- Vamos fazer um brinde! – Anunciei, com todos os três ao redor da mesa e Miguel brincando no chão, ao lado do pai. – Um brinde a justiça, ao amor e a todas as coisas boas que vão acontecer conosco a partir de agora!
Eles aproximaram a taça da minha, batemos levemente uma na outra e a erguemos.
“Que toda a dor sofrida não nos torne pessoas fracas e vulneráveis, mas sim fortaleça esse elo e o torne inabalável. Amém.” – Pensei, observando o riso e a alegria de Michel e Samanta enquanto viam Miguel se entreter com um ursinho, presente de Bernard.
- Eu quero fazer um brinde. – Samanta disse, erguendo sua taça. – Acho que vocês sabem de quem falo.
- Sim. – Respondemos eu e Michel.
- Ao Bernard! – Exclamou, com a voz embargada.
- Ao Bernard! – Nós repetimos.
Erguemos a taça mais uma vez, sabendo que de onde estivesse, Bernard estaria nos vendo e satisfeito, pois sempre foi assim que queria nos ver, em festa. “A ti também, meu amigo. Jamais esquecido, jamais no passado.” – Acrescentei mentalmente e com os olhos fechados. “Sempre lembrado.”