O assunto errado na hora errada
Alguns dias depois...
- Eu não sei o que fazer, Sam. Não sei nem como iniciar esse assunto com o Michel.
Nós estávamos no apartamento que agora pertencia a Samanta, já que Michel e o filho moram comigo. Apesar do meu receio em deixa-la sozinha, ela se saía muito bem.
- Bom, a senhora vai precisar chegar e mandar na lata “estou recebendo uma proposta para voltar a Alemanha”. Não tem como ter cautela nisso.
- Você está certa...
- Você quer voltar para a Alemanha? – A pergunta dela me fez refletir, agora mais calmamente. Era um sonho presidir a matriz, mas realizar esse sonho era perder Michel e tudo o que conquistamos. Era jogar tudo para o alto a troco de algo que me faria voltar ao passado. E sinceramente não sei se vale a pena.
- Eu não sei... Sinceramente, estou muito confusa.
- Pense, dona Malu... E conte logo para ele, sugiro até que faça isso antes do batizado do Miguel.
- Sim, farei isso.
Michel decidira na noite anterior, após um jantar comigo e Samanta que queria batizar o Miguel o quanto antes. Nada muito grande, apenas para os mais próximos. Ele se encarregou de ir à igreja conversar com o padre pois queria realizar o batismo de forma póstuma por conta do falecimento de Bernard falecera e nós não pretendíamos substitui-lo.
- Eu vou resolver isso.
- Boa sorte!
- Vou precisar.
Depois da visita a Samanta, voltei para o trabalho e fiz o possível para não deixar que a oferta de Ernest me pesasse os ombros, mas não obtive sucesso. Saber que algo ainda conseguia me deixar em dúvida quanto ao meu relacionamento com Michel era angustiante. Me sentia como se estivesse o traindo.
Contei para Neusinha quanto a oferta de Ernest, e ela foi mais objetiva e meio cruel. Me fez lembrar de tudo o que vivi, e de como isso mudaria toda a minha história com Michel. “Você não teria outra chance de reviver algo com Michel. A Babinsky na Alemanha é um sonho para qualquer um, Malu, mas você já esteve daquele lado e sabe como é estar lá.”
E ela estava certa. Eu não devia nem sequer ter me atraído pela oferta. Porém não consigo achar um pecado pensar no “e se”.
Michel me esperava no sofá quando cheguei em nosso apartamento no final da noite. Via televisão, sem muita preocupação. E a julgar pelo silêncio, Miguel devia estar dormindo.
- Finalmente! – Ele pulou do sofá e veio em minha direção. – Dia puxado?
- Bastante. – Evitei o máximo que pude olhar para ele. Segui para o quarto, deixei minha bolsa e voltei. Michel me seguiu. – Hã, e aí? Foi na igreja?
- Sim! O padre disse que não tem problema algum apadrinhar o Miguel de forma póstuma.
- Que bom! – Sorri para ele, mas mantive todo o esforço em não o olhar nos olhos. Eu sei que se isso acontecer vou acabar entregando o que me aflige e vamos brigar. Eu não quero mais ter que brigar. – Vou tomar banho.
- O que você tem?
- Dor de cabeça.
- Você não fica com dor de cabeça, Maria Luíza.
Revirei os olhos.
- Você está me dando dor de cabeça com todo esse interrogatório.
- Mas eu só per... – Me aproximei dele, selei nossos lábios e senti as mãos dele na minha cintura.
- Vou tomar banho.
A desculpa da dor de cabeça obviamente não colou. Michel passou ao menos duas horas tentando arrancar de mim o que estava acontecendo. Eu sabia que deveria falar, mas não conseguia formular as palavras.
“Merda, ele está tão feliz com o batizado, eu vou estragar tudo.”
- Maria Luíza, é sério! O que você tem?
“E se eu não contar e falar não pra Ernest?”
- Eu estou falando com você, mulher!
- Oi.
- O que você tem? Eu te conheço, você só fica calada assim quando quer me contar algo e não sabe como!
- Certo, eu vou te contar.
Ele sentou-se na cama, me olhando entre a curiosidade e a ansiedade. Eu gostaria que Michel não tivesse segurado a minha mão e fixado seus olhos verdes em mim com total e completa atenção. Merda! Eu devo estar com cara de paisagem, pois ele acaba de franzir o cenho.
- O Ernest e eu almoçamos. – Respirei fundo.
- Sim, disso eu sei, mas você não me contou como foi...
- Foi bom. Ele me falou sobre Immanuel, me pediu desculpas sobre tudo o que o filho me fez, mesmo sabendo que não tem perdão... E que vai tomar medidas drásticas junto a polícia.
- Sério? Nossa! Mas isso é muito bom, Malu!
Michel sorriu, mais relaxado, depois voltou a se deitar como se a conversa tivesse acabado ali.
- Sim, é ótimo. – Trêmula, precisei de muita força para conseguir continuar. - Ele me convidou para presidir na Alemanha, no lugar de Immanuel.
Michel não me olhou, mas eu precisei olha-lo e estudar suas reações. Talvez ele não tenha nenhuma reação exagerada, afinal, não dei resposta alguma.
- E o que você disse? – O tom de voz dele foi gelado, combinando com a expressão de seu rosto.
- Não dei resposta alguma... Ele me pediu para pensar. Ficará mais 3 dias no Brasil resolvendo algumas pendências.
E foi aí que a coisa desandou.
- Acho que se você soubesse o que quer, nem teria o porquê de Ernest esperar uma resposta sua!
Ele saltou da cama, com raiva. Mexeu no cabelo e chutou a poltrona do nosso quarto.
- Michel... Era isso que eu queria evitar.
- Ah, queria mesmo?
- Sim.
- Você sabe o que isso significa, droga! Sabe que isso significa o fim de nós dois! DE NOVO!
- Eu sei.
- SERÁ QUE SABE MESMO? – Ele fechou o punho esquerdo e o colocou na boca, como se tentasse se controlar. Levantei, com as pernas bambas, devido toda aquela carga emocional que vem com uma conversa difícil e fechei a porta. – O que mais me dói, Maria Luíza... É que eu não posso te impedir. Eu não posso te prender em casa e impedi-la de ir para a Alemanha.
- Eu não dei resposta alguma. Estou te contando porque não quero mais que escondamos as coisas um do outro.
- É o teu caminho, Maria Luíza. Eu sei do quanto você ama trabalhar na Babinsky, sei de onde você era e onde chegou. A minha história lá também foi isso. Vim de muito baixo e cheguei longe. Só que para mim deu. Eu não quero mais fazer parte daquilo. Principalmente depois do que vi aquele imbecil do Immanuel fazer contigo. O que eu tenho a te oferecer é isso... Não posso te dar uma presidência na Alemanha e também não posso te obrigar a viver o resto da sua vida comigo.
Antes que eu pudesse responde-lo, Michel tirou um travesseiro da cama e saiu do quarto. Esperei o resto da noite que ele voltasse e dissesse que compreendia a minha situação, que não me odiaria por isso e que só esperaria eu pensar, mas não aconteceu. Só consegui dormir quando o dia amanheceu e ainda assim porque chorei ininterruptamente por horas. Quando levantei para trabalhar, ouvi Michel no quarto conversando com Miguel.
“É, filho. Estão tentando tirar o amor do papai de perto dele... De novo. E eu não tenho como impedir.”
“Maliza?”
“É, filho... A Maliza.”
Trabalhar como sempre, me ajudava a esquecer dos problemas em casa, mas toda vez que eu dava uma pausa, o olhar de Michel me vinha a cabeça, seguido da conversa com Miguel. Na hora do almoço Sam veio me visitar para conversarmos sobre o batizado e também sobre a conversa com Michel.
- Era de se esperar, não era? – Ela me perguntou, depois que o garçom trouxe os nossos pratos.
- Sim. Era. E a forma com que ele me falou tudo aquilo me deixou ainda pior.
- É muito a se perder, dona Malu. Quer dizer... A senhora tem uma carreira brilhante. Qualquer empresa se mataria para te ter no quadro de funcionários. Agora um relacionamento tão bom e bonito como o seu e do Michel é difícil... Impossível.
- Eu sei, Sam.
- E não sei, posso estar enganada, mas será que esse convite do chefão lá, será que não foi algum tipo de presente pra calar a sua boca pelo o que você passou com o filho?
A pergunta de Sam me pegou desprevenida. Eu não tinha visto a coisa por aquele lado, somente pelo lado de funcionária. E agora vendo através da visão de Samanta, tinha sentido.
- Eu preciso pensar.
- Pense. E agora vamos falar sobre o batizado de Miguel?? Michel tinha combinado que viria, mas desistiu de última hora e eu não sabia o porquê. Disse que qualquer coisa que você decidisse ele está de acordo.
Dei um meio sorriso, triste. As coisas não precisavam ser tão complicadas assim.
- Vamos!