Miguel


Demorou algum tempo para que eu visse Michel sorrir novamente. Para ser mais precisa ele só conseguiu se reerguer depois de quatro meses. E ainda não totalmente. Nesses quatro meses muita coisa mudou.

A primeira mudança foi no trabalho. Michel pediu demissão na Babinsky e deixou como indicação para o seu lugar a Neusinha, o que foi prontamente atendido por mim e pela matriz, na Alemanha. Conversamos com Samanta e entramos num acordo sobre os cuidados com Miguel. Ela cuidaria dele na parte da noite, e no turno da manhã o Michel ficaria encarregado disso.

Michel passava os dias mais silencioso, e as poucas vezes que eu o via gargalhar era na presença de seu rebento. Samanta aos poucos focava toda a sua dor em estudos e no Miguel. E quanto a mim, desde que todos estivessem bem, a minha dor ficava para depois.

Michel entrou no quarto minutos depois de me ver chegar do trabalho. Ele estava brincando com Miguel, que agora gastava uma maior energia de qualquer um que estivesse ao seu lado.

- E como foi no trabalho? – Perguntou, encostando-se a porta. Tirei os sapatos e os coloquei na sapateira. Na noite anterior nós havíamos nos desentendido por causa de uma cortina da sala. E essa foi de longe a maior briga de casal que já tivemos.

- Bem. Relatório, reuniões, comercial pra fazer, explicação pra dar a gente que tem uma azeitona no lugar do cérebro, sem novidades. E você?

Ele sentou na cama diminuindo a nossa distância. Eu estava morrendo de saudades, mas a discussão realmente me deixara chateada. Como ele tem coragem de dizer que a minha cortina parecia um bolo de abacate com três camadas?

- Estou bem. O Miguel me cansou demais hoje, acho que estou ficando velho.

- E cadê ele?

- Eu o deixei brincando naquele tapetinho no quarto.

Parei na frente de Michel e apontei para o zíper do meu vestido. Quando nossos corpos enfim se tocaram, senti o calor emanar dele e minhas pernas fraquejaram. Uma mão foi para a minha cintura, com suavidade. O vestido deslizou pelo meu corpo lentamente.

- Desculpa pelo meu comentário cretino sobre a cortina, sei que te deixei braba. – Ele encostou os lábios na minha orelha e me apertou a ele com mais força.

- Deixou.

Afastei o vestido com os pés.

- E como é que eu posso me redimir?

- Pedindo desculpas para a minha cortina. – Ele sorriu e depois assentiu, concordando. Coloquei a mão sob seu peito e o guiei até a cama.

- Só assim? – Perguntou, depois que foi jogado na cama. Eu montei em cima dele, que me segurou pelos quadris. A mão dele passou por minhas coxas, me arrancando um suspiro satisfeito. Tentei disfarçar, fingir que não estava nem aí, mas Michel sentou-se comigo no colo e me beijou, desmontando toda e qualquer defesa minha. As mãos pararam nas minhas costas e um dedo passou pela minha coluna cervical, automaticamente tendo efeitos inapropriados em mim.

- Sim...

- Fica tão bonitinha dequando tenta lutar contra o prazer. – Debochou, me fazendo revirar os olhos com sua provocação. Primeiro ele colocou a mão sob a minha cintura, ameaçando baixar minha calcinha. A mão esquerda subia por minha barriga e agora a esquerda segurava minhas costas. Ofeguei baixinho, bem próximo do ouvido dele.

- Papapa...

O som me fez parar. Olhei para a porta e uma criaturinha de quase 8 kg e um olhar cheio de doçura me olhava. Sentadinho com as pernas abertas, de modo que conseguia se sustentar tranquilamente, ele me olhava de modo maroto.

- Michel...

- Você não ouse me parar agora, Maria Luí... – Na verdade eu não precisei pará-lo, pois uma única palavra de 5 letras e um significado imensurável fizeram Michel parar.

- Papai...

Eu saí do colo dele, totalmente emocionada. Michel, para não assustar o filho foi até ele lentamente, com os olhos já marejados e o pegou no colo.

- Oi, filho.

Eles se olharam. O verde no verde. O amor puro na troca de olhar. E teve toda aquela conexão entre pai e filho que a gente nem sempre vê entre um bebê e seu pai.

- Pa. – A primeira tentativa.

- Oi.

Sentei-me ao lado deles e segurei a mãozinha de Miguel.

- Ma-maliza.

- Deus do céu! – Exclamei, tentando não assustar o Miguel. Resolvi sussurrar no ouvido do Michel. - Ele está tentando falar o meu nome?

- Sim!

- Papa e Maliza...

Ele olhou para nós ao pronunciar os nossos nomes (ou tentar) e depois deu uma risada gostosa. Não sei se as minhas emoções andavam afloradas, mas lágrimas deslizaram pelas minhas bochechas logo em seguida.

- Eu estou me segurando para não chorar e você chora primeiro, Malu? – Michel perguntou, me olhando de canto. Deitamos os três na cama, e Miguel ficou entre nós.

 

Tentamos a todo custo fazer com que ele repetisse o feito das falas, mas sem sucesso. Não sei se existe greve de fala em bebê, mas Miguel Taino resistiu bravamente aos nossos pedidos.

Em alguns momentos eu parava e olhava para os dois com um sorriso bobo. Não sei se é assim que as pessoas se sentem quando amam demais algo ou alguém. Talvez seja isso que minha tia tanto me dizia quando morávamos juntas e eu achava que era exagero. Quando criança achava impossível sentir esse tipo de amor que me parecia contemplativo e filosoficamente abstrato, que não se mede e as vezes até machuca tamanha intensidade, mas, olhando para esses dois eu tenho certeza do quão possível é sentir isso e também me sentir parte disso.

- Eu amo vocês. – Sussurrei, baixinho. Um par de olhos verdes mais maduros e vividos fixou-se aos meus olhos.

- Nós também te amamos, Maliza. Para de chorar, sério. Eu vou chorar também.

Tamiris Vitória
Enviado por Tamiris Vitória em 15/01/2017
Reeditado em 31/07/2022
Código do texto: T5883195
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