Carta ao Papai Noel

Querido Papai Noel.

Estou escrevendo esta carta para dizer que você é minha ultima esperança. Eu me chamo Thiago, com H, pois eu era da classe A deste país. Morávamos numa mansão, meu pai, minha mãe, eu, filho único, e mais uma cambada de funcionários. Mas um dia Papai perdeu um dedo do pé esquerdo, e não mais pode trabalhar, disse que ficara inválido. Minha mãe nunca trabalhou, só passava no shopping torrando toda a grana do papai, que levava uma bronca quando reclamava. Começamos a perder tudo. Desesperada mamãe passou a freqüentar uma igreja, que era uma casinha de madeira, agora esta parecendo um palácio Grego, com mármores e tudo, enquanto nós passamos dos mármores aos restos de madeira.

Apesar de nós estarmos, dia após dia, mais pobres, mamãe passou a ter orgulho de ter participado daquela obra de Deus. Quando passamos a não ter onde morar, o pastor não nos deixou entrar mais ali sem colaborar com Cristo. Tentei argumentar dizendo que era nestas horas que precisamos mais de salvação.

- Não sem colaboração!

- Mas estamos pobres.

- Dêem graças a Deus, se tivessem dinheiro poderiam morrer num acidente de avião neste caos aéreo que nosso Brasil enfrenta.

Deixei de ser filho de Deus quando não mais tive dinheiro para dar aos seus. Mesmo assim eu ainda acreditava nas palavras da salvação e no nosso salvador, mesmo assim, acabamos morando debaixo de uma ponte. Foi então que começou minha tormenta, mamãe passou a ter filhos todos os anos, mesmo não tendo dinheiro nem para nós três, agora somos treze. Foi então que pedi a Deus um sinal. Meio torto ele entendeu, hoje vivo no sinal tirando o sustento de todos. Papai continua sem trabalhar, diz que a falta de um dedo no seu pé esquerdo lhe impede, mamãe dá a desculpa de cuidar da casa, porque na verdade ela não sabe que nem casa tem mais. Às vezes ela acorda no meio da noite chamando o mordomo, atormentando nossos colegas de infortúnio.

Dia desses papai estava sobre a ponte apregoando aos quatro cantos que a culpa deste país estar assim é das elites. Ninguém deu bola á um bebum. Às vezes ele se autodenomina administrador da moradia, onde moramos nós treze, mais um monte de gente, incontável, sempre aumentando, mas quem liga, ali todo mundo manda, não tem uma voz de comando, numa trupe de derrotados, quem teria caráter para tomar a presidência do “cafofo”.

Foi mesmo, culpa da elite, nós éramos da elite, e começamos a nos afundar em dividas, papai disse que precisaríamos de economia. Não ligávamos mais a tv, o computador, evitava luzes ligadas, não comprávamos mais comida para os cães, entre tantos, mas não deixavam de dar festas dantescas, nem dispensavam as champagnes francesas, vinhos portugueses, bacalhaus noruegueses, uísques caros, caviares, e tudo o mais o que o dinheiro pode comprar. Nem os empregados excessivos eram dispensados para que as amigas da mamãe não desconfiassem da nossa parca situação financeira.

Menos mal que até hoje ninguém sabe onde estamos, pois nosso circulo de ex-amigos, não olha para o lado, outro dia o homem que era vice-presidente de uma das empresas do papai, e hoje é presidente, me deu uma moeda de dez centavos, nem olhou na minha cara, até hoje ele não sabe para quem deu a moeda, se para um humano, um farrapo humano ou um E.T., mesmo depois de ler num jornal, que ele afirmava que cada vez mais era preciso que os ricos olhem mais para os pobres. O mesmo homem que não deve saber o nome da mulher que serve cafezinho na sua sala.

Quando eu era menor, Papai Noel, sempre me comportei bem, e até hoje, nunca cometi um deslize, na espera do seu presente. Embora eu já tenha dezesseis anos, minha aparência é de oito, nem consigo estudar tamanha minha desnutrição. Apelo ao senhor, que eu já nem acreditava mais.

Um dia, anos atrás, um salvador saído do meio dos pobres, disse que ia nos ajudar, antes de ser crucificado, chamou trezentos Judas, em vez de doze apóstolos, e olha no que deu. Clamei por ajuda, numa destas esquinas repletas de turistas, protegidas pelos braços abertos de um redentor maravilha do mundo. Agora por estes dias, o salvador ajudou, seus bolsos e dos trezentos picaretas, e de sobra nos mandou para abrigos construídos para mostrar aos gringos que o Rio não tem garotos de rua e parece cidade de primeiro mundo. Posso dizer que enfim o salvador me salvou, e alguns dos meus irmãos também, estamos num abrigo.

Estou feliz, pois aqui temos proteção do frio e da chuva, olha que já estamos em julho, faz frio aqui, e lá fora tem competições esportivas, todo mundo ganhando medalhas de ouro, e tem TV, há muitos anos eu não via. Enfim conheci o salvador, alguém o vaiava na abertura deste evento. Não entendi o porque, afinal estou neste abrigo graças a ele, até ganhei uns quilinhos, tenho três refeições por dia e durmo numa cama com colchão e cobertor.

Por isso, resolvi lhe escrever, pois acredito somente no senhor agora, mesmo que, desde que eu fui morar embaixo da ponte o senhor não mais me trouxe presentes, creio que seja pela falta de uma chaminé. Por isso neste ano, até novembro pelo menos, estarei por aqui, por isso escrevo esta carta antes de agosto, para que o senhor venha antes de novembro, pois aqui no abrigo tem uma lareira, é na sala do diretor, mas eu procuro dar um jeito. Me diga o dia que vais entrar pela chaminé que eu estarei lá lhe esperando.

Agora vamos falar do presente. Eu ia lhe pedir uma casa, para quando me mandarem embora deste abrigo no fim do ano, e vou ter que passar o natal nas ruas, pois nem na igreja de Cristo eu posso ir, mas lembro que casa eu já tive, e perdemos tudo. Por isso Papai Noel, peço lhe que distribua pelo país, ética e honestidade, apenas isso, não será difícil não é?

Espero pacientemente.

Abraços e beijos do Thiago Monteiro Bulhões de Alcântara Sobrinho.

P.S.:Eu acredito em ti Papai Noel.

J B Ziegler
Enviado por J B Ziegler em 31/07/2007
Reeditado em 31/07/2007
Código do texto: T586660
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