ALEPH, O ALAFIM DOS PALMARES (Drama)

TEMA (S)

• REENCARNAÇÃO

• FALANGES ANGELICAIS E DEMONÍACAS

• DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA

RACISMO

XENOFOBIA

INJUSTIÇA SOCIAL ... etc, etc e tal...

PERSONAGENS

ALEPH

ZAÍRA

CECILIA

CORINA

CRAZY DOG

CARONTE

MAAT

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CENÁRIO

(A gosto do encenador)

MATERIAL DE CENA/ADEREÇOS

(a gosto do encenador)

FIGURINO

(a gosto do encenador)

ILUMINAÇÃO

(a gosto do encenador)

TRILHA SONORA

(a gosto do encenador)

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RECEPÇÃO AOS ESPECTADORES

CARONTE ______________Olá pessoal! Talvez estejam a se perguntar o por que de estarmos todos juntos, aqui, diante desse portão imenso!? Estão curiosos não é mesmo?! Querem me acompanhar e descobrir o que existe do outro lado ou preferem ficar aqui e enfrentar o que se esconde nessa obscuridade, nesse ambiente gigantesco e mal iluminado, cujas dimensões e perigos estão muito além do que possam imaginar? Você(s) não quer(em) ir adiante? Muito bem! Por favor, nos traga a caixa de Pandora. Você pegue um papel, desembrulhe e entregue a Poderosa Maat para que possamos conhecer seu destino!

MAAT ______________Você foi medido e pesado por Maat e foi considerado CULPADO! Condeno-o a ser devorado por Sobek, sua participação nessa jornada começa agora. Boa Sorte!

CARONTE ______________Senhoras e senhores, são meus convidados, agora devem me seguir vou conduzi-los ao nosso destino. Vamos entrando pessoal... estão todos acomodados? Estão vendo aquela escadaria? Ela tem 666 degraus, não há parede nem corrimão e é por ela que vamos chegar ao nosso destino. Não tenham medo, é só ficarmos juntos e de olhos fechados sim... evitem cair e não se impressionem com os sons bizarros que ouvirão... comigo estão seguros!

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PRÓLOGO

CORINA ______________A pele do diabo não tem cor... coloridos são seus olhos... as vezes são negros como as asas da graúna, azuis como o céu de abril, até desbotados como as folhas secas do outono ou pardacentos como a lama dos charcos, mas são sempre olhos de predador implacável.

ZAIRA______________O diabo não tem uma língua pátria... fala todos os idiomas e sua voz é tenebrosa, semelhante ao rugido feroz da suçuarana faminta. Sua goela é voraz e escura como os fornos crematórios.

CECILIA _____________Ele nunca se ausenta, mas em Palmares, retornou das profundezas do 5º Círculo dos Infernos, trazendo consigo uma horda de assassinos cruéis, envoltos no manto da lei que escraviza e mata em nome de DEUS.

CORINA ______________O diabo não tem nacionalidade, pertence a todas as pátrias e em sua passagem deixa um rastro de sangue, dor, miséria, devastação e morte sobre a terra. Ele vem montado num cavalo veloz... seu nome é INJUSTIÇA E PRECONCEITO.

ZAIRA ______________O quê? Um sumo sacerdote, filho de OULISSA, ser derrotado por demônios? Nunca! Mesmo que um deles se chame: Domingos Jorge Velho! ZUMBI NÃO MORRERÁ!

CECILIA _____________A mão do Senhor pousou sobre mim, seu espírito me levou e me deixou num vale cheio de ossos... me fez circular em torno deles, por todos os lados. Havia grande quantidade de ossos espalhados pelo vale e estavam todos secos... Ouçam a palavra de vida, assim diz o Senhor: Vou infundir um espírito de vida e vocês reviverão. Vou cobri-los de nervos, carne e revesti-los de pele. Espírito, venha dos quatro ventos e sopre nestes cadáveres, para que revivam!

CORINA ______________ Sou Cadmo, filho do rei Agenor e matei o dragão que protegia a fonte de Ares. Nessa batalha perdi grande parte dos meus guerreiros. Atena, minha bondosa protetora, aconselhou-me serrar e semear no chão os dentes do monstro guardião da fonte do senhor da guerra... do solo semeado brotaram ferozes e nobres lutadores que empreenderam um terrível combate. Os cinco sobreviventes foram os pais dos incansáveis guerreiros espartanos.

ZAIRA______________O milagre se repete: Cada gota do sangue derramado do REI ZUMBI DOS PALMARES foi utilizada na criação do pequeno grande guerreiro ALEPH, O ALAFIM DOS PALMARES. ALEPH não é apenas um Rei/Guerreiro, ele é uma falange inteira e desassombrada que luta contra toda forma de preconceito, opressão e injustiça. Espalhada que está pelo mundo...

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ATO I

CENA Única

GRAZY DOG ______________ Aiiii.... eita c’a peste serena... oxente... olhe aqui, por causa de quê tão batendo n’eu? Nem conheço ocês... é pra eu num conseguir pegar essa coisa branca e atochar dentro do saco, é? Vocês duas vão me empatar? Apois eu tô pagando pra ver!

CORINA______________ Então paga!

GRAZY DOG ______________ Quanto é?

CECILIA______________ Paga logo e deixa de conversa fiada!

CORINA______________ Você é quem disse que pagava... dê seu preço...

GRAZY DOG _______________ Dez tostões...

CECILIA______________ Não colecionamos moedas antigas seu fedorento, só aceitamos moeda atual. Passa o dinheiro para cá... vamos! E tem mais, se não conseguir tomar a criatura e colocar dentro do bisaco já viu...

CORINA______________ Vai tomar porrada em tudo quanto é lugar: na cara, nas orelhas, nas pernas... eita, vai ser uma farra!!!

GRAZY DOG _______________ Espera aí, desse jeito estou pagando pra apanhar. São duas contra um...

CECILIA______________ Duas contra um não, você tem nove chifres e dividindo por dois, que é o número normal de chifres na cabeça de alguém, você vale por quatro e meio, assim, nós é quem estamos em desvantagem.

CORINA______________Está conversando demais, deixa ele comigo Cecília, nesse aí faço questão de dar uma surra de graça!

GRAZY DOG_______________ Espere aí, eu nem paguei...

CECILIA______________ Pensando bem, não queremos o seu dinheiro, seu coro feio já serve pra fazer um tamborim. Chicote nele Corina, esfola esse safado, pra ele ver como é bom ser amarrado no tronco!

GRAZY DOG _______________ Mas o que é isso minha gente? Eu nunca amarrei ninguém, só dei uns tirinhos atôa num tal de Zumbi dos Palmares, cortei a cabeça dele e enfiei numa estaca, mas foi tudo obedecendo ordens...

CORINA______________Ah, obedecendo?! Então que seja, nós também obedecemos ordens da sacerdotisa para impedir que você ponha suas mãos no sacrário, sujando um relicário de pureza e honestidade, bravura, brio e liderança, roubando a esperança de um povo livre e guerreiro...

CECILIA______________ É! O povo brasileiro, mestiço... que sabe usar o feitiço da alegria e do amor, herdados de um Senhor branco, que nasceu de uma negra por nome APARECIDA... É, uma negra querida da Terra da Santa Cruz... Ela é a mãe de... se tentar perde a vida Crazy Dog sem Domingos... Pensa que me engana é? Corto-lhe a mão pela cepa, tente de novo pra ver!

GRAZY DOG _______________ Eita mulher braba da gôta, mesmo vestida de estôpa inté parece uma rainha...

CECILIA______________ Feche a privada nojento, me elogiar não lhe livra d’uma surra sem tamanho...

CORINA______________ E nem arreganhe os dentes senão vai ficar banguela, com essa cara de gamela... vixe, é muito ruim de olhar!

GRAZY DOG _______________Senhorinhas o que está a suceder? O que faço nesses trajes? Sou um cidadão honrado e me ver nesse estado causa-me profunda mágoa...

CORINA______________ Ih Cecília, o efeito carrapato mudou o tom da conversa. Olha só a criatura raivosa, o maldito cão danado, falando tão educado, parece gente de bem... Pensa que nos engana, seu Velho Jorge safado?

CECILIA______________ É ruim! Mas pra ele todo dia é DOMINGO, dia de farra, de festa... amarrar negro fugido no tronco e chicotear, até vê-lo estrebuchar, morrer como animal... É mesmo um cara-de-pau... pensar que nos engana, hummm!

GRAZY DOG ______________ Não penso enganar ninguém senhorita, onde estou, nem mesmo sei! Só lembro de... de...

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ATO II

CENA ÚNICA

ALEPH ___________Aiiiiiiiiiiiiiii... a dor queima o meu peito,

parecendo um ferro em brasa...

minha casa, destruíram.

Minha chance de ser alguém

tentaram aniquilar.

Mas vou viver e lutar

trazer de volta o meu pai,

o sacerdote africano,

filho de Oulissa Supremo.

Não temo por sua vida...

VOZES __________ Traíram ZUMBI...

Entregaram ZUMBI...

Atiraram em ZUMBI...

Mataram ZUMBI...

ZUMBI MORREU...

SARUÊ ZUMBI...

SARAVÁ...

SARAVÁ...

SARAVÁ...

ALEPH __________...eis que tornou-se imortal!

Com esmero projetou-me.

Misturou com muito zelo,

em seus tubos de ensaio:

bravura e honestidade,

brio e liderança pura

para defender Palmares

do branco escravocata

que rouba a liberdade

matando sem piedade

uma raça de heróis.

Mente o usurpador

e invade o continente

dizendo que descobriu

uma terra tão soberba

a qual dá nome:

“Brasil um sonho intenso

Um raio vívido...

dos filhos deste solo és mãe gentil...”¹

Aprisiona o seu dono

Condição servil lhe impõe!

Ahhhhhhhhhhh... meu pai essas feridas

Em minhas costas, abertas,

murmuram... vozes remotas

d’uma terra d’além mar.

Gritam...

VOZES __________ Queremos justiça

para dar fim a cobiça

dos malditos capitães!

ALEPH ___________Que posso fazer meu pai?

Não nasci, sou um aborto

e apesar de estar vivo

ao morto sou comparado!

Sou um projeto de Rei,

um Alafim sem coroa,

sem cetro, manto ou trono...

tentando acordar o surdo,

fazer o mudo falar,

paralítico caminhar...

sem muleta e sem escora.

O cego ver a aurora...

“Já podeis da Pátria filhos

ver contente a Mãe gentil...”².

VOZES ____________ Em Brasilia são 20:00hs!

ALEPH ___________já raiou a liberdade...”²

lá na linha do horizonte

borrando o azul do céu...

Tão rosada e faceira

Em seu vestido de renda

Bordado com os gorgeios

Do encantado uirapuru!

Ainda não estou pronto

não é hora de nascer,

careço amadurecer

cada víscera, cada vértebra

cada osso...

olhe, veja o meu esforço,

tento e... não consigo... é vão...

minhas asas tão pequenas

me impedem de voar.

Paiiiiii... precisa voltar

e completar o seu filho!

Sinto-me aprisionado

mesmo fora do casulo...

olhe para mim, o que sou?

A visão de um pesadelo!

Sou o sonho inacabado,

_ IDEAL DE LIBERDADE –

do Rei ZUMBI DOS PALMARES.

Eu, seria um PROTETORE,

sob o comando divino

do sagrado HANIEL

e seu grande general

o sábio IMAMIAH

defenderia os direitos

dos seres injustiçados,

lutaria pela honra

de um povo escravizado.

Mas sou apenas, que pesar...

um projeto estagnado!

Meu criador, ai, foi morto

antes de haver terminado

esse meu corpo terreno

muito antes que pudesse

ter em meu rosto soprado

o som, a letra e o timbre

dando vida ao ser criado!

Ando, não posso voar,

minhas asas não construídas,

doem, são como feridas,

sob a pele enegrecida

dos meus magros ombros nus,

parecem chagas da cruz

de alguém martirizado!

Pensar como um adulto?

Para mim é impossível!

Sou apenas um projeto

de anjo, não completado.

Quasímodo, vestindo estopa,

caminhando atrapalhado,

descalço, sobre os espinhos

de malissa, unha-de-gato,

mandacaru, rasga-beiço,

olhem meus pés retalhados!

Qual é o meu alimento?

Só o desejo de ver

todos os grilhões partidos

enferrujando, esquecidos,

jogados no pó do chão.

Ver mãos livres e ligeiras

dos atabaques sonoros

mágicos sons destilando!

Pés firmes, troncos de cedro

jogando capoeira

nos terreiros, sem “sinhô”

sem pelourinho ou chicote

longe do mato, e

sem Capitão, a cantar:

“Câmara, água de beber,

faca de cortar ô lê lê...”*

Por favor, me ajude a atravessar a rua, não enxergo...

VOZES ____________ Aleijão...

ALEPH ____________ Moço me dê um pouco de comida, faz três dias que estou com fome...

VOZES ____________ Fora da porta do meu restaurante seu morto de fome, filho da puta...

ALEPH ____________ Moça, me dê uma esmola, pelo Amor de Deus...

VOZES _____________ Vai trabalhar vagabundo esmoler...

ALEPH ____________ Alguém pode me dizer que ônibus é aquele?

VOZES ____________ Analfabeto... negro fujão... quilombola... curumba... nordestino...

ALEPH __________“... Você sabe de onde eu venho?

Venho dos morros e engenhos

Das selvas, dos cafezais...”³

VOZES ___________Cala essa boca estúpido

volta pras tuas brenhas...

ninguém te quer por aqui...

ALEPH ___________A Lei não pune o covarde,

deixa livre os criminosos!

VOZES ____________Oh ... ela, coitada, é cega...

ALEPH ____________E sem relutar me pune:

VOZ _______________Você NÃO PODE VOAR!

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ATO III

CENA Única

ALEPH ___________Quem dera ter o conforto

de um milagre acontecer:

um raio do sol descer,

nele ZUMBI retornar

para completar seu trabalho

e qual Oulissa, satisfeito

olhando-me, enfim, perfeito

num sorriso exclamar:

ZAIRA______________SARUÊ, ALAFIM ALEPH, SARAVÁ...**

CORINA e CECILIA ______________SARUÊ, ALAFIM ALEPH, SARAVÁ... **

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Obs:

¹ trechos do Hino Nacional Brasileiro.

² trechos do Hino da Independência (brasileiro).

³ trechos da Canção do Expedicionário (brasileiro).

* trechos da música da Nara Leão - Na Roda da Capoeira (brasileiro).

** Saudação à Zambi. Livro SARUE ZAMBI – CANTO JOVEM, de Luiz Galdino.

Adda nari Sussuarana e Grace Kelly Santos Silva
Enviado por Adda nari Sussuarana em 05/12/2016
Reeditado em 12/04/2019
Código do texto: T5843880
Classificação de conteúdo: seguro
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