O segredo de Letícia - 2
Ricardo pensou muito e decidiu consigo mesmo:
-Amanhã, vou pesquisar na Internet e falar com os amigos dela.
Todos os irmãos estudavam na mesma escola e, no dia seguinte, Ricardo aproveitou a hora do intervalo para ir à sala onde Letícia estudava. Carla o viu e o abordou:
-Você é irmão de Letícia, não é? É muito parecido com ela.
Ele viu que poderia aproveitar a ocasião e respondeu:
-Sou, você é amiga dela?
-Não, ela não tem amigos.
-Não?!
-Todos sempre mexeram com ela por ser gorda e ela terminou por não querer contato com ninguém. Bem, agora ela não está mais gorda, não é? E depois que emagreceu foi que se isolou.
Ele então notou como era distante da vida de sua própria irmã e o quanto ela era só.
-Bem, há algum tempo você não tem notado algo estranho com a minha irmã?
Carla falou baixo:
-Todos têm notado. Primeiro, notamos que durante o intervalo ela sumia e reaparecia com o rosto lavado como se houvesse passado mal. Depois, vimos essa perda de peso, que estranhamos muito. Mas o mais espantoso foi ver os lanches que ela come.
-Lanches?! ele franziu as sobrancelhas.
-Sim, ela come lanches bem calóricos e depois some e reaparece com o rosto lavado. Come como se a comida fosse fugir. Andam até dizendo coisas a respeito dela.
-Que coisas?
Um tanto constrangida, Carla sussurrou no seu ouvido e ele arregalou os olhos, lembrando do dia em que discutira com ela porque estava trancada no banheiro.
-Olha, eu acho sua irmã legal. Nunca mexi com ela, não acho certo zombar de alguém porque está...acima do peso.
Agradecendo, ela saiu da sala e ficou andando a esmo, relembrando todos os episódios de sua infância, tanto ele quanto o pai e o irmão mais novo, Luisinho, mexendo com Letícia, fazendo troça do seu peso. O remorso profundo o atingiu com a força de um soco.
-Meu Deus, será? Não pode ser!
Forçou-se a pensar, ligando os fatos. Infelizmente, tudo o que Carla dissera fazia sentido. Dirigiu-se à biblioteca da escola e foi a um computador, acessando a Internet, horrorizando-se com o que ia descobrindo. Tudo indicava que aquilo estava acontecendo com sua irmã.
Não aguentando mais, saiu da biblioteca, falando consigo mesmo:
-O que foi que fizemos? O que fizemos? Letícia, meu Deus!
Andando de cabeça baixa, esbarrou num professor, que lhe perguntou:
-Tudo bem?
Resolveu ser sincero:
-Não, não está.
O professor o olhou bem nos olhos e falou:
-Rapaz, você está quase chorando! Qual o problema?
Encarou o professor:
-Minha irmã... ela ...tem um problema.
-Quer ir à sala dos professores e conversar sobre isso?
-Está bem.concordou.
Foram e lá, voz entrecortada, contou tudo ao professor, que fez um ar muito sério e sugeriu:
-Vocês têm que ajudá-la agora, filho. Aproxime-se dela e mostre que quer ajudá-la.
-Vai ser difícil, professor. Ela está muito agressiva, sem confiar em ninguém.
O professor ponderou:
-Isso não é ela, é como se fosse outra pessoa. Ela está presa em um labirinto e a mente dela precisa se encontrar para conseguir sair dessa prisão. Como ela era antes?
-Muito tímida, vivia triste. Agora, está toda descontrolada, irreconhecível.
-Ela está confusa e sozinha, filho. Vai precisar de muita ajuda e carinho, filho. Não é para ninguém julgá-la.
-O que devemos fazer?
-Eu penso que o melhor é usar de muito tato e, principalmente, não desistir dela.
Agradeceu ao professor e voltou para a sala de aula, mal prestando atenção ao que ocorria à sua volta. Tudo o que pensava era que há muito tempo algo horrível estava acontecendo com sua irmã e ninguém o percebera até então.
"O que faremos? Letícia não pode continuar assim."
À hora do almoço, apenas Letícia e ele estavam em casa. Luisinho fora estudar na casa de um amigo e os pais estavam trabalhando. Letícia mal tocava na comida e olhou feio para ele, perguntando incisivamente:
-O que foi?
-Nada. ele baixou os olhos, chateado por ser tão transparente.
Letícia não era boba e sabia que ele escondia algo.
-Então, por que está me olhando o tempo todo?
Pensando rápido, ele respondeu:
-Acho que você... está precisando cuidar da sua saúde.
Letícia deu um sorriso mordaz e rebateu:
-Por que você não cuida das suas notas? levantou da mesa.
Olhou o prato dela.
-Letícia, você quase não comeu.
-Comi antes, estou sem fome. Vou para meu quarto, estou cansada.
-Você tem se cansado muito ultimamente.
Letícia o olhou de esguelha.
-Tenho estudado muito, não sou como você, sabe?
Resolvendo provocar a irmã, falou:
-Estudar demais é motivo para você sair cambaleando do banheiro da escola? A sua colega Carla disse que você foi vista andando sem firmeza, parecia que ia desmaiar. Estava pálida como um fantasma.
O rosto de Letícia ficou vermelho de raiva e os olhos negros pareciam dois punhais afiados capazes de penetrar o irmão. Ela quase avançou para ele, agressiva:
-O que você está dizendo?
-Sua colega Carla disse que viram você andando parecendo que ia cair.
-Como, se você não a conhece? Vocês nunca se cruzaram antes!
Ele percebeu que cometera um grave erro.