Capítulo 2 - A Casa de Natalie
--- Alô, boa noite! Eu gostaria de falar com Natalie Schmidt, por favor.
Uns segundos depois, Henry continua:
--- Ah, certo. Então, a senhora está presa, possui um mandato de prisão por ser a principal suspeita da morte do ma...
Henry foi interrompido. Natalie tentava argumentar ao telefone, contudo, foi ignorada. O falso policial continuou.
--- ... suspeita da morte do marido, inclusive pelo crime de ocultação de cadáver, o qual está enterrado em seu quintal segundo informações. Estamos encaminhando uma viatura, e investigaremos todas as partes da casa, inclusive o quintal. A partir desse momento não saia de casa, ou então será considerada foragida da polícia.
E pôs o telefone no gancho. Henry soltou uma gargalhada, pois nunca tinha feito algo semelhante, mas como seus amigos estavam sérios, então rapidamente desmanchou as gaitadas.
--- E aí? – quis saber Millie.
--- Ela caiu direitinho. Se fosse o Enver que tivesse ligado, provavelmente ela reconheceria a voz. Já eu, mais difícil, uma vez que ela nunca me viu e minha voz é bem grossa, né, vamos combinar.
--- Claro, você já tem dezoito anos. Nós temos dezesseis. Ah, só tem um problema: ainda está no segundo ano do ensino médio – Enver deu uma risada sarcástica.
--- Pessoal, não vamos perder tempo – retomou Millie. – Precisamos chegar lá antes que Natalie saia de casa, e vê-la no momento em que está saindo, observar se ela está levando algo.
--- Natalie? Por que não está chamando de mãe? – indagou Henry.
--- Estou em choque com tudo isso. Enterrar o meu pai no próprio quintal? Isso não é coisa de mãe.
Sem demorar muito, os três desceram as escadas que levavam ao térreo. Estavam na imensa casa de Enver, a qual possuía até uma piscina – mas provavelmente ele nunca usava, levando em consideração sua cor de pele semelhante a uma vela.
Sair de casa às sete da noite não foi muito fácil – Enver precisou insistir muito para sua mãe, Morgan, deixar. Alguns minutos depois e já estavam os três na rua da casa de Millie. A menina não morava muito longe.
A rua estava deserta – apenas dois carros haviam passado em cerca de dez minutos. Contudo, muitos carros estavam estacionados, o que favoreceu aos meninos, que aproveitaram para se esconder atrás de um deles.
--- Será que ela já saiu? Já se passaram o quê? Dez minutos? – Enver estava curioso.
--- Olha lá! Saindo agora, saindo agora – sussurrou Henry, de forma rápida.
O coração de Millie quase saía pela boca. Desde o ocorrido a garota não tinha ido mais a sua casa. Ela preferiu se abaixar ao invés de ver o reflexo da sua mãe – ou melhor, Natalie – pelo vidro.
Henry, que nunca vira Natalie, observou que ela era mais alta que Millie, e parecia ser jovem, principalmente com aquele vestido lilás. Seu cabelo era razoavelmente liso e castanho claro. Ela já havia se passado tempo suficiente em pé na calçada de sua casa, a ponto de incomodar Enver, que reclamou:
--- Por que ela está parada?
--- Xiiii! – fez Henry, pois Enver havia falado um pouco alto. Em seguida cochichou: - não bote tudo a perder! Fique quieto!
Natalie parecia ter percebido algum movimento estranho ali perto, pois olhou em direção aos carros estacionados do outro lado, exatamente onde estavam escondidos os três. Sentindo-se ameaçada, decidiu atravessar a rua.
Henry se abaixou de forma violenta, o coração acelerou. Tentou pensar rápido, mas nenhuma ideia veio à sua mente. Natalie já estava prestes a subir a calçada onde eles estavam, mas algo inesperado aconteceu: um carro parou na frente da casa dela.
--- Vamos? – disse o homem dentro do carro.
Natalie não respondeu, mas caminhou em direção ao carro, arrodeou e entrou pela porta do lado do motorista. Em seguida, o carro deu partida e sumiu, dobrando à direita na primeira esquina.
--- É agora! – chamou Enver.
--- Sim, vamos. Millie, você fica aqui, não é isso?
--- Sim, por favor – ela parecia nervosa.
Então os dois garotos andaram às pressas, mas sem fazer muito barulho, não queriam deixar rastro de suas ações. Dobraram à direita também na primeira esquina, e depois, à direita de novo. Estavam agora em uma rua muito deserta, com pouca iluminação, a qual revelava os muros de todas as casas que possuíam a entrada na outra rua. Além disso, muito lixo acumulado fazia uma montanha em um dos muros.
--- Não poderia ser mais fácil se não houvesse esse banco aqui – disse Henry, apanhando próximo à montanha de lixo um banco de madeira um tanto alto. – Suba no muro, Enver.
Enver subiu no banco, em seguida segurou no alto do muro fazendo força para subir. Com um pouco de esforço, conseguiu. Em seguida, olhou o quintal, e pelo seu rosto, parecia que viu algo que não gostou.
--- Espera, espera!
--- O que foi, Enver?
--- A porta da cozinha e a janela do quarto no primeiro andar estão abertas, e as luzes estão acesas.
--- Ah, bobagem! Ela deve ter deixado assim para parecer que tinha gente em casa.
--- Faz sentido.
Henry subiu no banco e depois, no muro. Fez sinal para Enver pular, e ambos pularam, caindo em uma areia úmida. Na verdade todo o quintal estava em areia, parecia que estava em construção. Os pelos do braço de Enver arrepiavam ao pisar naquela terra, pois ele sabia que poderia estar pisando no corpo do... bem, não precisamos repetir isso.
Ao se aproximarem da porta que levava à cozinha, uma surpresa: barulho vinha lá de dentro. Quem seria? Enver olhou de volta para o muro que acabaram de pular – não era possível pular de volta, dessa vez não havia banco nenhum que ajudasse. Henry, destemido, fez sinal para que Enver e ele se aproximassem cada vez mais, nas pontas dos pés, sem fazer nenhum barulho.
E então desvendaram o mistério. Havia sim alguém no interior – ninguém mais, ninguém menos que a própria dona da casa: Natalie. Como isso era possível? Enver sentiu uma agonia no estômago. Henry, por sua vez, olhou para uma mesa que estava na cozinha, uma mesa completamente coberta com um pano branco que praticamente estava arrastando no chão, e apenas uma cadeira estava à mesa.
Assim que Natalie deixou o cômodo, caminhando em direção à sala, Henry fez sinal para que Enver o seguisse, na ponta dos pés, sem fazer nenhum barulho, nem mesmo barulho de respiração. Depois ele se abaixou, levantou o pano que cobria a mesa, e entrou, sentando no chão frio embaixo da mesa. Enver fez o mesmo.
Através do pano de cor branca era possível ver a silhueta de Natalie se movimentando na sala, pois o tecido era fino, parecia ser um pouco transparente. Henry e Enver estavam torcendo que, caso Natalie olhasse em direção ao pano, não fosse possível enxergar que havia alguém ali.
Mas tarde demais, ela já estava vindo em linha reta, em direção ao pano. Agora só restava se abaixar e descobri-los. Péssima ideia ter se escondido ali! Oh, não... Ela só pegou algo em cima da mesa e levou para a sala. O que ela estava fazendo? Forçando a vista através daquele pano branco, Enver observou que o sofá estava virado de cabeça pra baixo, e que ela estava tirando ou colocando coisa ali dentro. O que ela pegou em cima da mesa parecia ser um papel, pois ela dobrou ao meio e em seguida jogou por um furo, ou melhor, um rasgão que havia no tecido do fundo do sofá.
Logo após, ela abriu uma porta da estante da sala – uma estante de cor marrom escura, a qual estava próxima a uma televisão – retirou mais alguns papéis, rasgou-os em pedaços e de novo jogou dentro do sofá através do buraco no tecido.
De repente, a campainha toca. Enver temia que algo de ruim estivesse prestes a acontecer. Millie poderia ter pensado que, já que Natalie “havia ido embora” e não abriram a porta, então os dois estavam procurando tudo sozinhos, ou que eles se esqueceram de abrir a porta da frente, e, sendo assim, ela provavelmente resolveu tocar a campainha. “Tomara que não seja ela”, pensou Enver, fechando os olhos com força, com medo, como se isso fosse evitar que algo de ruim acontecesse.
Natalie tomou um susto com o toque na campainha. Rapidamente desvirou o sofá, fechou qualquer porta aberta da estante, deu uma olhada breve se havia algo estranho na sala e por fim caminhou em direção à porta de entrada, a qual ficava um pouco distante da sala de estar.
--- Me segue – sussurrou Henry.
Antes que Enver pudesse dizer que não, que era melhor ficarem onde estavam, Henry já havia saído debaixo da mesa. Então ele levantou o pano e também saiu, seguindo-o.
Henry fez sinal para que eles subissem a escada que levava aos quartos da casa – assim como na casa de Enver, os quartos ficavam no andar de cima. Silenciosamente, pisaram cada degrau da escada. Assim que entraram no quarto de Natalie, Enver fechou a porta e sussurrou, em um tom de desaprovação:
--- Você é louco? Natalie pode subir para o quarto a qualquer momento!
--- Eu sei, é uma ideia idiota, mas precisávamos agir rápido. Fique de olho na porta, eu vou ver se acho algo suspeito no guarda roupa. Qualquer coisa, saímos pela janela.