[Livro] A Quarta Dimensão - Capítulo 1

--- ENVER, ME ABRAÇA!

Foram as únicas palavras que Millie conseguia dizer naquele momento, antes de apertar o garoto com muita força e apoiar a cabeça em seu peito. Seus olhos estavam vermelhos e molhados, a voz soou trêmula.

--- O que... o que aconteceu?

Ela ainda não respondeu. Parecia se confortar no abraço, procurando alguma proteção, segurança. Enver estava preocupado e curioso, mas aguardou até Millie o soltar e dar início a uma explicação.

--- Por que tanta coisa estranha vem acontecendo? Por quê? – disse ela, sentindo-se injustiçada. A voz ainda trêmula e um olhar desesperador. – Dessa vez foi demais: meu pai foi assassinado! Na sala de estar. Minha mãe e eu estávamos presentes.

--- NOSSA! Que... horrível... – na verdade Enver não sabia nem o que dizer. – Mas por quê? Por que ele foi assassinado? Como foi isso?

--- Entraram uns homens lá em casa. Ameaçaram matá-lo se minha mãe não entregasse um objeto a eles, um livro, sei lá, não entendi direito. – Millie revivia a história em sua mente, assustada. – E o pior, minha mãe escondeu o cadáver no quintal. Ela o enterrou! E me proibiu de tocar nesse assunto.

--- Sem dúvidas essa foi uma das coisas mais estranhas que aconteceram nesses últimos dias! – assentiu Enver, tão assustado quanto ela. – Onde você estava enquanto tudo isso acontecia?

--- Eu me tranquei no banheiro! Eu fiquei simplesmente sem ação, sabe. Apenas tentei prestar atenção na conversa, mas o susto parece que afetou a minha memória – Millie enxugou umas lágrimas de seu rosto. – Quando sai do banheiro, minha mãe estava arrastando o corpo do meu pai em sangue para o quintal, onde ela fez uma espécie de... cova.

Enver parecia ter travado. As palavras sumiram de sua boca. Não era comum um melhor amigo seu chegar para lhe contar uma situação tão atípica, para não dizer pavorosa. Além do mais, eles estavam na escola, e Enver temia que o intervalo não fosse suficiente para concluir essa conversa.

--- Eu não quero voltar para aquela casa! Minha mãe está louca. Como assim ela não chamou a polícia? Por que ela não quer denunciar? Por que ela não quer falar comigo sobre o assunto? Eu não estou entendendo mais nada!

--- O que ela disse quando você tentou falar sobre o assunto?

--- Ela me pediu ajuda para enterrar o corpo no quintal. Eu neguei, é óbvio, e exigi uma explicação sobre o que estava acontecendo. Ela disse que isso era assunto de gente grande, e que eu ficasse fora disso. Poxa, é meu pai! Mesmo que eu tenha dezesseis anos, eu tenho direito de saber o que aconteceu.

--- O que você vai fazer agora, então?

--- Posso ficar na sua casa pelo menos hoje à noite? Preciso pensar no que fazer. A única ideia que tenho no momento é ir até a polícia.

--- Claro que pode ficar. Mas eu tenho uma ideia melhor.

Millie não respondeu, mas aguardou o garoto prosseguir.

--- Você disse que estavam procurando algo na sua casa, certo?

--- Sim.

--- E não acharam, certo? Por isso que houve... aquilo com o seu...

--- Não... não acharam... – a garota fez uma expressão triste ao lembrar.

--- E se fôssemos lá procurar? Ao invés de chamarmos a polícia.

--- Você é louco? Ela ainda está em casa.

--- Calma, não contei o plano inteiro. Então pedimos para Henry ligar para sua mãe, fingindo ser de algum departamento de denúncia, para assustá-la. Então ela iria fugir de casa, não iria?

--- Creio que sim... continue... – Millie franziu as sobrancelhas. Parecia interessada, ou apenas curiosa.

--- ... e então, quando ela saísse, era só entrar na sua casa e procurar o que pode ser esse tão desejado objeto.

--- Mas e se ela sair com ele?

--- Por favor, Millie, você acha mesmo que a Natalie iria sair com esse objeto pra algum outro lugar? Ela vai ficar na casa de algum conhecido, e esse objeto não ficaria seguro lá.

--- Conhecendo minha mãe, não. Mas e se ela já tiver tirado esse objeto da casa dela? E se, ainda pior, esse objeto nunca esteve na casa da minha mãe e meu pai morreu injustamente? – mais lágrimas caíram do rosto dela.

--- Millie, por favor! Ninguém invade a casa de outra pessoa apenas por achar que essa coisa estava lá. Muito menos matar alguém!

--- Há casos e casos, Enver. Pra mim isso tudo está muito recente. Eu não sei como agir, não sei o que pensar, não sei de nada!

--- Eu entendo a sua angústia, mas não temos muito a escolher. Ou deixamos na mão da polícia, ou resolvemos tudo com as nossas próprias mãos, o que vamos combinar que é bem melhor.

Dizer que alguém é curioso é o mesmo que dizer que alguém é Enver. Se o garoto tiver como adentrar qualquer problema ou assunto para tentar resolver ou apenas para saber mais, basta contar com ele. Millie, por sua vez, já não é tão assim. E o Henry... bem, continuaremos a história.

--- Então combinado? Falaremos com Henry? – perguntou Enver.

--- Meu Deus, que dificuldade para escolher! Não sei o que é melhor – Millie parecia indecisa. As lágrimas já haviam secado. – E se... e se não encontrarmos nada? Chamamos a polícia?

--- Um passo de cada vez. Vamos falar com o Henry – Enver pegou a mão de Millie e puxou consigo, à procura de Henry na multidão.

O intervalo naquela escola era muito barulhento – na verdade é assim em qualquer intervalo de qualquer escola. Todos uniformizados nas cores azul e branco. O pátio da escola era imenso, o que tornava ainda mais difícil a tarefa de encontrar Henry. Mas após alguns minutos, lá estava o garoto, terminando de comer seu lanche.

--- Henry! Temos uma notícia péssima... – Enver não sabia sequer como começar. – Em seguida, temos uma coisa a propor. Millie, você poderia explicar tudo a ele?

Ela poderia, sim, se a sineta anunciando o fim do intervalo não tivesse tocado. Ela bufou de raiva. Os três começaram a caminhar para a sala de aula.

--- Nos encontramos no final da aula então! – disse Henry. – Quero saber tudo.

--- Sinceramente, não sei como está com cabeça para assistir aulas – comentou Enver –, depois de tudo isso.

--- E você acha que eu estou? Apenas estou tapando o sol com a peneira, fazendo de conta que nada aconteceu. Minha mãe está agindo da mesma forma.

E então começou a aula. De tempos em tempos Henry e Enver percebiam que Millie parecia querer chorar, mas a menina limpava o rosto rapidamente antes de levantar qualquer suspeita. Assim que os alunos foram liberados, Millie contou tudo a Henry na porta da saída, de uma maneira reservada.

--- Eu não acredito! Digo, eu acredito, mas é inacreditável! – disse Henry, abismado. – Semana passada você disse que seu pai apareceu DO NADA na sua casa, e você garante que ele não entrou pela porta da frente, nem sequer pulou o muro, óbvio. Depois, você disse que passando em frente ao quarto da sua mãe viu que havia uma segunda porta, e quando voltou para olhar novamente, ela já não estava mais lá... Fora as outras coisas estranhas que você me contou. E agora, pra completar, a mais estranha de todas: isso!

Millie parecia um pouco mais calma agora, após desabafar para seus dois melhores amigos.

--- Enver tem uma ideia para contar pra gente.

E em três minutos Enver explicou tudo aos dois.

--- Ok, só tenho algumas coisas a acrescentar – começou Henry. – Como entraremos na casa após Natalie sair?

--- Caramba! Eu não tenho a chave – Millie deu um tapa na testa. – Como eu sou burra!

--- Calma, Millie. Podemos pular o muro que dá no...

Henry ia terminar a frase com a palavra “quintal”, mas logo lembrou que não seria uma ideia muito interessante. Desde o ocorrido, Millie evitava até mesmo olhar o quintal, quanto mais pisar naquela areia.

--- Podemos fazer o seguinte, então – Henry corrigia o plano. – Enver e eu pulamos o muro, arrombamos a porta de fundo, e dentro da casa, abrimos a janela da frente para que você pule. Pode ser?

Millie balançou a cabeça positivamente.

--- Se não encontrarmos nada, nós saímos e ligaremos para a polícia. De acordo?

--- De acordo – os outros dois falaram, em coro.

--- Então é isso, galera! Temos muito trabalho a fazer – Henry concluiu. – Às sete da noite encontro vocês na casa de Enver.

GabMelo
Enviado por GabMelo em 24/09/2016
Código do texto: T5770692
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