O seu fantasma - Parte 3
“Por que você está fazendo isso com ela? Quem é você?”
Eu abri os olhos aos poucos. Me sentia debilitada. Meu corpo não obedecia mais aos meus esforços. Duas vozes me chamavam insistentes, mas não conseguia saber a quem pertenciam. Recebi um chute nas costelas que me fez gritar.
“Eu não vou aguentar mais. Eu não vou aguentar..."
Gritos chamando por mim foram silenciados por algo que parecia um soco muito forte.
- Calma, Thomas. Ela está bem... – A voz de Elena soava amistosa. – Bill, levante-a!
Fui erguida com violência, e também, na mesma proporção, forçada a olhar para o meu ex-namorado. Bill ajeitou meu pescoço, sem se importar se suas unhas podres machucavam a minha pele.
- Thomas, você precisa ir embora... – Sussurrei, sem força alguma na voz.
- Ah, não! Ele não vai. Thomas, você sabia que Maria Luíza sempre foi apaixonada por aquele rapaz ali? – Thomas olhou para Michel, mas não falou nada. – Você só foi uma brincadeira para ela.
- Thomas, não...
- Você mesma que disse isso, Maria Luíza! Eu estou apenas retransmitindo.
- Malu... Wer sind diese Leute? – Thomas se ajoelhou na minha frente. Continha medo, horror e pena em seu olhar. – Porque você está verletzt?
- Olha que eu entendo um pouco de alemão, hein? – Eu fitei Elena, com ódio. – Aproveite, Maria Luíza...
- Sie haben hier zu gehen Thomas, es ist gefährlich!
Ele balançou a cabeça em um não e depois tocou o meu rosto. Ao ver meu sangue em seus dedos, comecei a chorar.
- Eu não vou embora, Maria Luíza.
- Sabe o que é mais triste? – Elena perguntou. A voz calma, segura. Sentia-se a juíza da minha história. – Ele ama você. Muito. É triste, mas lembre-se que tudo o que vai acontecer é por sua causa.
- Do que ela está falando? – A pergunta inocente de Thomas me fez chorar ainda mais. – O que vai acontecer?
Senti uma fisgada na região de onde tinha sido esfaqueada e gemi.
- Ei, Lena. Vem aqui! – Bill a chamou.
- O que é?
- Sua prima no telefone!
- Que saco! O que essa idiota quer?
- Não sei!
Elena olhou para nós dois, mas depois fixou seu olhar somente em mim. O ódio dela por mim era uma das coisas que a mantinha viva.
- Se você tentar alguma coisa, juro por Deus que você vai se arrepender.
Esperei os dois saírem para começar a pensar, mesmo que aquilo parecesse uma das coisas mais difíceis a se fazer.
- Thomas, me escuta, preciso que você solte esse rapaz do meu lado. Ele vai nos ajudar! – Sem perguntas, Thomas se aproximou de Michel, que ainda estava desmaiado. – Michel!
As feridas dele eram no pescoço e no rosto. Ele fora espancado por Bill. Demorou alguns minutos para que acordasse, e quando o fez, chamou por meu nome.
- Eu estou aqui! – Thomas agora tentava solta-lo. – Precisamos ir embora!
- Sim!
Quando Michel foi solto ele agradeceu a Thomas e me soltou também, mas eu não conseguia me manter em pé.
- Já estou voltando hein! – A voz de Elena fez meu coração disparar.
Olhei para Michel, que deu uma rápida olhada no quarto e pegou uma faca. Eu o vi se esconder atrás de uma cortina. Ele ia criar uma emboscada para Elena. Era uma péssima ideia? Era. Mas não podia deixar Thomas morrer por consequências dos meus atos.
Os minutos que antecederam aquela tragédia passaram por mim como um borrão, assim como o sequestro que me levou a ser refém da minha antiga rival de escola.
Quando Elena voltou para o quarto, Michel a atacou com uma facada na barriga. Ela gritou por Bill e ainda conseguiu lutar com o pai de seu filho. Tentei me levantar, porém caí de joelhos, sendo amparada por Thomas.
- BILL! – Ela tentou correr até a porta, porém, fora puxada pelos cabelos e teve sua cabeça batida contra a parede. – AGORA!
Uma sequência de passos de um gigante.
Um empurrão em mim, me afastando de Thomas.
E por último Thomas recuando, sem entender porque fazia aquilo.
- THOMAS NÃO! – Gritei, tentando me arrastar até ele, mas sem sucesso algum. Michel soltou Elena, que congelara, maravilhadamente assustada com o que estava prestes a acontecer.
Bill abriu uma garrafa de plástico, puxou Thomas pelos cabelos e o obrigou a beber aquilo até a última gota. Michel, completamente mudo veio ao meu encontro enquanto gritava desesperadamente pela vida do meu ex-namorado.
- Sabe o que tem aqui dentro? – Bill perguntou para mim, completamente calmo. Era um homem frio e esquisito. – Metanfetamina. – Thomas foi deslizando pelo chão, sem entender o que se passava. – É uma droga perigosa, e quando ingerida em altas doses leva a pessoa a ter uma morte rápida. O garoto vai morrer em breve. Vamos embora daqui Elena!
Elena cumpriu o que me prometera. Os dois saíram do quarto, deixando sem a mínima culpa, uma tragédia para trás. E eu teria que lidar com mais aquela tragédia. Eu era a responsável por mais aquela tragédia.
- Maria Luíza...
Eu não conseguia falar, apenas chorava em silêncio. Michel me pegou no colo e me colocou ao lado de Thomas.
- Eu vou pedir ajuda.
Não o respondi, acho que não era preciso.
Ele sabia o que ia acontecer, e sabia também que eu precisava me despedir de Thomas sozinha.
A respiração de Thomas era eufórica. Pousei minha mão sob seu coração. Disparava mais rápido que o normal.
- Malu. – Deitei sua cabeça em minhas pernas. – Não chora.
- Eu sinto muito. Eu sinto muito mesmo Thomas.
- Sh... – Sua mão acariciou meu rosto. – Obrigado por ter me feito feliz.
- Você não vai morrer, Thomas!
- Lembra quando estávamos naquele parque em Berlim? – Eu assenti, segurando sua mão. – Você estava schön naquele vestido rosa... E eu nunca te disse isso.
- Thomas, me perdoa... – Solucei e tremi. A minha dor emocional era maior que a dor física. – Eu não queria ter causado toda essa dor.
- Eu perdoo você. – Ele sorria, involuntariamente. Todas as emoções passadas de forma rápida. – Ich liebe dich so.
- Eu também amo você. Muito. Saiba que tudo o que vivemos não foi uma mentira.
- Eu sei...
Já tinha lido sobre essa droga nos jornais. Ela estimulava todos os sentidos da pessoa, porém, quando ingerida em excesso era fatal a vida humana. A respiração de Thomas foi acalmando e seus olhos pesaram. Eu vi a sua vida indo embora através de seus olhos azuis.
- Estou muito cansado... - Um breve filme da nossa história passou por minha cabeça.
- Thomas, por favor, o Michel está voltando com ajuda.
- Malu... – Ele me olhou com um sorriso. O último sorriso. – Seja feliz. E diga a minha irmã que eu a amo muito.
Ver alguém que você ama morrer em seus braços é ver toda uma história passar por sua cabeça. Do início ao fim. Thomas se ajeitou e voltou a segurar a minha mão.
- Eu só preciso dormir um pouquinho...
Me agarrei aos últimos momentos de sua vida através do toque de sua mão. Até que os dedos de Thomas não seguravam mais os meus, não havia mais a respiração, nem as batidas do coração. Nada. Ele se fora.
Eu me agarrei ao seu corpo desejando estar em seu lugar. Odiei a Deus, odiei Elena, me odiei por saber que ela mais uma vez estava certa. A morte dele era a minha culpa e eu teria que conviver com aquilo para o resto da minha existência.
- Malu, eu chamei a... – Michel parou, ao ver que chegou tarde demais. - Malu eu sinto muito. – Não ouvi o pesar em sua voz. Não ouvi mais nada.
- Ele só está dormindo.
- Malu, ele... – Ele sentou ao meu lado e segurou a minha mão. – Olha pra mim, amor.
- Ele só está dormindo. Só isso. - Michel segurou meu rosto. – Thomas vai acordar. – Lágrimas desceram por seu rosto cansado. – Ele vai... – Agora eu também chorava. – Não vai?
- Não, amor. O Thomas morreu.
- NÃO! – Empurrei Michel e segurei Thomas novamente. – ELE ESTÁ VIVO! ELE SÓ ESTÁ DORMINDO!
- Malu, calma, por favor.
O meu delírio durou até a hora que os médicos e a polícia chegaram no quarto. Para conseguirem me afastar de Thomas fora necessário que Michel e Bernard me segurassem, e ainda assim, lutei o quanto pude. A dor da facada já não me incomodava, pois, o choque da morte de Thomas era maior. A minha dor criara sua própria anestesia.
Os médicos começaram a fazer o seu trabalho, afinal, pessoas morrem, pessoas sofrem. A vida tem que seguir.
- Vai ficar tudo bem, eu prometo. – Prometeu Michel, mesmo sabendo que aquilo era impossível. Nunca mais eu ficaria bem. Nunca mais saberei o que é me sentir bem. Eu o vi direcionar seu olhar para um dos enfermeiros. – Eu amo muito você.
- O THOMAS... – Ganhei uma espetada rápida no braço e meu corpo inteiro automaticamente parecia uma gelatina. – Michel...
- Vai ficar tudo bem, amor. Só se acalma. – Automaticamente os braços dele me envolveram num aperto carinhoso. Era tão bom o seu cheiro. A voz de Michel foi ficando distante, assim como a voz de todos os outros presentes no dia que marcava o terror de ter sido torturada e da devastadora morte de Thomas.
Distante da minha dor. Distante da minha fatal existência.