A maldição do amor
Alguns dias passaram desde que contei para Thomas sobre a minha traição. Ele não deu sinal algum de vida ou respondeu minhas mensagens. Continuei tentando lidar com aquilo de forma que não me pesasse mais as costas, mas era impossível. Eu entrava em casa e a primeira coisa que sentia era a ausência dele. Aquilo não apenas me afetava no pessoal, como também no profissional. E isso era notado pelas pessoas ao meu redor.
Eu, Michel e Bernard almoçávamos perto da empresa, quando decidi, de repente, que precisava ir até minha casa.
- Por que você quer ir a sua casa agora? – Perguntou Michel, franzindo o cenho.
- Eu não sei, preciso ir lá. – Respondi, me levantando da mesa. – Você me leva? – Perguntei a ele.
- Sim, levo. – O celular dele tocou. – Espera. Oi, Neusinha! Espera, não entendi, como assim anteciparam a reunião? Ok, estou voltando.
- O que houve?
- Não vou poder te levar, Malu. O pessoal do planejamento resolveu antecipar a reunião. – Ele olhou para Bernard. – Faz essa?
- Opa. Nasci para isso. – Respondeu, irônico. – Eu levo ela sim.
- Obrigado! – Michel deixou o dinheiro do almoço dentro do cardápio e veio até minha direção, me dando um selinho rápido. – A gente se vê depois?
- Sim!
Eu o observei sair do restaurante, e depois olhei para Bernard, que mexia em seu celular, distraído.
- E então... – Murmurei, apoiando os braços na mesa. – Como vai, meu inestimável amigo?
Ele direcionou as íris castanhas para mim e franziu o cenho, depois sorriu.
- O que é, Maria Luíza?
- Nada... Só querendo saber como você está!
- Eu estou sempre muito bem. E você? Teve notícias do Thomas?
- Não. – Dei uma longa suspirada. – Nada. É por isso que eu estou indo a minha casa agora. Algo me diz que eu o encontrarei lá.
- Sexto sentido é?
- Sim, o meu é infalível.
- Ah, é claro. – Ele largou o celular na mesa, cruzou os braços junto ao peito e me olhou. – Infalível mesmo.
- Eu sei que você está pensando na Samanta nesse momento.
- Estou, é? – Ele arqueou a sobrancelha. – E como sabe?
- Estou errada?
Bernard revirou os olhos, e se levantou.
- Vamos embora antes que eu me arrependa de ter aceito ser o seu motorista.
Pagamos nossas refeições, e depois saímos rumo ao estacionamento. Eu sondei várias vezes sobre Samanta, mas ele era evasivo. Dizia que só estava fazendo o melhor por ela se afastando. Havia em Bernard uma rendição de algo muito maior, como se ele aceitasse algo e já estivesse satisfeito com isso. E mais uma vez não houve chances de convencê-lo a conversar com Samanta.
Ao chegarmos em meu apartamento, tudo era silencioso. Fiz Bernard olhar todos os quartos comigo. Tudo da mesma forma que eu havia deixado antes de sair pela manhã.
- Bom, parece que sua intuição falhou. – Bernard disse, quando paramos em meu quarto. – Ele não vai vir até aqui. Podemos ir embora?
- Ele vai sim. Vamos esperar.
- Você está brincando, não é? - Balancei a cabeça em um não. Eu me sentei na cama. – Eu tenho que voltar para a loja!
- Eu sei que quando você sai deixa a sua vendedora mais responsável cuidando de lá. E sua chefe tem uma queda por você, o Michel me disse.
Ele bufou, com raiva, mas não respondeu. Demorou cerca de uma hora para Thomas chegar. Eu olhei para Bernard e apontei para o meu guarda-roupa.
- Entra! – Sussurrei. Ele obedeceu rapidamente. Meu coração batia tão rápido que chegava a doer.
A figura masculina parou em minha porta, e eu quase não o reconheci. A barba dele era cheia, os olhos tinham muitas olheiras, e o brilho dos olhos azuis haviam sumido. Engoli seco. De repente tudo o que eu tinha para falar desapareceu. Ele entrou no quarto e abriu minha sapateira.
- Eu só vim buscar minhas sachen* - Seu português havia melhorado, mas ainda tinha dificuldade em articular as palavras. Ele tirou dois pares de tênis e deixou em cima da sapateira. Dei um passo inseguro em sua direção, e quando toquei suas costas Thomas se virou tão rápido me jogando contra a parede.
- Rühr mich nicht na*!
- Thomas, nós pre-precisamos conversar! – Os olhos antes distantes tornaram-se hostis. – Sei que não há perdão para o que eu fiz, mas por favor, não vai embora. Me deixe falar com você.
Era um apelo desesperado, eu sabia. Ele não ficaria ali vivendo comigo sabendo de tudo o que fiz. Thomas balançou a cabeça várias vezes, e riu, completamente nervoso. As mãos dele foram para a minha cintura, era tanta força física que eu comecei a me contorcer de dor. Ele encostou a testa na minha e eu consegui sentir sua respiração descontrolada. Cheirava a cigarro. Quando ousei colocar minha mão em seu rosto, Thomas não me deixou toca-lo.
- Sie blies es* - Suas mãos foram para o meu rosto. – Tudo que havíamos construído. Tudo o que eu sentia. Tudo foi uma Lüge... Mentira.
- Não, não foi uma mentira, Thomas. Eu te amo!
- NICHT ZU MIR MARIA LUÍZA LIEGEN!
O grito dele me fez baixar a cabeça, automaticamente. Eu destruí Thomas da mesma forma que fui destruída na adolescência por Elena e depois na vida adulta por Immanuel. Ele se afastou por um tempo, foi até o guarda-roupa, e ameaçou abrir, mas não o fez.
- Eu fiz tudo errado. Nunca o mereci. Nunca mereci seu amor. Eu sinto muito, sinto mais do que posso explicar.
Eu não conseguia parar de chorar e tremer. Algo havia se quebrado entre nós e nada consertaria isso.
- Para de chorar. Você é uma mentirosa. Uma grande mentirosa. A pior coisa que já me aconteceu.
- Thomas...
Ele me olhou por um longo tempo. Os olhos vermelhos, o rosto pálido.
- Você é o grande amor da minha vida, Maria Luíza. E eu descobri que amar você é a maior desgraça de um homem. – Ele limpou as lágrimas de forma agressiva. - Eu devia ter ouvido minha irmã. Ela sempre disse que você trazia algo muito ruim em sua personalidade.
Keira era a irmã de Thomas, e desde que eu o conheci ela sempre fora contra o nosso relacionamento. Eu baixei a cabeça, desolada. E quando me levantei, Thomas estava muito próximo de mim, de novo. Sua mão entrou em meu cabelo e ele me jogou contra a parede. Empurrando meu rosto com força.
- Ich hasse dich.* – Não reagi a sua agressão, e torcia para que Bernard também não saísse para me defender. Ele estava emocionalmente ferido e com razão. – Você está me ouvindo?
Assenti, em meio a muitas lágrimas. Meu corpo foi virado e logo estávamos frente a frente. Ele não conseguia me olhar.
- O que vivemos não foi uma mentira, Thomas. Eu amei você e eu errei com você. Eu sinto muito por tudo o que estou te fazendo passar. – Tentei tocar seu rosto e enfim ele deixou.
Demorou algum tempo para sua toda a sua tensão diminuir. E quando aconteceu, resultou em algo que eu não esperava. Thomas me beijou. Era um beijo desesperado, quase doentio. Eu não tive como não reagir ao que me acontecia. E talvez era daquele adeus que precisássemos para podermos seguir as nossas vidas.
Thomas se afastou de mim, e me empurrou contra a parede de novo. O impacto me fez gemer de dor.
- Eu queria nunca ter conhecido você. Nunca.
Ele pegou os tênis e saiu do quarto. Quando eu ameacei segui-lo, Bernard abriu a porta do guarda-roupa e me segurou pela cintura.
- Ele vai embora, Bernard. Ele não pode. – Tentei me soltar, mas não consegui.
- Shh... Ele está nervoso, magoado. Deixe-o ir, Malu. – Ele sussurrou em meu ouvido, me abraçando. Eu conseguia ouvir o barulho de Thomas guardando suas roupas, sua respiração, sua dor. O último barulho foi o da porta sendo fechada com agressividade. Thomas havia ido embora da minha vida.
Chorei por algumas horas no colo de Bernard. Novamente o que me pareciam minutos tornaram-se longas horas. Eu não tinha a menor noção de quanto tempo tinhamos ficado ali no chão do meu quarto. Eu chorando incontrolavelmente, e ele só me ouvindo chorar, e me apertando em seus braços a cada vez que eu soluçava alto.
- Obrigada. – Eu disse a Bernard, com uma grande dificuldade, pois não conseguia parar de chorar. Coloquei a mão em seu rosto, com suavidade. Ele encostou a testa na minha e segurou meu cabelo. Os olhos dele fixaram-se aos meus e nasceu um sorriso entre seus lábios.
- Eu estou sempre com você.
Completamente inerte, não vi quando Michel estava parado na porta do meu quarto. Bastou olhar em seu semblante e eu sabia o que pensava.
- Michel. – Murmurei, me levantando do chão rapidamente.
- O que aconteceu?
- Thomas foi embora. – Bernard respondeu, a voz completamente calma. Michel o olhou friamente, não era a resposta do amigo que ele queria ouvir.
- E ele foi embora por tua causa, meu velho amigo? – A pergunta foi feita cheia de ironia. Bernard revirou os olhos para ele. Escondi a mão no rosto e respirei fundo.
- Sério que você vai começar a dar outra cena de ciúme?
E vi naquele instante o clima pesado ficar ainda pior.
- Eu só acho engraçado de como ela se sente à vontade para contar as coisas para você.
- Eu não me sinto à vontade de contar as coisas para ele! Você está sendo ridículo! – Exclamei, com raiva. Michel riu, com deboche e balançou a cabeça. – Pelo o amor de deus, não vamos brigar de novo por isso.
- Nós iremos brigar até você me contar a verdade. Toda a verdade. Não a verdade que você acha que eu devo saber.
- Michel...
- Mas você não vai me contar, não é?
Eu não o respondi, muito menos Bernard. O que o deixou triplamente mais irritado, mas dessa vez ele não reagiu de forma descontrolada, apenas foi embora. Tão silencioso quanto entrou.
- Você precisa falar a verdade para ele. Toda a verdade. Ele não vai ter mais paciência. – Ouvi Bernard falar, enquanto eu ainda olhava para a porta. – Acredite em mim.
- Eu sei. Eu só preciso saber como falar tudo para ele.
- Rápido, Malu. Rápido.
A verdade é que eu conhecia o Michel o suficiente para saber que ele não saberia lidar com o fato de que o seu pai era o responsável pela morte da minha tia.
Os dilemas da minha vida não acabariam tão cedo.
Coisas *
Não me toque **
Você estragou tudo ***
Não minta para mim, Maria Luíza ****
Eu odeio você*