Sob Olhar das Erínias — Parte XIV

O galpão para aonde os garotos se encaminhavam, era uma grande construção retangular feita de madeira e pedra. Há dez anos realizavam-se, todos os finais- de- semana, festas eletro house. Comandadas por um DJ,elas iam até o amanhecer,com adolescentes dançando eufóricos em meio a muita paquera bebidas.Era um sucesso na Vila Elza, que duraria ainda por anos ,se o Funk da favela não tivessem caído no gosto da galera...

Graças as suas letras que exaltavam a virtude se de se ficar bêbado e drogado, de adquirir quantias extravagantes de dinheiro através do crime, de se cercar de jóias brilhantes, carros enfeitados, e sistemas potentes de som. Composições onde muitas vezes as mulheres são reduzidas a "novinhas" e" safadas", cuja existência serve apenas para satisfazer o apetite sexual dos homens.

Encantados por tudo isso foram perdendo o interesse nas batidas eletrônicas, já tradicionais, de todo o sábado, até pararem de vez de frequentar a festa. Os jovens migraram para os indecentes bailes funks.

Sem escolha, os organizadores do evento fecharam as portas e foram investir nas batidas do novo fenômeno musical. Mudaram-se para o Rio de Janeiro, onde tal ritmo era muito popular. Desse modo, poderiam continuar ganhando dinheiro.

Dez anos de sol e chuva, frio e calor, tornaram a construção em ruínas úmidas e podres. Um lugar de dar arrepios...

Num dos lados do salão principal - a antiga pista de dança - estava Cristhian de arma em mãos, encostado na parede, numa aparente atitude de total descontração. Perto dele, em um canto, achava-se Lídia. Sentada no piso, toda encolhida, tremia de nervosa, com medo de levar um tiro.

Ele mantinha a garota sob vigilância, quando sua atenção foi desviada rumo à entrada, ao escutar passos cada vez mais próximos. Pela apertada brecha que deixara em uma das grandes portas do prédio, entrou Agnes correndo, toda encharcada.

- Agnes! Cadê o Arthur?! - disse Lídia.

- Tá vindo logo atrás... Ué, onde tá o...?

Antes de terminar a frase, ouviu o "click" do engatilho da arma. Cristhian apontou a pistola pra ela e, com sua assustadora voz dupla, esbravejou:

- Até que enfim chegou, e me enxergou! De repente, fiquei invisível pra você?! Me esqueceu rápido, não foi Agnes?!

Arthur chegou em seguida, não menos ensopado.

- Lídia, você está bem?!

- Sim, sim! - respondeu a amiga, toda nervosa.

O garoto voltou-se para Cristhian. Por um momento, os rapazes não se viram como os jovens de vinte anos que eram, mas sim meninos de pouco menos de dez anos que eram há anos atrás.

Arthur vociferou:

- Agora pode deixar ela ir! Ela não tem nada a ver com essa palhaçada!

Cristhian não gostou nada do tom autoritário do outro. Mas quando pensou em responder, uma voz lá no fundo, maléfica, interveio: "Não! Deixe-a ir... Aqueles que queremos estão presentes... e não vão escapar!"

- Está bem! - concordou Cristhian, com um sorriso insano. Logo aqueles que o fizeram sofrer pagariam, e o melhor, seria por suas próprias mãos... - Vá, garota, antes que eu mude de ideia!

Arthur reparou na voz anormal do outro.

"Uma voz de quem está sob controle de alguma entidade...", pensou ele, surpreso. "Será que ele fez um pacto com alguma criatura infernal? Se for isso... a situação pode ficar ainda pior ..."

Lídia levantou-se de um salto e rumou a Arthur.

Angustiada, tentou arrastá-lo consigo:

- Vamo embora! Vem comigo! Isso não é contigo!

Cristhian jogou a cabeça pra trás e largou uma gargalhada amarga. Daí mirou a pistola em Artur e bradou:

- Você é que pensa! Ele é a razão disso tudo!

"Pela primeira vez na vida, concordo com ele em algo...", afirmou Arthur, com vergonha de si mesmo. Teve que ouvir da boca de Crsithian, seu inimigo declarado desde a infância, a verdade que ainda negava: a culpa por tudo chegar onde chegou, sim, era sua...

Então deu um abraço apertado em Lídia e, num tom de voz que apenas ela pôde ouvir, soltou:

- Ah, Li, você não entende... Quando me intrometi na vida daqueles dois, desapontei os Deuses. Dentre eles, a Senhora Afrodite, aquém jurei sempre honrar...- afastou-a um pouco,tomou suas mãos nas dele e, olhando-a nos olhos, concluiu:- Não posso fugir do que fiz...te cuida,Li...

- Arthur...! - murmurou a menina, admirada, segurando-se para não chorar. Jamais vira esse lado tão nobre do amigo.

Sabendo que quando ele toma uma decisão não volta atrás, engoliu o choro e prometeu:

- Trarei ajuda! - e partiu, chorando por dentro. Algo lhe dizia que essa era a última vez que veria seu amigo com vida...

Arthur encarou Cristhian e, de cenho franzido, interpelou:

- E agora, o que acontece?

Entre dentes, o outro respondeu:

- Agora a Agnes vai me responder umas coisas... - e apontou a pistola ao peito da ex. Cheio de ódio, olhou fundo nos olhos dela, sua respiração estava ofegante.

Abateu-se sobre o salão um silêncio pesado, só quebrado pelo barulho da chuva caindo pesadamente lá fora, e pelos estrondos dos trovões.

Agnes deu um passo a frente e, firme, questionou:

- O que você quer saber, Cristhian?

"É... Ela tem coragem...", pensou Arthur, sentindo um certo respeito pela garota. "Talvez ela não seja tão boba como eu pensava..."

- O que eu quero saber, Agnes, é... - e explodiu, enlouquecido: - POR QUE TERMINOU COMIGO?! O QUE ELE TEM QUE EU NÃO TENHO QUE TE FEZ JOGAR FORA A NOSSA HISTÓRIA?! - concluiu arquejante.

Sob o olhar insano do ex-namorado, e o de expectativa de Arthur, a menina olhou para o lado, perdida...

Impaciente, Cristhian exigiu:

- RESPONDA!

Num romper furioso, Agnes respondeu o que menos ele imaginava:

- Eu te larguei por tua culpa! Tua culpa! Desde que escolheu me trocar pelo teu sonho idiota de banda, de dinheiro fácil, vi que tipo de pessoa tua é! Alguém que só pensa em si mesmo, que não dá a mínima pra o que eu falo ou penso! Detesto gente assim!

- Como é? O quê...?

- Não! Espera aí! Agora EU vou falar! Nosso namoro começou a decair há semanas! Você só me queria pra transar, pra satisfazer só os TEUS desejos! Tu só me via como um tipo de boneca, sei lá! E quando saia comigo não era pra gente se divertir, pra me agradar, tu só queria tá junto com teus amigos, sempre!

Cristhian ouviu perplexo as duras palavras da outra, ele simplesmente não sabia o que dizer.

Um pouco mais calma Agnes prosseguiu:

- Quero alguém que me dê valor, Cristhian. Que me entenda quando eu tiver de TPM, que queira vencer na vida com os pés no chão, que fique do meu lado e me dê apoio nos maus momentos, enfim, quero alguém com quem eu possa ter um futuro!

- E você acha que o palerma do Arthur é essa pessoa?! Ah, vai à merda!

- Acho sim!Apesar de conhecer ele a pouco tempo, já pude ver que é ele quem eu procuro! - e lançou um sorriso para Arthur, cheio de carinho.

"É... Eu fui longe demais...", admitiu ele, arrependido.

- É isso mesmo que tu pensa?! É?! - perguntou Cristhian, desesperado.

- É sim! E agora muito mais! Sequestrar aquela guria pra me forçar a te explicar o porquê terminei com você, só prova o quanto tu é imaturo! VOCÊ NÃO É O MEU DONO! E olha o teu estado? Que ridículo!

- Você é uma vagabunda! Zomba de meu amor por você...

Arthur, que permanecera calado até aquele momento, resolveu intervir:

- Cristhian, larga agora essa arma! Não há necessidade disso tudo! Leva isso numa boa e toca a tua vida pra frente. Parte pra outra, cara!

O outro apontou a pistola pra Arthur e, aos berros, retrucou:

- Ah, claro! E tu fica feliz da vida comendo a MINHA mulher, não é? !Te encher de bala agora ia ser rápido demais! Tu tem que sofrer antes de morrer, pra aprender a não mexer com o que é dos outros!

Guardou a arma atrás da cintura, e partiu pra cima do outro. Engalfiaram-se feito dois animais, enquanto Agnes gritava para eles pararem. Quanto mais ela levantava a voz, mais a chuva engrossava lá fora, abafando seus berros.

Para desespero da garota, Cristhian fez com que ele e Arthur rolassem pelo chão empoeirado. Então, nervosa, pôs-se a procurar nos demais cômodos qualquer coisa que pudesse usar para bater no ex, até que encontrou um pau grosso, carcomido.

Arthur ficou por cima quando pararam de rolar, e tentou esmurrar Cristhian, mas este conseguiu flexionar as pernas e empurrá-lo, mandando-o sobre uma pilha de tijolos quebrados. Cristhian levantou-se depressa e encaminhou a Arthur, que mal começara a erguer-se. Aproveitando-se do momento, desferiu-lhe um ponta pé no estômago, fazendo-o rolar do monte de tijolos

- Perdia pra mim antes, perde agora! - exclamou Cristhian, convencido, avançando rumo a Arthur, estatelado no piso. - Um perdedor, será sempre um perdedor!

No momento que daria um pontapé na cabeça do outro, Agnes arrebentou com o pedaço de pau nas costas dele, fazendo-o cair de joelhos junto dum berro de dor:

- ARGH!

- Sua vadia! - desembestou o adolescente, pondo-se em pé de frente pra guria, já sacando a arma. - Vai morrer agora!

Mas Arthur atacou-o na hora "H" , segurando-lhe o braço com a pistola e erguendo-o.

PÁH!

O tiro pegou no teto. De repente, pelo canto do olho esquerdo, Arthur viu Afrodite, em suas ensopadas vestes negras, com as mãos para o alto tremelicando, enquanto murmurava palavras desconhecidas.

Exasperada, Agnes largou:

- E pensar que cheguei a me perguntar se não estava me precipitando, jogando fora uma pessoa especial! Agora vejo que fiz muito bem em ter terminado contigo! - e com que restou do pedaço de pau em mãos, avançou ao ex, pronta para uma segunda investida.

Arthur lutava para tomar a arma de Cristhian, mas o outro era muito mais forte.

- Cristhian, chega! Me dá essa coisa antes que faça algo do qual possa se arrepender depois!

- Pode ficar tranquilo, tô certo de que não haverá arrependimentos! - e deu-lhe um encontrão, derrubando-o por cima de Agnes. Os dois tombaram no chão.

Cristhian se endireitou, apontou a pistola à menina e esbravejou:

- Se não for minha, não será de mais ninguém!

Sem perder mais tempo, disparou.

Gian Felipe Author e A.Henrique
Enviado por Gian Felipe Author em 13/03/2016
Código do texto: T5572071
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