Ligações emocionais

- Vai, Malu! Acorda preguiçosa... - Abri um olho a tempo suficiente de ver Michel sentando-se ao meu lado na cama. Ele cutucou meu ombro, mas eu não me movi. – Eu vou fazer cócegas em você!

- Só mais 5 minutinhos.

- 1...

- Michel! – Virei para o outro lado da cama, ignorando a contagem.

- 2...

Antes que eu pudesse impedir, Michel começou a me fazer cócegas na barriga. Tentei me defender como pude, mas ele estava impossível. Quando tive uma chance, pulei da cama e tentei correr até a porta, porém fui capturada.

- Para! – Pedi em meio aos risos e a falta de ar. Ele ria também, segurando minhas mãos. – Eu acho que não temos mais idade para brincarmos de pega-pega.

- É verdade.

Ele sorriu, se aproximando sorrateiro. O sorriso se transformou num olhar cúmplice e quente. Sua mão foi para a minha cintura e a outra alisou meu rosto. Naquele momento me dei conta de que estava na casa, usando a camisa dele e que parecíamos de fato um casal. Michel me beijou com urgência, as mãos tateando meu corpo em lugares que não demorou muito até me fazer perder novamente o fôlego. Ele ergueu minha perna esquerda, depois a direita, até que me segurou em seus braços, sem deixar de me beijar.

- Por que me chamou com tanta pressa? – Perguntei, em meio aos beijos.

- Para tomarmos café, mas isso pode esperar...

E assim voltamos para a cama.



Algumas horas depois...

- Quer café puro ou com leite? – Michel perguntou, quando entramos na cozinha de sua casa. Era uma cozinha estilo americana com móveis em preto e branco. Uma mesa redonda de madeira que entrava em contraste com o piso também de madeira. Janelas brancas que davam visão para a rua. Até que para um homem que foi bastante mimado quando adolescente, Michel é até bem organizado.

- Café puro, por favor. – Ele seguiu para o armário e eu me sentei à mesa, ainda observando a cozinha.

- Vou preparar o melhor café da sua vida! – Disse, olhando para mim e dando um sorriso que acabou por me contagiar.

- Ah, eu acredito que vai mesmo!

No momento que Michel pegou um pote branco com café, a campainha tocou.

- Malu atende lá... Deve ser o Bernard.

Levantei e segui em direção a porta. Quando a abri, uma moça que aparentava ter um pouco mais que minha idade segurava um bebê no colo. Eu o olhei e ele me olhou também. As íris verdes curiosas e perspicazes pareciam me conhecer. O cabelo era escuro e arrepiado, a pele branca como leite. Vestia um macacão azul com detalhes de leãozinho. Era o bebê mais bonito que eu já tinha visto na vida.

- Oi! – A moça que o segurava no colo falou. – Michel está?

Antes que eu pudesse responder, senti Michel atrás de mim, depois passando na minha frente para pegar o bebê.

- Filhão! – Baixei a cabeça por alguns minutos, ainda atordoada. E antes que eu pudesse me recompor, Alice Taino, a mãe de Michel entrou na casa.

- Malu! – Ela me abraçou carinhosamente. – Que coisa boa você estar aqui com o chato do Michel.

Michel revirou os olhos, mas sorriu. Alice foi abraçá-lo. O bebê, por incrível que pareça, ainda me olhava.

- Miguel gostou da Malu. – Comentou Alice, sorrindo para o neto. – Pega ele.

- Não! – Eu balancei a cabeça, negando. Ainda não estava sabendo lidar com aquele encontro tão repentino. Michel me olhou por um longo tempo, como se soubesse o que eu sentia. – Eu vou ao banheiro.

Foi uma desculpa para fugir daquele momento estranho. E também pra colocar uma roupa adequada, já que eu ainda usava a camisa de Michel. Voltei para o quarto dele atrás de minhas roupas e me vesti lentamente. Não é que não tenha gostado de conhecer Miguel, o filho do homem com quem vivo uma história conturbada, mas o que senti foi um tanto perturbador. Eu vi nele o filho que eu deveria ter com Michel. E também o jeito que ele me olhou foi como se visse em mim o que Elena não pode ou não quis ser. No caso, uma mãe. E isso não é normal.

Ouvi duas batidas na porta assim que terminei de me vestir. Era Alice. Ela se aproximou, exalando toda a sua experiência maternal. Ainda mantinha a mesma vivacidade de quando eu a conheci.

- Você está bem? – Indagou, sentando-se na cama de Michel. Eu me sentei também. Meu suspiro longo e indecifrável a fez me olhar com mais preocupação. – Ele me falou muito rápido sobre você ter descoberto o casamento dele com aquela maluca.

- Sim. Eu peço desculpas, sei que a minha reação pode ter sido exagerada, eu só...

Não consegui completar minha frase.

- Tudo bem, Malu. – Ela sorriu calorosa. – Você ainda vai amar muito o Miguel. É difícil não o amar.

- Eu não sei como Elena teve coragem de deixar um filho dela para trás assim...

- Para mim ela fez um filho somente para ter um laço eterno com Michel, sabe? – Assenti. – Michel sofreu, Malu. Talvez ele jamais admita. Não digo um sofrimento amoroso, porque sei que graças a Deus, ele nunca amou a Elena, mas a forma com que ela o deixou...

- Eu posso imaginar.

- Eu tive que fazer alguma coisa por ele, e foi aí que decidi passar um tempo com Miguel para meu filho se recuperar.

- Você é uma ótima mãe, Alice.

Ela deu um meio sorriso.

- Miguel me fez lembrar de quando Michel era pequeno. Foi bom. Meu filho parece precisar de você por perto, por favor, fique com ele.

- Vou ficar, Alice. Vou ficar.

Não sabia se era verdade o que eu dizia, mas para evitar mais momentos embaraçosos, a melhor resposta foi essa. Ela me deu um beijo no rosto e saiu do quarto. Eu desci para a sala alguns minutos depois e encontrei Michel sentado no chão brincando com o filho. Próximo a eles, a moça que veio acompanhando Alice os olhava brincar. A cena não podia ter mexido mais comigo.

- Alice, olha o Miguel aqui. – Pediu Michel. E deu um beijo no pequeno bebê, antes de levantar. Os olhos de Miguel novamente me encontraram e ele sorriu. Sim, sorriu. Eu tive vontade de sair correndo dali, mas acabei o encarando também. Tentei sorrir, mas não conseguia. Michel seguiu na direção da porta, nos olhando. – Malu?

- Oi, hã... – Eu o olhei, constrangida. – Eu vou embora. Tchau para vocês. – Desviei o olhar para Alice e sua amiga. – Até a próxima.

Michel me seguiu, silencioso.

- Não precisava me trazer até aqui. – Falei, o olhando de lado. Ele apenas me olhou. – Eu estou bem.

- Mesmo?

- Sim, é claro. Em alguma hora eu acabaria encontrando seu filho. Ele é uma criança linda, realmente muito linda e... – Michel me puxou ao seu encontro e me abraçou, desajeitado. Eu não sabia o que sentir em relação ao que acontecera, não parecia ser somente uma tristeza, era algo a mais.

- Malu... – A voz dele era de pura angustia devido ao meu estado, e por mais que eu quisesse me controlar, não conseguia. Segurei o rosto dele, suavemente, depois selei nossos lábios e o beijei. Ele me encostou a parede, do lado do elevador. Suas mãos foram para a minha cintura, mas não houve muitas urgências. Michel só queria me acalmar. – Eu sei que é difícil para você, mas, por favor, não se afasta da gente.

- Eu não vou me afastar de vocês... Mas preciso ir trabalhar. A Neusinha deve estar uma pilha trabalhando lá sozinha.

Michel deu um sorriso irônico, que rapidamente captei o porquê. Eu beijei seu nariz, depois os lábios, passando pelo pescoço, fazendo-o se arrepiar.

- Eu não vou devolver sua carteira de trabalho.

- Ah, não vai?

- Vamos dizer que eu esteja arrependida do que fiz...

- Certo, Maria Luíza... – Ele me beijou, agora com mais precisão. – Você precisa mesmo ir?

- Sim, eu preciso.

Trocamos de posição, agora Michel estava encostado na parede e eu na frente. Eu tentava fugir, mas ele me segurava com firmeza, me enchendo de beijos e me deixando então com a dúvida se eu queria mesmo ir embora.

- Amanhã eu venho até aqui. – Falei, com a mão apoiada sob o peito dele, mas sua boca ainda estava em meu pescoço. – Michel, nós estamos no corredor de um prédio de família, tenha...

- O que? – Perguntou maldoso, enquanto sugava a minha pele e sua mão livre subia pela minha barriga.

- Decência...

- Eu sou decente.

Eis então que um vizinho dele aparece no corredor e eu sou puxada ao seu encontro novamente, como um escudo.

- Bom dia, Michel! – Um senhor de idade o cumprimentou, alegre. – Como vai?

- Opa, senhor Osvaldo. Eu vou muito bem. E o senhor?

- É evidente que você está muito bem e também adoravelmente acompanhado! – O homem sorriu, amigável. Eu tenho certeza que fiquei de todas as cores possíveis da terra. – Bom dia aos dois.

Esperamos o homem entrar no elevador e a porta fechar. Michel me virou, agora me deixando a mercê de seu olhar apaixonante que por diversas vezes fora o meu pior pesadelo.

- Adoravelmente acompanhado.

- Só ouvi a verdade.

- Eu também.

- Ah é?

Michel balançou a cabeça, assentindo. Depois me deu um beijo na testa, enquanto segurava meu rosto com suavidade. Quis tanto falar para ele dos meus sentimentos, mas não consigo, pelo menos não agora. Se bem que quando ele me olha como se conhecesse até o último fio dos meus cabelos suspeito que saiba o que sinto e o quanto sinto.

- Eu apareço aqui amanhã, ok?

- Tudo bem. Eu sei que pode parecer uma situação muito estranha, mas você vai se acostumar... Se quiser, é claro.

- Eu quero.

A resposta convicta o deixou surpreso por alguns minutos. Michel deu um meio sorriso, que notando agora me lembrou o de sua mãe.

- Bom deixa eu me afastar. – E deu dois passos para longe de mim. – Depois fica difícil, você não consegue me largar, mulher!

Ri, revirando os olhos para ele.

- Até amanhã, Michel.

- Até amanhã, Malu.

Entrei no elevador e apertei o botão térreo.

- Michel! – Ele virou, rapidamente, como se esperasse que eu o chamasse. – EU TE... – Travei, é claro. O elevador fechou, mas tive tempo de guardar na memória a expressão ansiosa dele. Encostei a mão na porta e baixei a cabeça. – Eu te amo, Michel Taino. Eu te amo tanto.

(...)

Fui para a empresa a tarde. Neusinha me esperava com mil e uma novidades e obrigações. O que me fez lembrar que a ausência de Michel era muito prejudicial. E minha inteligente e observadora secretária notara isso.

- Malu.

- Eu sei, também sinto falta dele.

- E quando ele volta?

- Bem... – Respirei fundo, encostando as mãos na mesa, e apoiando o queixo na mão direita. – A mãe trouxe o filho dele de volta e...

- Michel tem filho? – Neusinha abriu a boca, espantada. – Meu Deus!

- Tem. – Balancei a cabeça, assentindo. O rosto do pequeno Miguel Taino voltou a minha mente. Primeiro aquele olhar, de quem parecia saber o que eu era para o pai dele. Depois o sorriso, que ao meu ver significava a satisfação em finalmente me conhecer. Eu sei que soa irracional, tendo em vista que ele é apenas um bebê. Eu estou ficando louca. É isso. – E ele é a cara do Michel. Inclusive tem os mesmos olhos verdes.

- Deve ser lindo.

- É.

- Malu... – A velha senhora me olhou com um sorriso de canto. – Eu torço para que vocês esqueçam o passado e sejam felizes, seja lá o que vocês tenham feito de ruim um ao outro.

As palavras de Neusinha me pegaram tão de surpresa que eu apenas a olhei, sem saber o que responde-la.

- Bom, vou aguardar você assinar esses papéis, pois preciso enviá-los para a Alemanha. Quando terminar me avise.

E assim ela saiu da sala. Eu demorei alguns minutos para finalmente me recompor e voltar ao trabalho.

No final do expediente liguei para Bernard, não sei bem explicar o porquê de ter me dado essa vontade de ligar, mas como ele sumiu do nada, talvez precise conversar. Se bem que talvez eu seja a última pessoa com quem ele queira se abrir... Inferno, eu odeio ficar com dúvida.

O telefone tocou 3 vezes, e somente na 4 chamada que ele me atendeu.

"E aí, loira aguada!"

Ouvir a voz dele me trouxe um alívio inexplicável.

- Olá! Enriqueceu?

"Ainda espero acordar e descobrir que sou filho do dono da empresa que você trabalha."

- Não queira isso. – Falei, sorrindo. Bernard riu também. Era bom saber que ele ainda fazia as mesmas piadas irritantes para me provocar.

"Se eu descubro isso demito você e o Michel não tenha dúvidas." – Nós rimos juntos, mas ainda assim a sensação estranha não ia embora de forma alguma. – "Como você está?"

- Com saudades de você.

"Está carente? Não posso me envolver com você, o soco do Michel ainda me dói."

Eu sorri com a lembrança. Ele deve ter notado, pois notei que sorrira também, mas depois nós dois respiramos fundo. Bernard estava com algum problema, só que não vai contar para mim. E creio que nem para Michel.

- Você sumiu, Bernard. Eu estou preocupada.

"Não precisa se preocupar. Estou ótimo! Eu que deveria me preocupar com você depois do que li."

- O que você leu?

- “Ei, seu grande otário. Minha mãe trouxe o Michel pra casa, venha ver seu afilhado logo ok? Sinto saudades irmão, me liga.”

- Ah, então você já sabe...

"Sei... – Ele suspirou, já sabendo da minha angustia interior. – Fique bem, ok? Eu sei que isso pode ser perturbador.

- Eu só conseguia me perguntar como Elena teve coragem de abandoná-lo. Ele é tão pequeno.

"É difícil de compreender mesmo. Escute, eu vou no Michel ver o bebê e passo na sua casa depois, tudo bem?"

- Tudo bem.

"Fica bem, loira aguada."

- Vou ficar.

Finalizei a ligação e me sentei a mesa novamente. Eu não tenho sentimentos ruins pelo bebê. Na verdade até acho que ele transformou o Michel em alguém melhor, mas quando me lembro quem é a mãe dele e tudo o que ela já me fez confesso que olhá-lo me dói. E eu preciso afastar isso da cabeça o quanto antes.


Uma hora depois, quando eu já estava em casa, recebi a ligação de Michel. Ele tinha acabado de dar banho no filho, que agora dormia em sua cama.

- Ele é tranquilo para dormir?

"Sim!" – E riu. – "Dorme a noite toda. Miguel não é chorão. Alice fala que ele parece comigo nisso também."

- Graças a Deus... – O comentário foi tão espontâneo que Michel gargalhou. – Ah, eu não estava pensando nisso... Nela.

"Malu, eu sei que você lembra dela quando o vê."

- É inevitável, não?

"Sim, é. E eu sei que estou pedindo demais a você quando digo para se manter perto."

- Eu vou ficar perto de vocês. Tanto que estava pensando aqui...

"O que?"

- Quando você voltar a trabalhar o Miguel precisará de uma babá, não é?

"É." – A resposta saiu um tanto triste. – Ele vai.

- Hey... O que foi?

"Ele é tão pequeno, Malu."

- Vamos escolher alguém de confiança.

"Mas..."

- Michel...

"Malu..."

"Sem essa voz chorosa, a babá vai ser ótima e cuidará muito bem do seu filho. Eu prometo."

"Ok, eu confio em você."

Conversamos por mais algumas horas até que ele precisou desligar, pois Bernard havia chegado. Eu sei que estou fazendo algo bom por Michel e seu filho. E querer o bem deles não significa que eu queira tomar o lugar de Elena.

Passei o restante da noite pesquisando sites de babás, verificando currículos até que encontrei um que me chamou a atenção. A garota não parecia ter mais de 19 anos. Entrei em contato por e-mail deixando meu interesse por seu currículo.

“Samanta Gouveia Lima, 18 anos – Minas Gerais.”

A resposta veio no dia seguinte. Marcamos uma chamada via web cam e eu pude conhecê-la melhor. Samanta era solteira, e desejava fazer curso de Confeitaria em São Paulo. A opção por trabalhar como babá ela explicou na conversa que foi por ter cuidado de todos os seus primos menores e ter afinidade com criança. Samanta era uma menina. A fala doce, olhar carinhosa e o sotaque forte de uma nascida em Minas Gerais. Expliquei a ela como funcionária o trabalho e os benefícios, caso Michel a aceitasse. Samanta se mostrou ainda mais interessada quando mostrei a foto de Miguel. No fim do nosso contato eu tive uma estranha, porém gostosa sensação de estar fazendo a escolha certa. E é muito raro isso.

- Bom, agora é esperar o nada turrão Michel Taino aceitar. Nada que um jeitinho carinhoso de falar não resolva.
Tamiris Vitória
Enviado por Tamiris Vitória em 07/03/2016
Reeditado em 03/02/2020
Código do texto: T5565864
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