Sombras de Salem ( Capitulo 2.)
2: Filhos de Salem.
Enquanto conversavam acomodados sobre os sofás
persa, Scarlet levantou-se, atraindo os olhares curiosos.
– Onde fica o banheiro?
– No corredor á esquerda. – Quando a ruiva passou ao seu
lado, somente agora a filha de Cristine notou que ela
carregava um pingente idêntico ao de sua mãe, curiosa,
voltou seus olhos para o pescoço do rapaz a sua frente,
avistando o mesmo brasão pendurado por uma fina
correntinha prateada. De imediato sua atenção voltou-se
para Sophia, e ela também carregava consigo um pingente,
absolutamente diferente daquele que seus familiares
utilizavam, mas totalmente idêntico ao de Alice. – Um
pequenino pentagrama, formado por raízes espinhosas.
Perfeitamente centralizada no símbolo havia uma delicada
lótus, feita por um lindo cristal cor de rosa suavemente
lapidado.
– Qual o significado dos pingentes? – Ela não demonstrou
receio algum ao perguntar.
– Você não sabe? – Davi soltou boca a fora, apanhando seu
pingente com as pontas dos dedos encorpados de sua mão
esquerda.
– Não. Na verdade, minha mãe sempre muda de assunto
quando pergunto isso. – Ao ouvirem aquilo, Davi, Sophia e
Felícia trocaram olhares desconfiados e por alguns segundos
assim ficaram, quietos.
– Ah... – Sophia começou a falar. – esses pingentes,
pertencem as primeiras famílias que habitaram Pérola de
Salem, ou melhor dizendo, as famílias que fundaram a
cidade. Somente seus membros carregam estes símbolos em
colares.
– Como pode ver, eu não carrego um, afinal não sou de
família fundadora. – Felícia disse ao seu lado, ao ver que os
olhos âmbar de Vick se voltaram para sua clavícula,
procurando um pingente inexistente. Os lábios macios eram
cobertos por um batom vinho aveludado, destacando sua
boca tanto quanto o piercing prateado em seu septo.
– Mas espera um pouco... famílias fundadoras? – Ela ainda
processava as informações. – Então minha família...
– Sim, nossas famílias fundaram Pérola de Salem! – Davi
confirmou o óbvio.
– Isso, é incrível.
– É, pode ser legal, mas com essa certa popularidade que
temos aqui algumas obrigações também são
responsabilidades nossa. Como estar presentes em todos os
eventos, dar o bom exemplo, etc...
Não me parece tão ruim. Mas afinal, só não entendo o pôr
que deste nome, “Pérola de Salem”. Tem algum motivo para
se chamar assim?
– É uma longa história, mas pelo que sei, nossos ancestrais
migraram para cá vindos de Salem. A famosa cidade da caça
as bruxas! – David disse.
– Eu já ouvi a história sobre bruxas, mas pôr que eles
migraram?
– Se ouviu a história sobre as bruxas, deve saber o que
ocorria com praticantes de feitiçaria naquela época, não é!?
– Felícia soltou boca a fora, erguendo suavemente seus finos
supercílios.
– Nossos ancestrais, eram... – ela tentava entender,
enquanto se esforçava para pronunciar a última palavra de
sua pergunta. – bruxos?
– Não! – Davi rebateu imediatamente, Victoria estranhou
sua atitude alarmada, mas apenas o fitou com os olhos
semicerrados enquanto um silêncio vago os rondava. – É, na
verdade, mesmo não sendo praticantes de bruxaria tinham
medo de falsas acusações. Isso era bem comum naquele
século, principalmente quando se tinha vizinhos com má
índole.
– E tem mais, as famílias Greene, Salazar e Valentin faziam
história naquela época, pois foram algumas das poucas que
só conseguiam apreender bruxas verídicas. Isso era um feito
respeitável pelo alto escalão da igreja, qual era bem generosa
com muito ouro e pedaços de terra! – A filha de Alice revelou
um pouco mais.
– Nossa, eu não sabia que minha família era portadora de
uma história tão...
– Estranha? – Seu primo a interrompeu, tentando
complementar sua frase.
– Interessante! – Vick realmente não havia achado a história
de sua linhagem estranha, mas sim misteriosa, uma coisa
que lhe atraia muito. – Ainda não entendo o motivo de
partirem de Salem, afinal, se for julgar pelo que me disseram,
eles eram bem envolvidos com o clero, pôr que teriam receio
de serem indiciados por bruxaria?
– Exatamente por isso. Ser bem visto pela igreja cativava
uma inveja crescente em muitas pessoas. – Novamente a
resposta foi concedida pelo jovem a sua frente. Davi não era
muito grande, mas era inevitável não olhar para os bíceps e
coxas grossas sob o tecido de suas roupas, quais eram
coladas e marcavam seu corpo atraente.
– Realmente não era nada fácil ser feliz naqueles anos. –
Promoveu uma pequena piada sem graça, e como resposta
recebeu os sorrisos dos outros jovens. Entre o som dos risos,
a garota de cabelos negros pôde escutar um som agudo se
aproximando, certamente seria o fino salto de sua prima,
mas a certeza só veio após ela olhar para trás.
Cristine surgiu logo em seguida, carregando alguns copos de
suco alaranjado sobre uma bandeja de madeira.
– Aproveitem. O jantar ainda irá demorar vinte minutos. –
Cris apenas depositou a bandeja sobre a mesinha central e
logo regressou para cozinha.
– Sobre o que estão conversando? – Mesmo sem direcionar
seus olhos para sua amiga, Alice sabia exatamente quem era.
– Não pude escutar muito, mas provavelmente eram coisas
de adolescente. – Os cachos presos em um coque volumoso,
permitiam que os brincos de ametista brilhassem em suas
orelhas, combinando com o tom escuro do seu vestido
violeta.
– Reconheço que não devo ficar alarmada com relação a
minha filha, e até mesmo com Davi ou Felícia, mas a outra
garota, ela pode muito bem abrir a boca, é bem seu estilo
fazer tudo sem se importar com as consequências.
– Eu sei, Scarlet sempre foi um problema constante na
família, mas não temos muito o que fazer a respeito. Mesmo
assim se ela disser algo na hora errada, pode causar algumas
complicações e terá suas consequências com o concelho.
Na sala de estar, Sophia contava com muita animação sobre
os lugares onde planejava levar sua mais nova amiga. Em
meio esta pequena distração, a campainha foi tocada,
ecoando seu som agudo por todo o grande sobrado.
– Vick, você pode atender!? – Cristine gritou de onde estava.
– Tudo bem... – Respondeu, e logo estava abrindo a porta.
Paradas em sua varanda haviam duas mulheres: uma delas
aparentava ter mais que cinquenta anos, e mesmo assim era
dona duma beleza incrível, seus traços faciais eram
nitidamente semelhantes aos de Cristine, esse fato fez com
que Victoria soubesse exatamente quem era a senhora de
vestido azul. Um pouco mais atrás, havia outra senhorita,
absolutamente idêntica a sua mãe, como uma espécie de
cópia humana, tendo unicamente como diferença seus
longos cabelos, tão encaracolados quanto vultosas molas.
Sua calça e blazer femininos se destacavam sobre a
neutralidade da blusa branca de cetim.
– Vovó?!
– Vick! – Seu nome foi exclamado em alto e bom tom pela
voz adocicada da sua avó, que a envolveu em seus braços
com firmeza. – Faz tanto tempo... – antes de prosseguir com
suas palavras, afastou-se alguns centímetros para observala
melhor. – e como você ficou bonita! – O cachecol negro
combinava perfeitamente seus trajes.
– Lindo vestido. – O elogio veio de sua tia um pouco mais
atrás.
– Obrigada. – Ela tentou esconder a timidez, mas ainda sim
as maças de seu rosto coraram com os elogios. – Ah, entrem...
– Quem é querida? – Cristine perguntou enquanto
aproximava-se, e ao avistar sua irmã gêmea e mãe entrando
em sua casa, instantaneamente formou um largo sorriso. –
Vocês chegaram! – Abraçou sua irmã mais nova. – mesmo
que isso fosse baseado em apenas alguns minutos de
diferença. – Que saudade Clara. – Não demorando muito,
soltou-a e logo depois voltou seu olhar amistoso para sua
mãe, seus olhos foram tomados por mais e mais daquele
brilho intenso. – Mamãe, é tão bom te ver de novo!
– Eu também estou muito feliz em te rever. Mas agora,
vamos jantar porque estou morrendo de fome.
– Vamos.
Todos estavam sentados em torno da mesa farta, e enquanto
a maioria conversava, relembrando o passado distante, Vick
apenas observava, tentando inutilmente recordasse de algo.
Era como se ela buscasse se lembrar de uma vida que nunca
teve, e ao mesmo tempo, lutava contra as lembranças de
Daniel, mas como se não bastasse este incômodo pessoal, era
fixamente encarada pela ruiva em sua frente.
– E então, como vão as coisas com Willian? – Percebendo o
clima estranho em que sua filha estava, Cris perguntou a
Alice, pois sabia que se dissesse algo atrairia sua atenção, e
assim aconteceu.
– Um pouco agitado com os preparativos do festival. Irá ser
daqui a algumas semanas, então as coisas estão totalmente
corridas, mas você o conhece bem, fica sempre feliz com
essas festas na cidade.
– Ser o prefeito não é fácil. – Clara comentou antes de tomar
um gole rápido de vinho tinto.
– Espera um pouco, – Vick ainda processava as informações
que havia acabado de captar. – seu marido é o prefeito da
cidade?
– Sim. – Antes mesmo que sua mãe afirmasse a delicada
garota com óculos respondeu de imediato, seus olhos
grandes eram como duas gemas esverdeadas.
– Cris querida, você já escolheu a roupa de Vick para o baile
anual?
– Na verdade não. Eu gostaria que você escolhesse mamãe,
afinal, é o primeiro baile dela na cidade.
– Eu disse que teria algumas obrigações como membro de
uma família fundadora. – Sophia sussurrou aos ouvidos da
jovem ao seu lado esquerdo.
– Eu até que gosto dessa história de fundadores. – Ao ouvir
o que Vick acabara de dizer, Cristine lançou um olhar
assustada para a filha de sua melhor amiga, e segundos
depois, lançou seu olhar abismado para sua única
descendente.
– Você já sabe sobre os fundadores? – Alice adiantou-se ao
ver Cris ser tomada por um tom pálido.
– Sim, Sophia e Davi me explicaram sobre os emblemas das
famílias fundadoras, e o pôr que do nome da cidade.
– Sério? Oque mais lhe disseram? – Scarlet perguntou num
tom irônico.
– Só que nossas famílias eram famosas em Salem, por
descobrirem bruxas verdadeiras, e que fugiram de lá por
medo dos seus inimigos levantarem falso testemunho contra
eles, então vieram para cá. Só isso que me lembre.
– E alguém achando que seria eu quem abriria minha boca.
– As palavras da ruiva eram jocosas, lançando seu olhar
felino para Alice e Cris. – Vocês deveriam conversar mais
baixo quando forem falar mal das pessoas. Principalmente
quando for de mim!
– Scarlet! – A senhora Valentin soltou rispidamente. Isso fez
com que a irmã de Davi ficasse quieta, mantendo apenas um
quase despercebido sorriso em seus lábios. Vick lançava seu
olhar confuso para todos.
– Que bom que explicaram a você! – Alice comentou.
– É melhor comerem, não vão querer que a comida esfrie... –
Cris alertou, lembrando que estavam quase esquecendo o
motivo real de estarem ali: o adorável – ou nem tanto. –
jantar em família.
⪼⨀⪻
Algumas horas depois, o encontro familiar havia chegado ao
fim, todos os visitantes partiram, deixando apenas os
agradecimentos por tão boa recepção. Após outro banho
quente e relaxante, Victoria com anseio por descanso teve
pressa em deitar-se, e apanhou o primeiro pijama que
avistou, – um pequeno conjunto amarelo de algodão. – e
partiu ao seu leito de repouso. Seus olhos claros presos no
teto escuro, simplesmente começaram a transbordar suas
lagrimas. Ela manteve seu sorriso boa parte do tempo, o
exibindo timidamente, como se seu único problema fosse
tentar se lembrar de todos, mas a ferida causada por Daniel
ainda estava aberta, ardente e pesada em seu peito. Ela ainda
o amava. Como não podia amar? Ele foi seu primeiro amor, e
mesmo depois de ver aquela cena perturbante dele com
outra nos braços, ela ainda o amava... e era exatamente por
isso que doía tanto.
Seus olhos já estavam ardentes quando suas pálpebras
cederam ao sono, libertando sua mente dos pensamentos
torturantes. Ao menos por um momento.
Onde estou?
Ela perguntou a si mesma, sentindo algo quebradiço entre os
dedos dos pés. Ela forçava sua visão, as pálpebras
semicerradas buscavam enxergar algo, mas tudo ainda era uma imagem embaçada como num vidro úmido. Após tentar
muito enxergar algo em sua frente, finalmente sua vista
clareava.
Oque é isso?
Folhas esverdeadas caiam do alto, tocando suavemente seu
corpo durante o trajeto que percorriam até o solo, tudo em
sua volta era uma floresta de carvalhos frondosos e cheios
de vida, o céu estava limpo e incrivelmente azul. Vick podia
sentir absolutamente tudo, desde a brisa que beijava sua
face, até os galhos quebradiços sob seus pés descalços.
Só agora ela percebeu o vestido desgastado que usava.
Lembrava aqueles trajes de época com seu saiote volumoso
e num tom opaco da cor verde. Alguns rasgos se estendiam
por sua forma, o corpete manchado com algo seco e
vermelho. Passando as pontas dos seus dedos finos, teve
certeza de que era sangue, mas não seu. Seu corpo não tinha
nem mesmo um arranhão. Então, de quem era aquele
sangue?
Ela olhava tudo, captando até mesmo os detalhes menos
prováveis, quando repentinamente algumas gargalhadas
maléficas e debochadas começaram a ecoar em sua volta.
Victoria não conseguia dizer exatamente de onde viam,
pareciam estar em todas partes, fazendo ela se virar a cada
risada amedrontadora, girando seu corpo de um lado ao
outro. O céu começou a ser tomado por nuvens escuras,
cobrindo a floresta pouco a pouco, acompanhada de uma
neblina igualmente densa, por onde passavam a floresta
morria instantaneamente, secando até tomar uma forma
encanecida.
A neblina era como nuvens rastejantes, e quando ela
percebeu que estavam aos seus pés, inundando tudo a sua
volta, seu coração bateu forte, desencadeando milhares de
batimentos acelerados, sua respiração se tornou ofegante, e
mesmo que agora ela já estivesse correndo com seus cabelos
longos e bagunçados ao vento, não conseguia mais alcançar
a luz do sol logo adiante. As risadas as seguiam, mantendo
seu deboche em cada gargalhada. Suas mãos seguravam
firme o saiote, enquanto olhava para frente, mas em apenas
um milésimo de segundo ela olhou para trás, e neste breve
momento sentiu seu corpo se chocar contra algo duro e
amplo.
Ela caiu ao chão, a vista escura e girando com a pancada que
tinha levado, mas com esforço e alguns gemidos quase
mudos conseguiu se levantar, e viu em sua frente uma
espécie de porta. Só agora ela percebeu aquilo, algo tão
grande que seria impossível não notar, mesmo correndo
apavorada.
Sem perceber, seu corpo caminhou sozinho, seus pés davam
passos lentos, seus olhos fixaram-se na grande porta de
pedra e seus ouvidos mal notaram que as risadas haviam
sessado. Tudo já havia sido banhado em neblina e nuvens
carregadas.
Inexplicavelmente havia apenas uma porta, não tinham
paredes, teto ou ao menos uma cabana, apenas um
empilhamento de rochas contornando uma grossa placa de
mármore, na qual claramente ela viu os brasões de sua
família e da linhagem Greene cravados, mas não eram
somente esses, outros símbolos desconhecidos formavam
um círculo perfeito.
Frente a frente aquele objeto majestosamente misterioso,
Vick lentamente esticou seu braço, e em um transe
consumidor acariciou a lisa superfície. Enquanto estava
presa naquele momento, foi surpreendida por um sussurro
ao pé do seu ouvido direito
Seja meu doce sacrifico!
A voz feminina disse, e logo em seguida, uma voz masculina
se sobrepôs, imediatamente sua mente arrebentou as cordas
invisíveis do transe que a prendia, seu corpo se virou
inevitavelmente para que seus olhos pudessem localizar a
origem da voz, e parado a apenas alguns metros de distância,
havia um homem, vestindo uma longa túnica violeta, sua face
era desconhecida, mas mesmo assim, ela sentia que o
conhecia de longa data. Ela procurou pela mulher que havia
sussurrado em seus ouvidos, mas não a viu, havia apenas
aquele homem em sua direção.
– Quem é você? – O homem a ignorou, mantendo seus olhos
negros pousados sobre o objeto antigo, palavras destorcidas
saltavam para fora de sua boca numa velocidade incrível. –
Quem é você? – Insistiu com mais firmeza. Subitamente ele
sessou suas falas e voltou seu olhar para ela, e penetrando
seus olhos com um olhar profundo, sussurrou intensamente:
– Você não deve desperta-la!
Ao ouvir a voz do homem misterioso, que apontava na
direção em que ela estava dando as costas, seu corpo foi
tomado por um arrepio vibrante, seguido por um medo
desbravador. No mesmo instante em que o calafrio invadiu
seu corpo, ela se voltou para traz, a enorme porta que antes
se encontrava lacrada, não estava mais ali, agora havia
apenas um sarcófago acabado e aberto, em seu interior tinha
apenas um vácuo de escuridão. Victoria sentiu algo gélido
emanar dali, e em sua mente assustada concluiu que se
tratava apenas de uma única coisa: as trevas!
Sua única reação foi virar-se imediatamente, e ao fazer isso,
o homem de longo manto a surpreendeu parado em sua
frente, e com um movimento rápido ele a envolveu com seus
braços, lhe cobrindo com sua túnica escura. Com o susto, seu
corpo despertou num impulso brusco. Sua respiração estava
falha e ofeguenta, o suor frio escorria por sua pele, a
sensação ruim que havia sentido em meio aquele estranho
sonho, tão real quanto o ar que respirava, ainda tomava
conta do seu peito, lhe fazendo sentir que algo ruim estava à
se aproximar, não sabia o que, mas tinha certeza de que não
seria nada agradável.
Vick acordou cedo, mesmo que tivesse ido dormir tarde da
noite após o pesadelo enigmático, – o qual resolveu ignorar
mesmo estando com ele ainda pulsando em sua mente. – e
aproveitou que sua mãe havia partido durante a manhã para
fazer compras, rapidamente escovou seus dentes, apanhou
sua melhor roupa de exercícios físicos e partiu para uma boa
caminhada matinal.
Após correr não mais que cinquenta minutos, Victoria
voltou para casa, tomou um bom banho gelado, refrescando
seu corpo quente e suado. Após enrolar-se com uma
corpulenta toalha branca e marchar até seu closet, no mesmo
instante em que o abriu para apanhar uma das suas roupas
ouviu a campainha ecoar. Imediatamente ela foi até a janela,
da qual pôde avistar um veículo idêntico ao de Cris
estacionado em frente a sua casa. Sem ao mesmo vestir uma
roupa, a filha de Cristine desceu as escadas enquanto o som
da campainha soava novamente.
– Já estou indo mãe! – Assim que terminou sua frase, Vick
estava perto o suficiente da porta para abri-la, e ao fazer isto,
a frustação lhe acertou como um tapa forte. Não era sua mãe
quem estava lhe esperando, e sim um garoto.
Ele vestia uma blusa social escura de mangas compridas, sua
calça era preta e apertada, sua pele era tão branca como
neve, seus lábios eram finos e avermelhados como uma
suculenta cereja, o cabelo negro continha uma tonalidade
absolutamente intensa, em seu rosto, os fios brilhantes
formavam uma pequena franja lateral, cobrindo parte do seu
olho direito.
– Ah... – O garoto arregalou seus olhos azuis, a boca
semiaberta estava muda, buscando alguma palavra.
Provavelmente ele não esperava ser atendido uma garota
desconhecida e seminua.
– Pois não? – Tentando não transparecer sua vergonha
eminente, – mesmo com as maças de seu rosto corando cada
vez mais. – Vick perguntou de modo firme.
– Eu, vim pegar um dinheiro com a senhorita Cristine. – Ele
explicou-se, segurando um sorriso que lutava para manter
apenas em seu interior. A voz era grave, até demais para um
garoto com aparentemente 17 anos.
– Qual seu nome mesmo?
– Dominik Bittencourt. – Assim se apresentou, estendendo
sua mão direita. – É um prazer. Senhorita?
– Victoria. – Ela cumprimentou o garoto. – Aguarde só um
momento pôr favor.
– Tudo bem. – Vick rapidamente subiu a escadaria,
caminhando até seu quarto bem iluminado pela luz solar,
indo diretamente até o celular sobre a penteadeira francesa.
– Alô?
– O que foi querida? – Sua mãe exclamou do outro lado da
linha.
– Tem um garoto aqui na porta, ele disse que...
– Ah sim, Dominik... – Cristine a interrompeu, num tom de
auto indignação, que fez com que a garota percebesse que ela
havia esquecido em lhe avisar sobre a visita do garoto. – O
dinheiro está do lado da TV na sala.
– Posso saber para o que é?
– É para o festival dos fundadores, todos devem contribuir.
– Está bem, mas daqui a alguns minutos vou sair com Sophia,
provavelmente não estarei em casa quando você chegar.
– Tudo O.K. Apenas não chegue muito tarde.
– Tá bem.
Finalizando a chamada, Victoria rapidamente foi até seu
banheiro, e substitui sua toalha por um roupão, e logo
retornou para o andar inferior, indo diretamente até a
grande TV de plasma e apanhando o dinheiro que se
encontrava exatamente onde sua mãe havia dito.
– Aqui.
– Obrigado. – Dominik agradeceu enquanto apanhava os
dólares. Por alguns instantes, manteve seu olhar fixado nos
olhos da garota.
– Que foi? – Mesmo sem graça, ela não gostava de
transparecer esta sensação perante estranhos, e perguntou
seriamente.
– Nada, não é nada... ah, obrigado de novo, e até algum dia.
– Até mais. – Ao terminar sua fala, Vick imediatamente
fechou a porta, e ali ficou, parada, permitindo finalmente que
seu constrangimento fosse expressado. E para completar,
lembrou que ainda tinha de se preparar para uma volta pela
cidade.
Já não bastava o jantar na primeira noite de volta?
Agora passeio pela cidade e ver muito mais pessoas
desconhecidas?
Ela rezava para não encontrar alguém de sua infância pelas
ruas, e ter que agir como se lembrasse de tudo formando um
sorriso nada natural no rosto. Mas querendo afastar aquelas
sensações, concentrou-se em que roupa deveria vestir.
⪼⨀⪻
Minutos depois Victoria e Sophia já se encontravam
perambulando pela praça central, onde a luz do sol era
dominante, mas mesmo assim o clima era meio frio. Pessoas
iam e viam em todas as direções, algumas latas de poluição
– carros. – circulavam aos arredores. Sophia utilizava seus
óculos, o mesmo que havia usado na noite passada, seus trajes se baseavam em um simples e delicado vestidinho azul
celeste e um lindo cachecol preto.
– Você vai amar, o nome é Taberna de Salem, é o lugar mais
badalado de nossa cidade, ao menos pelos jovens. E hoje é
dia de música ao vivo! – Sophia estava tão empolgada, e era
tão pequenina e meiga que parecia até mesmo uma
bonequinha de animes japoneses, com aqueles grandes
olhos brilhantes e esverdeados.
– Tem muita gente? – Vick perguntou, sempre foi um tanto
reservada, principalmente quando se tratava de lugares
onde pessoas se aglomeravam facilmente.
– Como vou saber, ainda não estamos lá. – A resposta soou
num tom sarcástico. – Provavelmente sim! Mas relaxa,
também sou reservada, mas este é definitivamente o único
lugar onde venho e me sinto a vontade.
– Não sei se é uma boa ideia.
– Agora não tem como voltar atrás. – Sophia soltou dando
um pequeno pulo a frente, fazendo Victoria sessar seus
passos. Ao olhar para sua direita, Vick notou que haviam
parado em frente a uma porta de vidro, na qual pôde ler
nitidamente: Taberna de Salem. Antes de dizer uma só
palavra, Victoria pensou se teria coragem para entrar em um
local repleto de pessoas desconhecidas, mas logo foi
convencida pelo olhar insistente da garota em sua frente.
– Vamos, antes que eu mude de ideia!
– Legal. Você definitivamente não vai se arrepender.
Sophia rapidamente abriu a porta do estabelecimento,
abrindo passagem para que ela entrasse primeiro, e ao
atravessar o rodapé da porta, a linda garota com um longo
rabo-de-cavalo e botas de couro escuro avistou
absolutamente tudo no interior daquele “ponto de
encontro”. A primeira coisa que lhe chamou a atenção foi
uma espécie de bar logo ao fundo, onde algumas pessoas
bebiam e conversavam, no centro, haviam algumas mesas
espalhadas, grande parte delas ocupadas por jovens
lanchando. As músicas mais escutas do ano tocavam sem
parar. Enquanto Victoria observava tudo atentamente, sua
amiga de óculos entrou logo depois, parando ao seu lado,
lançando seus olhos esverdeados para todas as direções.
– Procurando alguém?
– Uma pessoa que quero te apresentar... – A resposta foi
dada, porem ela continuou lançando seu olhar bisbilhoteiro
em todas as direções. – Ali, encontrei. Vem comigo. – Ela
puxou sua amiga pelo punho direito.
Descendo por três degraus, as duas atravessaram a pequena
lanchonete, Victoria nem ao menos sabia em que direção
estava sendo levada, e nem mesmo prestava atenção nisso,
apenas desviava-se das pessoas pelo caminho, mantendo seu
olhar baixo.
Quando notou que finalmente haviam parado, ela levantou
seu rosto e viu sua mais nova amiga cutucar alguém sentado de costas para elas, um garoto de cabelos bagunçados, então,
mais uma vez, olhou os arredores e percebeu que estavam
paradas perante o balcão, no qual bebidas eram servidas em
abundância pelo bar-tender simpático e incrivelmente
bonito. Sabendo onde estavam, novamente lançou seu olhar
para o rapaz que a filha de Alice cutucava, e quando
finalmente o garoto virou-se, Vick foi surpreendida ao se dar
conta de quem se tratava. Dominik!
– Oi. – Sophia saudou com um sorriso, chamando assim os
olhos do jovem para si, mas não demorou muito e o olhar
dele se voltou para a neta de Josephine. – Eu quero que
conhe...
– Victoria! – Interrompeu.
– Vocês já se conhecem?
– Nos conhecemos hoje cedo. Fui até a casa dela para pegar
a contribuição para o festival.
– Ah é claro, o dinheiro. – Sophia soltou boca a fora. – Agora
que já se conhecem, posso pedir para esperarem aqui
enquanto vou ao banheiro?
– Tudo bem. – Vick consentiu, mesmo que estivesse
absolutamente sendo tomada pela timidez, transpareceu
que não se importava em ficar ali, com pessoas que nunca
havia visto em sua vida. – exceto Dominik. – Sua amiga
afastou-se até sumir entre a multidão.
– Olha só, ela veio com roupas! – Dominik comentou,
formando um sorriso sarcástico. Sem entender, a jovem
franziu sua testa, – e mesmo que sua franja perfeita estivesse
a cobrindo por inteiro podia-se notar o gesto. – e ainda
confusa, tentou processar o que ele estava querendo dizer,
mas logo entendeu, e antes de responder sorriu sem graça.
– Pensei que era minha mãe tá legal, o seu carro é igual ao
dela. Além disso, eu não atendo ninguém apenas de toalha.
– Atendeu a mim! – Dominik fez outro comentário,
conquistando outro sorriso.
– Eu já disse, pensei que fosse minha mãe.
– Entendo. Sinceramente falando, espero que se confunda
mais vezes. – O garoto a cortejou sem ao menos ficar com
suas perfeitas maças do rosto avermelhadas.
– Mas então, o que você faz da vida... Dominik, não é?!
– Por favor, me chama de Nick.
– O.K, Nick...
– Bom, eu estudo, mas como estou de férias como a maioria
aqui, ajudo minha mãe a cuidar dos negócios da família.
– Legal. E vocês trabalham com oque?
– Bem, você tecnicamente está “dentro” do nosso trabalho!
– Nick respondeu, dando uma breve olhada ao seu redor.
– Oque, você quer dizer que este lugar...
– Sim, a tão frequentada Taberna de Salem é nosso ganha
pão!
– Isso é muito legal.
– Tudo tem suas polaridades, e ser dono do local mais
badalado de nossa cidade não escapa desta realidade. Ainda
mais sendo propriedade de uma família fundadora.
– Espera um pouco, sua família também é fundadora? – A
cada movimento suave da cabeça de Vick, seu longo rabo-decavalo
dançava sobre o tecido grosso da jaqueta jeans.
– Você não sabia disso?
– Na verdade, só soube que era de uma delas ontem, e
apenas fui informada sobre a minha, de Sophia e uma tal de
Salazar!
– Isso é sério? – Ele se mostrou incrédulo no que acabara de
ouvir, não fazia sentido que a garota em sua frente somente
agora estivesse sabendo daquilo. A resposta de sua pergunta
veio como um pequeno sinal afirmativo. – Bom, já que é
assim, vou lhe explicar melhor. Existem sete famílias
fundadoras, mas nem todas são de Salem. Minha linhagem
pôr exemplo veio da Inglaterra, a sua, a família do prefeito e
a família Salazar, a qual j são de Salem, também temos os
Gerouge da França, os Figueira do Brasil e os Young da China.
– Quantas origens.
– Eu sei, mas assim que é bom, tudo junto e misturado. –
Nick brincou, formando um sorriso deslumbrante,
conquistando outro da garota em sua frente.
Victoria não tinha intenção alguma, mas era quase
impossível não se perder naqueles olhos de safiras
hipnotizantes, mas ainda mais atraente que aquelas gemas
azuis, eram aqueles lábios esculpidos perfeitamente, o tom
avermelhado lembrava uma suculenta cereja umedecida. Ela
fez com que qualquer pensamento, qualquer desejo não
criasse raízes em sua mente, não poderia se envolver com
alguém logo agora, dias depois de ser traída por Daniel, não
estava preparada para isso, e além do mais, conhecia Nick á
quanto tempo? Duas Horas? Isso era absolutamente
inaceitável!
– Finalmente vão começar! – Dominik disse, olhando para
um palco do outro lado da Taberna, para onde Vick também
olhou curiosa.
– Felícia? – Ela falou de forma vaga ao ver a mulata subindo
com uma guitarra em mãos. A jaqueta de couro preto,
combinava adequadamente com a blusa longa e branca, a
saia com calda era leve e escura. – Quem é aquele? – Ela nem
mesmo olhou para Nick, se manteve fixada no garoto atrás
da jovem sobre o palco. Ele também fixou seus olhos azuis
nos dela, um olhar neutro, sem emoção, frio e misterioso. Os
cabelos ondulados sobre seu olho direito eram de longe os
mais brilhantes que ela já viu em um garoto, a barba
desenhava seu rosto perfeitamente, deixando ainda mais atraente aquele maxilar bem marcado. O blazer cinza escuro
ia até alguns centímetros acima dos seus joelhos, a calça e a
bota de couro negro deixavam sua aparência ainda mais
marcante.
– Caleb King. – Alguma voz familiar surgiu atrás de Vick, que
se virou rapidamente. – Meu cunhado fechado e gostoso! –
Scarlet sempre andava daquele jeito? O decote era
exuberante, seus seios brancos e rosados quase saltavam
para fora. A calça vermelha sangue se destacava entre a
camisa e o blazer, ambos pretos. O salto alto era
indispensável para a ruiva.
– Ah não, você de novo!? – Dominik brincou com um sorriso
torto.
– Agradeça a banda da minha namorada pela movimentação
aqui, se não fossemos nós você estaria falido!
– Agradeço a Felícia todos os dias, mas não é tão bom ter que
ver você seminua todos os dias.
– Ciúmes de ex-namorado? – Scarlet arqueou uma das
sobrancelhas, realçando seu rosto felino.
– Vocês eram namorados? – Vick perguntou, interrompendo
a conversa.
– Sim, até ele me largar sem motivos!
– Sem motivos? Eu peguei você beijando Felícia, que era
inocente e não sabia sobre nós! – Victoria não queria causar
uma discussão, mas era o que parecia estar quase
acontecendo quando Caleb acenou para a ruiva de cima do
palco.
– Sinto muito, realmente há gemidos que apenas um homem
pode arrancar de você, mas as vezes só uma garota pode te
fazer tremer em delírio! – Scarlet deu uma piscadela para
Nick, fazendo sua deixa com um sorriso malicioso.
Vick não conseguia dizer nada depois de ouvir aquela
conversa, apenas ficou com seus olhos arregalados e sua
boca semiaberta.
– Sim. Ela me trocou por uma garota, e vive repetindo essa
frase para me dizer que encontrou alguém melhor que eu na
cama, que cá entre nós, algo quase impossível! – Ela sorriu
se perguntado: ele disse mesmo isso?
Victoria achava que já tinha visto garotos convencidos e
atirados, mas Dominik batia o recorde. Ainda assim ele
conseguia ser doce e fofo. E isso a deixava louca.
Ela nem ao mesmo notava que pouco a pouco, muito antes
do que esperava, se enturmava com as pessoas, matando
lentamente a insegurança da mudança ainda fresca.
Ao fundo a voz de Felícia ecoou por algumas caixas de som,
chamando a atenção de todos e agradecendo pela presença.
Todos fizeram silêncio enquanto ela falava, Scarlet logo atrás
se ajeitava na bateria bem elaborada. E quando finalmente a mulata disse a música do dia, algumas pessoas gritaram,
assovios puderam ser escutados também.
Sério? Sweet Sacrifice da banda Evanescence?
Não só a música, mas também a banda preferida de Vick!
Ela não podia querer escutar algo melhor para se sentir mais
acolhida. E tudo estava perfeito. A voz doce de Felícia,
enquanto seus dedos finos pareciam ter vida própria
deslizando nas cordas da guitarra ESP, aparentemente um
modelo dos anos 90 bem conservada. A ruiva e o garoto
misterioso não ficavam para trás. Era impressionante a
harmonia entre o baixo e a bateria, sincronizando tudo
impecavelmente.
Tudo estava indo bem, perfeitamente agradável, até que
como uma brisa em seu ouvido esquerdo, uma voz feminina
sussurrou em um sopro: seja meu doce sacrifício!
Ela se virou com o pequeno susto, mas não havia nada além
de jovens cantando por perto. Aquela voz era a mesma do
sonho, dizendo a mesma coisa.
– Algum problema? – Nick perguntou.
– Não...nenhum! – Respondeu, tentando disfarçar sua
inquietação.
Outras músicas foram tocadas, enquanto a neta de
Josephine e o jovem Bettencourt conversavam e riam. Ao
voltar do toalete, Sophia envolveu-se na conversa.
Enquanto os jovens se distraiam, nem ao menos notaram
que o crepúsculo do anoitecer estava acontecendo do lado
de fora, trocando a cor azul do céu por um tom mais
alaranjado, que lentamente caminhou ao vermelho até ser
invadido pela escuridão da noite.
Na residência de Josephine, uma pequena e importante
reunião se iniciava. Cristine, Clara e a encantadora Alice.
Todas elas saboreavam o bom chá que a mais velha entre as
Valentin havia preparado.
– As chamei aqui apenas por um motivo. Precisamos
conversar sobre os cinco clãs de Pérola de Salem! –
Josephine deu a primeira palavra.