A ORDEM DAS VALQUÍRIAS - OS JOGOS - PARTE 2 (cap 4 )

Fez-se silêncio na arena quando Freya e Karen pisaram na areia.

- Não teremos descanso? - perguntou-me Hilda.

- Parece que não. - respondi.

Freya era uma mulher de 25 anos, tinha os cabelos dourados e olhos mais azuis que os de Hilda, suas armas principais eram a espada e o escudo. Karen era um ano mais nova, tinha os cabelos e os olhos escuros, usava a lança como arma principal.

A história delas tem a ver com a origem da Ordem das Valquírias. Por causa da guerra, homens de todas as idades foram obrigados a irem às armas enquanto que as meninas eram entregues a um orfanato ao leste do continente. O orfanato se manteve graças aos esforços de Heitor, a coruja do mar, um njordniano que saqueava as cidades simpatizantes do Império do Sol para enfraquecê-lo e levava os mantimentos para aquelas órfãs pelo mar. O império descobriu e fez um terrível massacre no orfanato a fim de desmoralizar a tripulação do Coruja do Mar. Freya, com apenas 14 anos na época, organizou as sobreviventes e pediu que Heitor as ensinasse a usar armas.

O njordniano lhes trazia armas e livros sobre a arte da guerra enquanto elas praticavam o que aprendiam nas cavernas perto da praia. Karen era a mais interessada nos livros, ela é a estrategista da Ordem, foi ela quem planejou todas as nossas defesas, instituiu o modelo de formação em quatro anos e instalou o sistema de duplas.

Com o tempo aquelas meninas desenvolveram seu próprio estilo de luta e possuíam autonomia em todas as áreas, eram capazes de produzir suas próprias armas. Elas já não precisavam mais da coruja do mar mas ele as visitava de vez em quando e sempre era recebido com grande festa.

O antigo orfanato se tornou uma fortaleza e suas guerreiras declararam guerra império quando expulsaram seus mercenários das aldeias circunvizinhas. A fama das amazonas ferozes de roupas negras se espalhou e o misticismo fez acreditar que as valquírias, guerreiras mitológicas dos deuses mortos, haviam retornado. Muitas meninas desejavam o mesmo destino e começaram as jornadas de criança até a terra das valquírias, transformando-as em presas fáceis para sequestradores no caminho. A organização foi crescendo e preocupando o império, que tentou diversas vezes derrubar os muros do Valhala, todas em vão. Houve uma batalha em que Freya e Karen foram pegas numa armadilha e derrotaram, sozinhas, 200 mercenários do Império do Sol. Após este combate Freya precisou de ajuda para soltar seus dedos do punho da espada.

Estas eram as nossas adversárias, as maiores valquírias da história.

- Formidável, a última técnica que vocês usaram. - disse Freya.

Não consegui responder, nunca me imaginei conversando com ela e o elogio me pegou desprevenida mas no fundo me senti feliz pelo reconhecimento da guerreira que eu mais admirava, desde que cheguei na Ordem quero ser como ela.

De repente o tempo mudou e começou a ventar forte, ventos de uma tempestade que estava se aproximando. As flores da vitória começaram a voar sem rumo no campo de batalha.

- Vamos acabar rápido com isso - disse Karen - não pretendo me molhar.

- Comecem! - ordenou a juíza.

Freya avançou na minha direção e Karen na de Hilda, mas quando estavam próximas mudaram o rumo cruzando suas novas direções, formando um Xis, trocando seus alvos. Desviei da lança de Karen e trocamos alguns golpes, o mesmo acontecia entre Hilda e Freya, então elas fizeram de novo, trocaram de oponentes. Ficamos um tempo neste tipo de combate, aos sons dos trovões, até a chuva cair finalmente.

- Acho que está molhada.

Não podia deixar escapar a chance de zombar de Karen depois da arrogância dela no inicio da luta.

- Karen! - era a voz de Hilda - Você e eu, lança contra lança.

- Quando foi que você deixou de me chamar de Senhora? - retrucou Karen.

Elas recomeçaram a trocar golpes. Estocavam, esquivavam, giravam a lança e bloqueavam. Num momento Karen fez uma pirueta para traz acertando um chute no queixo de Hilda e, tão rápida quanto o bote de uma serpente, investiu contra ela. Hilda esquivou e contra-atacou com a técnica do escorpião, em que ela oferece a lateral do seu corpo para o adversário apoiando a lança sobre os próprios ombros e desfere uma série de estocadas no inimigo. Acreditei por um instante que Hilda havia vencido mas Karen fincou a ponta de sua lança no chão equilibrando-se de cabeça para baixo, sustentando seu peso apenas com uma das mãos na base de sua arma, fora do alcance do ataque de Hilda. Quando minha parceira notou que errou o golpe era tarde demais, Karen caiu sentada sobre os seus ombros e usou as pernas pra estrangulá-la até que desmaiasse.

- Hilda!

Tentei socorrê-la mas Freya me acertou um chute que arrancou meu fôlego.

- Agora é a nossa vez Scarlet. - ela disse.

Eu usava as sequências básicas de espadachim, combinando escudo e espada para atacar. Durante os quatro anos adquiri uma performance exemplar naqueles movimentos.

- Quem você pensa que está enfrentando? - perguntou Freya - Eu criei estes ataques!

Ela usou os mesmos golpes que eu usara porém sua técnica era mais refinada que a minha, movimentos graciosos e choques poderosos.

- O treinamento das valquírias faz com que qualquer menina seja capaz de derrotar dez imperiais - disse Freya - mas quando enfrentar um guerreiro de verdade será derrotada, como sua companheira. Karen venceu porque se adaptou as circunstâncias utilizando um movimento inusitado mas eficiente. Como vocês em sua última luta.

Freya fincou sua espada no chão e elevou a sua voz acima dos trovões, dirigindo-se a todas que participavam dos jogos naquele ano.

- Ouçam cadetes! Se lutarem de forma sistemática, conforme tudo o que aprenderam, terão sucesso até encontrarem um guerreiro de verdade, que não pensa sobre o próximo movimento que irá executar, apenas confia nas suas habilidades e deixa seu corpo reagir por instinto. Seja imprevisível.

As últimas palavras foram apenas para mim. Ela recuperou sua espada e me atacou. Esquerda, esquerda, giro, direita e chute. Direita, direita e cabeçada. Eram sequências que não aprendíamos durante a formação. Ela estava agindo por instinto, rodopiava bastante mas seus giros eram diferentes dos das lâminas gêmeas. Enquanto estas tinham apenas a intenção de potencializar seus ataques, aquela esquivava, contra-atacava e aumentava seu poder de choque num único movimento.

De repente enxerguei tudo em tons de vermelho, não compreendi mas vi uma abertura. Chutei as pernas de Freya, derrubando-a, e mudei instintivamente a pegada no punho da minha espada a fim de golpeá-la quando chegasse ao chão mas Freya se sustentou com uma das mãos e executou um giro de corpo, de ponta cabeça, chutando meu rosto.

- Finalmente entendeu. - ela disse - Vamos por um fim a esta luta.

Ela ficou mais rápida, cheguei a sentir temor, não me dava espaço para contra-atacar mas em alguns momentos minha visão ficava avermelhada, ela parecia mais lenta e eu era capaz de reagir.

Acordei na casa de cura com Rafaela, a primeira amizade que fiz quando cheguei na Ordem, cuidando de mim.

- Você acordou - ela disse - como está se sentindo?

- Como se tivesse sido esmagada por uma centena de cavalos. - respondi.

Rafa sorriu.

- Foi mais ou menos isso. Você lutou muito bem, madame Jussara disse que nunca viu Freya usar tanta força nos combates promocionais dos jogos, Karen teve que segurá-la. Você conseguiu a atenção dela, com certeza.

- Como recompensa recebo estes hematomas?

- Não - ela não parava de rir - ganhou isto.

Ao lado da minha cama haviam um escudo e uma espada de bronze. A espada era um gládio, minha favorita, o escudo era de madeira de carvalho envolvido por uma placa de bronze, com tiras de couro na parte posterior, dispostas de maneira que facilmente deslizasse das costas para o antebraço do usuário.

- O prêmio para as vencedoras dos jogos. Eu fiquei com esta lança de.

Hilda entrou no quarto exibindo sua lança com haste de madeira de carvalho e ponta de bronze.

- Não somos mais cadetes? - perguntei.

- Cadetes? - debochou Hilda - Se fui esta coisa algum dia, já não lembro mais.

- O que faremos a partir de agora? - quis saber

- Você ficou em coma por três dias - disse Rafa - é melhor descansar até que madame Jussara possa te dar alta.

R Martins
Enviado por R Martins em 30/01/2016
Reeditado em 26/03/2016
Código do texto: T5528341
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