LENDA DO VEADO BRANCO, OU A LENDA DO ANHANGÁ
Nos primórdios da cidade de São Paulo, acreditava-se que o espírito de um veado branco aparecia em alguns lugares, durante as madrugadas frias e garoentas da metrópole de Piratininga. Acreditava-se então, que quem o visse, tinha contas a acertar com Deus. Na “Geografia dos Mitos Brasileiros”, de Câmara Cascudo, conforme sua pesquisa, a mensagem que a aparição trazia era o significado de Anhangá, ou seja, “Alma que Corre”. Alguns outros pesquisadores dizem que seu significado seria “alma errante dos mortos”, como também sombra, visagem, espectro ou assombração.
Tal como o Curupira, o Anhangá é protetor de todos os animais. A ele parece estar afetos o destino da caça e da pesca. Mas, como a alma é invisível, assume diversas formas. As formas nas quais se apresenta depende da pessoa para quem ele aparece.
Para desesperar pescadores, por exemplo, surge como pirarucu-anhangá e jurará-anhangá; duendes de pirarucu e tartaruga!
O Anhangá pode apresentar-se ainda na forma de um pássaro (galinha do mato), macaco, morcego, rato etc. Nas fábulas conhecidas da região norte, encontra-se diferentes formas de sua presença: Mira-anhangá – visagem de gente; Tatu-anhangá – visagem de tatu; Suasu-anhangá – visagem de veado; Tapiira-anhangá – visagem de boi.
A sua forma mais comum de aparição, é como um portentoso veado branco, com chifres cobertos de pelos, olhos de fogo e com uma cruz na testa.
O Anhangá traz para aquele que o vê, ouve ou pressente, certo prenúncio de desgraça; além do que os lugares frequentados por ele são mal-assombrados.
Quando o Anhangá assobia, a caça e a pesca desaparecem por encanto.
Existem caçadores e pescadores astutos que, tão logo reconheçam seu assobio com ele compactuam; para uma boa caça ou pesca, oferecendo-lhe tabaco. Nesses casos, procedem assim:
-" Meu compadre me dê uma boa caça, que lhe presenteio com um pouco de tabaco”.
Se a pessoa for atendida, deve cortar uma vara, rachar sua ponta e nela introduzir o tabaco (pedaço de fumo de rolo), mortalha para cigarros (palha de milho macia) e fósforos. Feito isso, espeta a vara nas proximidades de onde a caça foi abatida, dizendo:
-“Compadre está aí o tabaco prometido”.
Contam que todos que se dispuseram voltar para procurar o ofertório, jamais o encontraram.
Mais uma vez o fumo assume um relevante papel no cotidiano das gentes do mato. O tabaco é utilizado também como ofertório para aplacar a ira, a cólera, dos seres punitivos e vingativos, ou agradar os benfeitores; para afastar as influências maléficas e atrair a proteção das deidades do mato (inclusive o saci-pererê). Segundo relatos, se alguém fizer pouco caso de Anhangá, apanha na hora sem saber de quem, como se fosse atacado por alguém armado com um pedaço de pau.
(Foi bom entender esta parte, pois o pai desse autor, Sr. Joaquim, certa vez apanhou de vara quando montado num cavalo e nas altas horas da noite, num trecho de mata virgem da fazenda de café em que morávamos. O testemunho dele veio corroborar com as informações que consegui na pesquisa).
Dizem que, se um caçador desprevenido se aproximar do Anhangá em forma de veado e tentar abatê-lo, terá uma desagradável surpresa, pois este, expelindo fogos pelos olhos, o atacará com incontrolável fúria.
Dizem que se o caçador quiser ter uma caçada tranquila, deve evitar a presença do Anhangá. Antes de entrar na mata deve acender foguetes, desses de festa junina, com duas ou três bombas. Se já estiver dentro da mata, pode se “auto defumar” com castanha de caju ou ainda, mais fácil, fazer uma cruz com madeira da própria mata.
Apesar dos poderes de Anhangá, a astúcia de caçadores e pescadores consegue neutralizá-los em parte.
“Anhangá” são motes para cantar o mito amazônico que protege os animais do caráter predatório de pescadores e caçadores.
O Anhangá é um gênio andante, um espírito arredio ou vagabundo, destinado a proteger os animais das matas. Quando um caçador persegue um animal que está amamentando, por exemplo, corre o risco de ser atacado pelo Anhangá.
Nas nações indígenas essas histórias são muito importantes, possuem o poder de doutrinar os jovens e os arredios. Algumas dessas histórias foram criadas a partir de fatos verídicos, acontecidos nas regiões onde viveram seus heróis antepassados, que se sobressaíram dentre os membros de sua tribo, pelo poder, coragem, beleza, bondade, caridade, ou outros feitos, tornando-se encantados!
Outras se referem à flora e fauna da região, pois segundo suas crenças, tanto as plantas como os animais, os rios, os igarapés, os lagos, as cachoeiras e o mar, possuem os seus protetores que exigem respeito e inspiram temor. Dentre as lendas mais conhecidas está esta, do Veado Branco; ou Anhangá.
Voltando à cidade de São Paulo, em seus primórdios: o local em que o veado branco mais vezes foi visto, é onde hoje localiza-se o Cemitério do Araçá!
Postfácio
N.A.: as lendas indígenas são histórias fantásticas cheias de mistério sobrenatural, ligadas à feitiçaria e à magia.
Fontes
-Geografia dos Mitos Brasileiros - Câmara Cascudo;
-Painel de Mitos e Lendas da Amazônia - Franz Keuter Pereira; e
alguns sites, destacando-se Wikipédia
- J Coelho, do www.RecantodasLetras.com.br
- BEZERRA, Ararê Marrocos; PAULA, Ana Maria T. de. Lendas e mitos da Amazônia. Rio de Janeiro: Demec, 1985. 102p.
-CÂMARA CASCUDO, Luís da. Lendas brasileiras. Rio de Janeiro: Ed. de Ouro, 1984. 166p.
- Literatura citada no corpo do texto